Lupas (806)
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O sucesso de Atlantique mundo afora é justificado por suas inerências fundamentais: o fato de ser um raro exemplar do cinema senegalês, e articular suas questões sociais com suas paisagens, e potencializá-las com elementos sobrenaturais de visual ao mesmo tempo simples e impactante. Mas o modo como isso se une e se desenvolve narrativamente é pobre. Até na estruturação da montagem, eventualmente (vide a subtrama que redunda na explosão de um prédio), se exarcebam grandes deficiências de roteiro.
Rodrigo Torres | Em 01 de Dezembro de 2019.
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Aqui, sim, o cinema autoral da Filmes de Plástico me conquista. Com o seu "nada acontece" característico não só emulando perfeitamente as vidas retratadas e as reflexões sociais que suscita, como de forma mais envolvente que em obras como Ela Volta na Quinta e Temporada. Mérito do roteiro mais maduro dos irmãos Martins e de um elenco inspirado em Leo Pyrata, Barbara Colen, Kelly Crifer, MC Carol (!) e Grace Passô, que se destaca como estrela principal desse singelo e relevante movimento mineiro.
Rodrigo Torres | Em 18 de Novembro de 2019.
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2019 é mesmo o ano dos filmes-testamentos. Com Scorsese realizando o seu definitivo sobre a máfia, questionando esse homens ao retratá-los sem o glamour de outrora e em sua versão radicalizada: um mais frio, outro mais histriônico, um terceiro mais sério, cerebral e cruel, e todos bem velhos, tanto representando um modo de vida que não se sustenta mais, como o fim de carreira de seus feitores. De Niro e Al Pacino foram feitos um pro outro. Joe Pesci, gênio, nem parece que se aposentara.
Rodrigo Torres | Em 15 de Novembro de 2019.
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Um dos melhores exemplos de rebeldia crítica, do tipo que se estende por todo o fazer do filme: no roteiro aleatório, na inspiração de seus intérpretes, na produção maluca e na forma como isso pulsa na tela. Só não pulsa mais por conta do esmero de John Landis, o que ainda não sei se é bom ou ruim. Aliás, meu "sonho de princesa" depois que ficar rico é filmar seu roteiro de 320 páginas do modo que for, de filme em duas partes a série animada. Torçam por mim e me cobrem depois.
Rodrigo Torres | Em 12 de Novembro de 2019.
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Assim como Clint, Gray e Tarantino em seus trabalhos recentes, Almodóvar realiza um filme-testamento bonito, tão autobiográfico apesar de ficcional baseado em protagonistas supostamente terceiros, que se trata de uma reflexão intimista e afetuosa sobre si mesmo e sua obra. E o melhor de tudo: tanto Dor e Glória, como A Mula, Ad Astra e Era Uma Vez Em... Hollywood não se resumem a isso. Muito pelo contrário. Todos entre os filmes mais relevantes de 2019.
Rodrigo Torres | Em 11 de Novembro de 2019.
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A habilidade que sobra para costurar uma verdadeira trama, com um drama social rascante que corre com toda fluidez, finas tintas cômicas e set-pieces de suspense cruciantes (apesar de fundadas na comédia de erros), além de perfeita mise-en-scène, direção de atores, articulação e tensão de todos esses elementos e sensações narrativamente, falta no momento mais fácil: o de se encerrar. O final se alonga e a última cena é uma excrescência que subestima o espectador e a si. É o que faltou para o 10.
Rodrigo Torres | Em 06 de Novembro de 2019.
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O Artista do Desastre do blaxploitation. Focado não só no amor de um outsider pelo cinema e no hilário (apesar de desastroso, ou genial) resultado disso, como, principalmente, uma ode a toda a cultura negra. Abordando temas fundamentais, como marginalidade e preconceito (na sociedade e nas artes), em confronto com os sentimentos que evoca, como identificação, orgulho e superação.
Rodrigo Torres | Em 05 de Novembro de 2019.
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David Michôd realiza mais um filme brutal. Sombrio, carregado. Chafurdando em temas condizentes com essa carga dramática: família, poder, traição, autocomiseração. Tudo isso embalado em um filme de guerra medieval com grandes atuações, especialmente a principal, do já grande Timothée Chalamet, além do maior parceiro do cineasta, Joel Edgerton. No que falha em precisão histórica, esbanja em cinema. Vide o modo como explora o rosto expressivo do protagonista. Grata surpresa da Netflix.
Rodrigo Torres | Em 05 de Novembro de 2019.
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Uma das grandes atuações mirins da história do cinema como molde desse universo que fabula uma história essencialmente crítica sobre uma realidade social tão triste.
Rodrigo Torres | Em 20 de Outubro de 2019.
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O retorno de Matteo Garrone a um subúrbio pobre e violento da Itália é mais que um resgate de seu melhor cinema; é uma investigação social que tanto dialoga com as heranças da sétima arte no país. Assim, um cinema autêntico e identificado para onde se vê, além de um thriller muito competente — imersivo, intenso — que tão bem explora signos de outra gênese, o film noir. Soma-se a isso um visual evocativo, uma atuação principal soberba e um desfecho tocante.
Rodrigo Torres | Em 19 de Outubro de 2019.
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Uma breve ponderação: o uso sistemático de angulações fora de eixo para sublinhar o estado psíquico de Arthur (Phoenix espetacular), algo que funciona bem nos quadrinhos e cansa um tanto no cinema (ao menos a mim, opinião que pode mudar em revisões). A impressão é de que muito se filmou, que uma decupagem mais enxuta teria potencializado esse recurso, em sendo usado com mais economia. Aliás, o apelo ao onírico na cena final (maravilhosa) é um bom exemplo de alternância desse signo de loucura.
Rodrigo Torres | Em 16 de Outubro de 2019.
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Vince Gilligan filma bem demais, e suas marcas autorais me agradam tanto quanto a própria Breaking Bad (e a também excepcional Better Call Saul), para eu dizer que El Camino é desnecessário. Não tem decepção também porque eu sabia o que esperar: um episódio mais longo da série original focado no personagem e intérprete que não são do meu maior agrado. Que vale pelo reencontro com um universo que evoca saudade e pela competência habitual dos envolvidos, embora não fuja da redundância.
Rodrigo Torres | Em 14 de Outubro de 2019.