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Críticas

WALL·E

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A Pixar está para a animação assim como Michael Phelps está para as piscinas. Desde que a empresa foi criada na década de 90, a rotina tem sido a mesma. Eles lançam um bom filme, nos deixam embasbacados e mal dá tempo pra rasgar todos os elogios e lá vêm eles com outra obra-prima.

Não se trata apenas de esbanjar talento, o estúdio de John Lasseter gosta mesmo é de desdenhar a própria capacidade de superação. Só assim pra explicar Wall-E, longa da Pixar que se vale da estética sci-fi e linguagem do cinema mudo para contar uma história de amor com ecos de consciência ecológica.

Nas mãos de outro estúdio, um filme como esse tinha tudo para dar errado. Mas estamos falando da Pixar. Da empresa que revolucionou a animação. Que sempre mostrou ter um talento incomum em humanizar o inanimado. Que nunca errou a mão em nenhum de seus projetos A única instituição do mundo capaz de dar vida e sentimento a brinquedos, carros e robôs e fazer isso parecer uma simples tarefa doméstica.

Escrito e dirigido por Andrew Stanton - o cérebro mais privilegiado da Pixar-, a saga do robozinho Wall-E, se passa num futuro distante, onde o lixo é a única matéria prima existente na Terra. Sua função é recolher e empilhar os dejetos deixados pela população extinta, atividade que desenvolve por séculos. Durante este tempo, Wall-E se dedica a colecionar os resquícios que sobraram humanidade. Entre as quinquilharias que encontra está o musical Olá Dolly!, com o qual passa a aprender sobre os sentimentos humanos .

A descoberta desse e de outros elementos faz com que o robozinho passe a ganhar personalidade própria, tornando-se cada vez mais sensível e independente. Seus dias de solidão acabam, quando conhece a Eve (ou Eva), um protótipo mais avançado de sua espécie que vaga pela Terra em missão secreta.

Até aí, o filme já tem 45 minutos. Durante esse tempo, toda narrativa da animação é expressa por imagens e sons, sem nenhum diálogo. É claro que o sujinho e solitário Wall-E se apaixona pela moderna e destemida Eve. Ao encerrar sua missão no planeta, que era a de encontrar indícios de vida vegetal, ela retorna para a nave misteriosa que a deixou na Terra.

Disposto a não perdê-la Wall-E se infiltra na espaçonave e dá início a uma incrível aventura pela galáxia. Lá dentro, ele descobre que os poucos sobreviventes da humanidade vagam a 700 anos num cruzeiro galáctico pelo espaço, enquanto buscam solucionar o problema da Terra.

A partir daí, multiplicam-se as referências cinematográficas do filme. Ao entrar na nave Axiom, Wall-E torna-se uma versão robótica de Charles Chaplin de Tempos Modernos, retrógrado, perdido e atrapalhado, tentando acompanhar o ritmo frenético da tripulação espacial.

Não é preciso muito esforço para constatar que o computador Auto, que controla a missão da Axiom, é citação explicita a HAL 9000 do filme “2001″. Há também referências de outros filmes de ficção como ‘Alien’ - Sigourney Weaver participa das dublagens - e ‘Guerra nas Estrelas ‘ - a voz dos protagonistas ficou a cargo do sonoplasta de Star Wars, Ben Burtt .

Mesmo com todas essas menções a filmes adultos, Wall-E também se conecta com o público infantil através de personagens engraçados, como a baratinha de estimação do protagonista e o robozinho M-O encarregado pela identificação de poluentes da nave. Entre o humor e a ficção, há também uma mensagem clara quanto à questão ecológica, na qual humanos obesos preferem se enclausurar dentro de uma máquina do que tentar cuidar do planeta.

Mesmo com todas essas temáticas, a trama central e os grandes momentos do filme estão centrados no casal Wall-E - Eve, com direito a todos os ingredientes de uma boa comédia romântica, salpicada por encontros e desencontros. É impossível não se sensibilizar com a cena onde eles dançam no espaço; tão sensível quanto o beijo de macarrão de A Dama e o Vagabundo. Só a Pixar mesmo pra fazer uma história de amor entre um PC e uma iMac.( Ok, foi péssima uma analogia…)

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Críticas

Lutador, O

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Em certa altura do filme O Lutador, o personagem título Randy “Ram” Robinson, manda essa:

” Os anos 80 eram o máximo!”.

Ao proferir essa frase, Mickey Rourke fundiu a ficção com sua própria realidade. Não são poucas as semelhanças entre o protagonista do filme de Darren Aronofsky e o ator que interpreta o personagem. Na década de 80, lutadores de wrestle - a popular luta-livre - com sua montanha de músculos, levavam ao delírio adultos e crianças com suas peripécias e golpes de mentirinha.

Na mesma época, Rourke era apontado como um dos atores mais promissores de Hollywood. Tido como talentoso, atuou em filmes elogiados como Corpos Ardentes, Coração Satânico e O Selvagem da Motocicleta e emplacou o sucesso comercial Nove Semanas e Meia de Amor, numa produção marcada por atritos entre ele e a atriz Kim Besinger. Polêmico, disputou a socos com Sean Penn o papel do escritor Charles Bukowski em Barfly-Condenados pelo Vício, ironicamente o cara que lhe surrupiou o Oscar de melhor ator esse ano.

Nos anos 90, Mickey Rourke caiu no ostracismo e definhou, assim como a luta-livre. Nocauteado como ator, subiu aos ringues para lutar boxe, uma antiga paixão. O golpe foi ainda mais forte. As poucas lutas que travou na curta carreira foram suficientes para deformar a face, obrigando a fazer cirurgia plástica para recuperar o rosto.

Seu personagem em O Lutador é muito parecido com ele. Ex-campeão de luta livre Ram vive das glórias do passado enquanto trabalha num supermercado e ganha um dinheiro extra em pequenas exibições de wrestle com outros veteranos do esporte. Mesmo lutando em pequenos ginásios improvisados, o lutador mantém os velhos hábitos como tingir o cabelo e ir a sessões de bronzeamento artificial. Como se sonhasse com um retorno triunfal.

Nas folgas, vai a uma boate encontrar-se com Cassidy (Marisa Tomei), prostituta quarentona tão decadente quanto ele. Solitário tem uma única filha com quem tem uma relação nada amistosa. Um problema de saúde faz com que tenha que abandonar os ringues. Mas como poderá abandoná-lo se é ele sua única razão de viver?

Em seu trabalho mais acessível, Aronofsky nos coloca diante de um filme memoralista e ao mesmo tempo reflexivo. Quem também não fica por menos é o seu colaborador Clint Mansell que compõe uma trilha sonora comportada, bem longe do clima perturbador e experimental que desempenhou em Pi e Réquiem para um Sonho.

Legal também é a trilha musical embalada por Quiot Riot, Scorpions e Bruce Springsteen , num clima bem oitentista. Outra grata surpresa em O Lutador é a atuação relâmpago da atriz Evan Rachel Wood. Interpretando a filha de Ram, ela manda muito bem apesar dos poucos minutos em que aparece na tela.

Mesmo nas mãos de um realizador competente, o grande destaque do filme sem dúvida é Mickey Rourke. Na pele do seu wrestler, ele compõe um tipo contraditório, um gigante indefeso no século 21, que pode voar no ringue e se cobrir de sangue, mas é incapaz de ler sem usar óculos ou lembrar de um jantar. Com esse papel, Rourke pode agora finalmente levantar-se de um nocaute de mais de 15 anos. Nós, os espectadores, estamos ansiosos por sua próxima luta!

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Casamento de Rachel, O

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[Belas cores e sons de um casamento excêntrico e com tom dramático]

A atriz Anne Hathaway nem de longe é o mais belo rosto do cinema. Longe disso, até. Em compensação possui um lindo par de lábios. E foram eles que mais me chamaram a atenção durante a exibição de O Casamento de Rachel.

A expressividade do seu rosto e as caras e bocas da sua atuação improvisada deram um tom especial ao filme dirigido por Jonhathan Demme, um cineasta raro, que às vezes brinca de documentarista e agora resolveu dar uma de minimalista com uma câmera na mão, num longa maluco e de perfil independente, onde até escola de samba resolveu aparecer.

Para começar as esquisitices, o casamento do filme é de Rachel (Rosemarie DeWitt) mas a protagonista da história se chama Kim (Hathaway), a irmã caçula. Dependente química, ela acaba de sair de uma clínica de reabilitação onde esteve internada por nove meses para participar do casamento da irmã. Além da recuperação, ela convive também com uma tragédia familiar diretamente ligada a ela.

De volta pra casa, a garota se vê rodeada pela insegurança do pai. Para piorar, a residência está povoada de convidados. Rachel e seu noivo Sidney (Tunde Adebimpe), um músico havaiano, planejaram um casamento diferente com música ao vivo e apresentações artísticas. Ainda meio confusa, Kim começa a desabafar publicamente às pessoas seus problemas tentando ser o centro das atenções. Sua atitude provoca a irá da irmã. E daí para a lavagem de roupa suja do passado é um passo.

A tensão familiar cresce ainda mais com a chegada da mãe. E quando tudo se conspira para descambar num drama pesado, acontece a festa de casamento. Rock, jazz, hip hop, música eletrônica e até uma passistas de carnaval aparecem na festividade bizarra e multiétnica. Em meio a celebração problemas familiares são varridos para debaixo do tapete enquanto outros dão as caras revelando erros e incongruências de uma tragédia mal curada.

A brincadeira nada convencional de Jonhatam Demme rende um filme interessante que encontra no casamento e nas diferenças culturais curativos que ajudam a cicatrizar as feridas que todos nós acumulamos em nossa jornada. Indicada ao Oscar, Anne Hathaway dá um show de sensibilidade e expressividade.

Num filme democrático, onde os personagens aparecem e desaparecem da trama, ela impressiona pela capacidade de estampar suas emoções no rosto. No festival de cores que é O Casamento de Rachel, é a força a inspiração – do diretor, do roteiro e da atriz – o seu brilho mais forte.

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Rio Congelado

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[Imigração ilegal é pano de fundo neste drama familiar]

Primeiro trabalho da estreante Courtney Hunt, Rio Congelado é a típica produção independente que dá certo por optar pelo enredo simples e a naturalidade das interpretações aliada ao improviso. Indicado a dois Oscars e vencedor do prêmio do júri de melhor filme em Sundance, o filme retrata a questão da imigração ilegal e, talvez indiretamente, também mostra os reflexos da crise imobiliária nas famílias americanas. Dois problemas, um velho e outro novo, enfrentado pelos Estados Unidos.

O cenário da história se dá na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá, no gelado Estado de Nova Iorque. Eddy (Melissa Leo) é mãe de família dedicada aos seus dois filhos. Quando consegue juntar dinheiro suficiente para quitar a casa é roubada pelo marido viciado em jogo. Na tentativa de encontrá-lo conhece T.J (Charlie Dermontt) uma indígena que transporta imigrantes ilegais do Canadá aos Estados Unidos através da reserva Mohalk, sob a qual a polícia local não tem jurisdição.

O primeiro encontro entre as duas mulheres é marcado por animosidades. Enquanto Eddy quer dar a seus filhos um novo lar como presente de Natal, T.J. pretende recuperar a filha que vive com a cunhada por não ter condições de criá-la. Como precisam do dinheiro por motivos parecidos, acabam trabalhando juntas. Para isso terão que enfrentar a travessia diária do rio congelado St. Lawrence. Um palco de dificuldades e tragédias se colocará diante delas.

Apesar de se esgueirar no sestro do dramalhão apelativo, Courtney Hunt consegue encontrar o equilíbrio na narrativa, aliando os habituais maneirismos dramáticos (como os close-ups em olhos lacrimosos, por exemplo) com o improviso da câmera em movimento.

A improvisação dos atores é outro ponto forte na trama que dá credibilidade ao inferno astral dos personagens. A indicação de Melissa Leo a Melhor Atriz pela Academia não foi nenhuma novidade para quem assistiu o filme. Ela é o filme! Sua interpretação provavelmente toca mais fundo nas mulheres provedoras, que cuidam sozinhas do sustento da família.

De tudo que se vê em Rio Congelado, o desfecho é certamente o que há de mais esquemático no filme. Nada que atrapalhe o impacto que esta produção de baixo custo tem sobre o espectador.

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Foi Apenas um Sonho

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[Winslet e Di Caprio atuam em drama sobre as armadilhas de uma relação]

É difícil imaginar uma relação entre casais sem discussão e atritos. Mais difícil ainda é acreditar que uma vida de sonhos aprisionados possa ir adiante. O que é um casamento onde a felicidade dá lugar ao marasmo? Como é possível ser feliz vivendo uma rotina que sempre detestou? Essas questões complexas permeiam a atmosfera de Foi Apenas um Sonho, último trabalho do diretor Sam Mendes (Beleza Americana).O filme é uma adaptação do livro homônimo publicado em 1961 pelo escritor Richard Yates.

Onze anos após o sucesso de Titanic, a dupla Leonardo de Caprio e Kate Winslet repete a parceria interpretando os protagonistas do filme, Frank e April Weeler. Na vizinhança da rua Revolutionary Road, subúrbio de Connecticut, o casal Weeler chama atenção pela beleza e são vistos como pessoas distintas e especiais. Na intimidade, porém, vivem uma relação distante e apagada, bem diferente da intensidade sentida por eles no início da relação.

Enquanto Frank procura em outra mulher a emoção que não sente mais em casa, April remoe em pensamentos nostálgicos a vida que sempre sonhou mas que jamais teve a oportunidade de desfrutar. Ele tem um emprego burocrático que detesta. Já ela trocou a fracassada carreira de atriz pela desconfortável vida de dona-de-casa.

Quando a crise da relação chega ao ápice, a separação iminente é substituída por um plano futuro. Para salvar o casamento e terem a vida que sempre sonharam, April sugere uma mudança para Paris. A cidade iluminada se encarregará de elevar as ambições perdidas e a prosperidade revitalizará a relação.

A idéia de dar um passo maior que a perna é vista como absurda pelos amigos e colegas de trabalho do casal. O futuro triunfante que almejam faz com que se esqueçam do presente. A sucessão de erros de Frank e April começa a inviabilizar a vida perfeita pretendida.

Nesse emaranhado de dificuldades e decisões precipitadas, a única pessoa que parece entendê-los é o vizinho John Givins (Michael Shannon). Recém chegado de um hospital psiquiátrico, ele tem uma sinceridade desconcertante e os faz enxergar o âmago da vida de mentiras que os repele a admitir um casamento falido. A pessoa errada dizendo a coisa certa sobre o que parece certo mas está errado. Ou o errado é o certo? É complicado…

Indicado a três Oscars, incluindo a pulsante e meteórica performance de Shannon, Foi Apenas um Sonho é um drama pesado sobre as armadilhas de uma relação. Assim como em Titanic, a química da dupla Di Caprio- Winslet funciona bem na tela. Só mesmo dois astros em grande fase para compor com excelência e naturalidade as longas discussões que travam no filme.

Sam Mendes faz um trabalho discreto numa narrativa direta e elucidativa, sem curvas intrincadas onde as respostas embora óbvias não são fáceis de admitir. Um bom filme, mas não inesquecível. Com alguns cortes, poderá fazer sucesso na Sessão da tarde daqui uns cinco anos.

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Dúvida

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[Mistério abala comunidade religiosa em filme que encabeçou quatro indicações de elenco no Oscar]

Na superfície ornamentada da sacristia da igreja St. Nicholas, no Bronx, o padre Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman) declama seu sermão com palavras macias e serenas: “O que vocês fazem quando não têm certeza de algo?”. Estamos em 1964, ano seguinte à morte do presidente John Kennedy, a quem o pároco utiliza como metáfora para exemplificar o estado de desorientação que por vezes sentimos. Seu rosto revela feições harmoniosas na medida em que desfaz os nós de sua parábola sobre o sentimento de dúvida, tópico principal do seu discurso.

Em meio ao sermão, um vulto negro se levanta e anda na direção do padre. As botas lustrosas espocam no chão em passadas pesadas e onipotentes. Quase ao pé do altar, a irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep) ouve a oratória de queixo erguido e olhar de reprovação contida. O rosto impetuoso não esconde a frustração.

Com esse prelúdio de seres opostos podemos pressentir a atmosfera de conflito que virá em Dúvida, segundo trabalho do há muito tempo oscarizado diretor e roteirista John Patrick Shanley. O filme destacou-se na cerimônia do Oscar por arrebatar cinco indicações, quatro delas nas categorias de atuação.

Meryl foi indicada a melhor atriz e Hoffman a ator coadjuvante, enquanto Viola Davis e Amy Adams se enfrentaram no prêmio de atriz coadjuvante. A outra indicação foi pelo roteiro adaptado de uma peça de teatro escrita pelo próprio cineasta.

O epicentro da polêmica abordada no filme se dá na escola da paróquia, onde a irmã Beauvier imprime aos alunos e professores um regime mão de ferro .“Lamento terem permitido canetas-tinteiro aqui na escola. Hoje em dia é tudo do jeito mais fácil”, pragueja ela para uma professora. Padre Flynn tem idéias moderadas e tenta aos poucos fazer a diretora adaptar-se aos novos tempos. As idéias progressistas do pároco e seus sermões nada convencionais perturbam a religiosa devota.

E quando irmã James (Amy Adams) levanta suspeita dele num suposto caso de abuso sexual a um aluno, irmã Beauvier encontra o bote certeiro para expulsá-lo da paróquia. Aí é que as interrogações se salientam sobre nossa cabeça. Será que o padre, tão bonzinho e dedicado, é realmente o culpado? Ou a diretora, mais simpática do que uma bacia de roupa suja, é paranóica e se apega em convicções cegas?

Embora o conflito travado entre os religiosos na trama se passe nos anos 60, a questão reflete um problema atual do sacerdócio católico: a pedofilia. Shanley, que no currículo de diretor tem apenas Joe contra o Vulcão, conseguiu em feito notável em 1987. Com o roteiro que escreveu para Feitiço da Lua , ajudou a cantora Cheer a ganhar o Oscar de Melhor Atriz.

Em Dúvida, o grande mérito do texto é impor uma dinâmica de mistérios e incertezas nos personagens. O menino que sofre o abuso, por exemplo, demonstra o oposto do rancor quando vê o padre. A mãe do garoto (Viola Davis) talvez saiba a verdade, mas prefere ser obtusa em relação ao assunto. A irmã James, por sua vez, ora acredita ora duvida do que aconteceu.

O desfecho distribuiu pistas para os dois lados para onde a verdade potencialmente se enverga. E aí está um grande mérito do filme. O dualismo dúvida versus certeza, tolerância versus ceticismo travado pelos protagonistas é uma pedrada que escurece o lago de soluções idealizadas pelo espectador. E como o padre Flynn antecipa no seu primeiro sermão: “A dúvida pode ser um elo tão poderoso e sustentável como a certeza”.

Em Dúvida, a intenção de Shanley como cineasta é das melhores, mas sua inexperiência atrás das câmeras ofusca um pouco o resultado. Já as atuações de Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman são tão grandiosas quanto inverossímeis. Embora dêem um show de interpretação vemos de mais os atores e de menos seus personagens. É o que se pode chamar de incongruências do talento…

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Valsa com Bashir

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[Documentário de animação expõe os horrores de uma guerra. Ou será animação documental? ]

Até onde pode chegar a insensatez humana? A indagação exposta pelo diretor e roteirista Ari Folman no filme Valsa Com Bashir é na verdade uma pergunta retórica. A resposta tem um tom amargo e reflete as escoriações de uma consciência mutilada pelos horrores da guerra. Movido pelo sentimento de culpa, o cineasta isralense usa a animação para realizar seu desabafo autobiográfico da terrível experiência vivenciada no Líbano em 1982, no episódio conhecido como massacre de Sabra e Shatila.

Estima-se que mais de três mil refugiados palestinos tenham sido mortos pela milícia libanesa cristã em retaliação a morte do líder Bashir Gemayel, ocorrida em uma explosão durante a Guerra do Líbano (1975-1990). O genocídio contou com o fuzil amigo do exército israelense, sob o endosso do então Ministro da Defesa, Ariel Sharon. Folman estava lá. Mas não lembra de nada…

[Brilho eterno de uma mente sem memórias]

Tudo começa numa mesa de bar onde um amigo seu desabafa sobre o estranho pesadelo que vem tendo há dois anos e meio e se repete todas as noites. Nele, aparecem 26 cães que rodeiam sua casa em busca de vingança. Segundo ele, trata-se de uma recordação do primeiro dia de ocupação de Israel num campo de refugiados palestinos em Beirute, onde o ex-combatente alega ter lutado com Folman.

Acontece que o protagonista/diretor não lembra absolutamente nada. Logo após a conversa com o companheiro do exército, aparecem alguns flashbacks que embaralham ainda mais suas reminiscências do passado. Na tentativa de resgatar outras lembranças e saber a verdade sobre si, ele busca o auxílio de um terapeuta.

Aí vem um outro dilema. Será aquilo tudo aconteceu de verdade? O terapeuta sugere que suas lembranças podem ter origem em “buracos negros” da mente que associados a outras imagens não relacionadas com sua vida, acabam criando uma memória forjada do passado. Ou seja, a participação na guerra pode ser fruto da sua imaginação combinado com o equivoco do amigo. Maculado pela dúvida, Folman segue o encalço de outros personagens do conflito para saber a verdade dos acontecimentos e sua responsabilidade no incidente.

E nesse processo cognitivo de recuperação da memória é inevitável ele tenha que se deparar com a realidade da guerra. E afinal, ele participou do genocídio? A resposta fica para o espectador que assistir ao filme. Até onde pode chegar a insensatez humana? Essa, a questão primordial de Valsa com Bashir, dá pra responder: não há limites. A guerra, assim como a inveja, é uma merda mesmo… A 2° guerra mundial pode ter terminado há décadas, mas no lugar dela existem outros guetos de Varsóvia espalhados pelo mundo…

[beleza de concepção!]

A inusitada combinação de documentário com animação, é um diferencial importante em Valsa com Bashir. Mas o mérito não está na idéia em si, que não passa de um mero recurso de estilo. O triunfo de Folman está mesmo é no apelo visual das imagens. Mais do que apenas ilustrar o off das entrevistas feitas por ele com os ex-combatentes e testemunhas do massacre, o longa tem o poder de sobrepor o realismo à despretensão que se espera de uma animação, mesmo que direcionada a adultos.

Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e vencedor do Prêmio Cesar na mesma categoria, Valsa com Bashir estende seus méritos além da mensagem pacifista. Pois é também uma autocrítica, não só a Israel, mas a todos os países - sejam eles católicos, judeus ou muçulmanos- que com suas ações egoístas e precipitadas fazem do Oriente Médio um inferno.

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Equilibrista, O

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[Documentário relembra o “crime” do equilibrista francês Philippe Petit no World Trade Center em 1974]

”No meio da noite, tive uma espécie de pesadelo. Tinha me esquecido de trancar uma caixa. Corri para lá mesmo sabendo que estava a chover. Devo ter acordado a vizinhança inteira com as marteladas. Não estava bem a trancar uma caixa, mas a fazer o meu próprio caixão.”

Philippe Petit

No dia 7 de agosto de 1974, o jovem francês Philippe Petit andou durante uma hora sobre um cabo de ferro suspenso entre as duas torres do World Trade Center em Nova Iorque. Sem usar qualquer equipamento de segurança, o equilibrista fez piruetas sob o fio e sorriu aos policiais antes de ser preso, junto com o grupo de cúmplices, com o qual planejou o golpe em sigilo por oito meses, numa operação que envolveu inclusive um executivo das torres gêmeas que admirava o trabalho de Petit na França. Ironicamente, a proeza foi considerada o crime artístico do último século. Passados 34 anos, o cineasta James Marsh apresenta-nos O Equilibrista, documentário que nos leva até aos bastidores deste incidente que assombrou os novaiorquinos. Nesta ocasião para assistir a um espetáculo e não a uma tragédia.

Embora muitos casos semelhantes tenham acabado em tragédia, os desdobramentos de uma loucura como essa sempre rendem uma boa história. Philippe Petit felizmente teve um final feliz e sobreviveu para narrar os acontecimentos. Na fervilhante década de 70, ele era um desses jovens aventureiros malucos que não medem esforços para surpreender o mundo. Carismático e louco o suficiente para atrair admiradores, conseguiu fiéis escudeiros que foram importantes para dar cabo em seus “crimes” pelo mundo. Antes de subir no WTC, o equilibrista havia atravessado a catedral de Notre Dame na França e na ponte de Harbour, em Sydney, na Austrália. Em todas elas, sem proteção alguma.

O documentário nos mostra os detalhes da ação em Manhattam e como um simples erro poderia ter transformado o espetáculo em uma morte bizarra. Com entrevistas detalhadas e emocionantes do protagonista e dos idealizadores do golpe, o cineasta conta-nos com emoção os desdobramentos da ação, desde o plano para se infiltrar no WTC até os momentos de perigo que cada envolvido passou dentro das torres gêmeas. Os erros, os acertos e as desconfianças entre os franceses e os americanos da trupe de Petit rendem uma história surpreendente, com momentos tensos e cômicos. Surpreende também, as imagens de arquivo captadas pelos amigos do equilibrista e por emissoras de TV na época.

As fotos e vídeos em preto-e-branco são complementados com reconstituições encenadas de alguns momentos que não foram possíveis de registrar, como na cena em que Petit e os ajudantes se escondem dos seguranças das torres gêmeas para passar o arame de um prédio a outro no dia anterior a exibição. É uma pena que a trilha musical do filme seja comportada demais, o que diminui o impacto desses momentos de tensão.

Ao contrário de muitos documentários, James Marsh não se detém no protagonista. Em vez de realizar um raio-x da personalidade de Philippe Petit e justificar suas motivações, ele prefere centrar a história na obsessão do equilibrista pelo WTC nos tempos áureos em que os edifícios eram o cartão postal de Manhattam. Os momentos em que o cineasta “sublima” Petit na sua narrativa vemos um homem centrado, audacioso e extremamente autoconfiante. Na sua lógica ele fez aquilo não apenas porque era um sonho de adolescente, mas principalmente porque tinha certeza que podia. E mesmo sendo ele o personagem central desta trama é a sensação de nostalgia que compõe a aura do documentário. Deve dar um aperto no coração dos novaiorquinos assistir a esse filme e depois olhar para a janela e ver a paisagem da cidade deformada por um violento ataque terrorista. O lugar que antes era sinônimo de imponência transformou-se num ambiente de tensão e dor.

Ganhador do Oscar de melhor documentário e premiado em outros tantos festivais e associações cinematográficas, O Equilibrista é um filme encantador que conquistou o carisma do público e da crítica. Mais do que uma incrível façanha, o golpe de Philippe Petit exibe as torres gêmeas não apenas com um ex-reduto do poderio econômico norte-americano, mas acima de tudo como um pedaço de sonho realizado e depois destruído. Afinal, é um feito que não poderá mais ser repetido.

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Corra Que a Polícia Vem Aí!

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Nos últimos anos, o gênero comédia vem retrocedendo seriamente. Raros são os filmes que podemos considerar realmente engraçados e, ao mesmo, inteligentes; enquanto isso, vemos nos "empurram" filmes dignos de serem considerados alguns dos piores da historia do cinema, como os catastróficos "Deu a Louca em Hollywood" e "Espartalhões". Porém, já houveram comédias do tipo "besteirol" que funcionaram muito bem e se tornaram clássicas. Um dos maiores exemplos é a trilogia "Corra que a Polícia vem aí".

No primeiro filme, dirigido por David Zucker e adaptado de uma série de televisão, somos apresentados a Frank Drebin (Leslie Nielsen), um detetive completamente atrapalhado, que se envolve nas situações mais inusitadas possíveis. Drebin está investigando uma trama para assassinar a Rainha Elizabeth (Jeannette Charles), arquitetada por um milionário (Ricardo Montalban, falecido ano passado) que deseja poder.

O filme é uma sátira escrachada dos filmes do gênero policial das décadas de 1960 e 1970. Todos os elementos destes filmes estão lá, porém o roteiro nos propicia situações relamente hilárias na brincadeira com estes elementos. Quem não se lembra da antológica cena em que Leslie Nielsen e Priscila Presley (que interpreta o seu "affair") estão envoltos em camisinhas gigantes, para fazer sexo com muita proteção? Ou da seqüência final no jogo de beiseball, em que é praticamente impossível ficar um segundo sem da uma risada? A direção de Zucker é muito esperta, sempre posicionando a câmera na posição certa para extrair o melhor momento de cada uma dessas cenas absurdas.

Porém, o filme não funcionaria se não tivesse um elenco realmente hilário. E, quando digo elenco, praticamente estou me referindo a um único ator: Leslie Nielsen. Após ter trabalhado em alguns dramas e aventuras (como "O Destino do Posseidon"), Nielsen se tornou o rei das comédias besteirol. O seu desempenho em "Corra que a Polícia vem aí" é extraordinário, talvez um dos melhores papéis de sua carreira. O restante do elenco se sai bem: Priscila Presley como a loira gostosa que está apaixonada pelo detetive mas mantém um relacionamento com o vilão; Ricardo Montalban com oeste vilão que só deseja poder e dinheiro; George Kennedy e O.J.Simpson como os "ajudantes" de Drebin.

Também merece ser citada a seqüência inicial, em que a viatura vai cometendo uma série de delitos (!) por todo o seu caminho. Esta abertura virou uma marca registrada da trilogia. A trilha sonora entra nos momentos mais inusitados, o que contribui muito para o humor do filme funcionar.

Alguns podem considerar "Corre que a Polícia vem aí" uma besteira sem tamanho, um filme sem sentido algum. No fundo, é isto mesmo! Porém, é tudo tão bem bolado e engraçado que já se tornou um clássico das nossas tardes na televisão (horário durante o qual costumava ser transmitido) e praticamente um marco do gênero comédia.

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Vicky Cristina Barcelona

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Sou um admirador do cinema de Woody Allen. É um dos maiores cineastas em atividade e já deixou seu nome marcado da história da sétima arte. Construiu uma obra consistente e soube além da comédia passear por outros gêneros com desenvoltura. Muitos disseram que nos últimos anos ele estava em decadência (algo com que eu não concordava). Agora chegou até nós um filme onde uma das atrizes angariou mais uma premiação do oscar e a crítica em geral foi benfazeja para com o filme. Custa-me acreditar, mais em minha opinião ele errou a mão. Não consegui ver em nenhum momento aqueles momentos de genialidade e inteligência que marcam sua filmografia.

Existe no filme uma morena chamada Vick (Rebecca Hall - uma grata surpresa), uma loira e uma outra morena de nome Maria Elena. A junção das três dará o título ao filme: Vick Cristina Barcelona. Aqui um primeiro problema. Existe uma visão estereotipada da raça espanhola. Maria Elena não pode carregar em si o nome da cidade de Barcelona. Ela lá vive, mas longe está de representar uma fatia considerável das mulheres daquela localidade. Sabemos do puritanismo do americano. Da visão que eles possuem de que nos países latino tudo é permitido. Em si a história parece se resumir a essa visão estadunidense da vida. Que longe dos Estados Unidos qualquer um pode mergulhar num mundo hedonista. Que o americano está preso a uma visão moralista que o impede de desfrutar a vida. Allen deveria pelo menos conhecer a visão dos americanos sobre eles próprios nas séries de TV que nos chegam pelos canais abertos e fechados. Lá vemos a idéia de que a sociedade americana já deixou de ser puritana faz tempo (existe o ranço, mas cada qual vive para buscar o prazer a qualquer custo: Las Vegas e CSI - todos, para não deixar de citar nenhum). Sei que Allen detesta a TV. Basta então abrir as páginas policiais, constatar o aumento da violência e das drogas.

As boas interpretações, o domínio da câmera está a meu ver a serviço de um roteiro que não é digno de seu talento.

Alguns dirão que o amadurecimento fez com que Allen explorasse o sex-appeal de seu elenco. Não um sex-appeal vazio, mas dotado de eloqüência, de espírito e de cultura próprio de suas criações. Ok, mas dotar o espanhol de uma testosterona, de um epicurismo e altivez não parece uma química plausível. Um Don Juan moderno e caricato acaba se tornando o personagem de Javier Bardem. E a forma com que as americanas lhe caem nos braços, sem em nenhum instante temer o outro (por mais culta e liberal que sejam) é irreal demais. Exagerada também Maria Elena. Um artista genial e ao mesmo tempo suicida. Alguém que para se equilibrar precisa ser limitada por uma outra na vida íntima.

Ao final do filme notamos que a presença de um narrador mais presente que em suas outras obras onde foi utilizado tal recurso não foi gratuita. Foi uma tentativa de tentar amarrar com uma lógica, uma história fraca. Já nos indicava que faltou liga em seu roteiro. Liga e conteúdo.

De positivo no filme o final. Tudo acaba de forma natural como nas outras suas últimas obras. A diferença é que em “Ponto final” e em “O sonho de Cassandra” havia um conteúdo extremamente bem amarrado antes que os créditos finais surgissem.

Em suma um filme onde o bom elenco foi desperdiçado em uma história banal e medíocre. Bem longe do que o diretor pode nos oferecer. Que Allen se afaste com urgência do sol que lhe parece mais amarelado na Catalunha. Ou que ao menos perceba que o cenário pode ser outro, mas que ali cabe também aqueles personagens de cunho universal que ele já criou. Torço por isso.

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