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Críticas

Meu Amigo Harvey

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"Meu Amigo Harvey" é uma daquelas comédias típicas dos anos dourados de Hollywood, cheia de carisma e pureza, duas características que certamente não combinam com a maioria das comédias produzidas hoje em dia.

Estrelada pelo formidável James Stewart, a trama nos conta a história de Elwood P. Dowd, um homem que tem um amigo basta peculiar: um coelho gigante de 1.91 de altura chamado Harvey! Ah, um detalhe: esse amigo é puro fruto de sua imaginação. Dowd mora com sua irmã Veta e sua sobrinha Myrtle, que passam poucas e boas por causa da imaginação fértil dele, chegando a ponto de perderem os seus contatos sociais, e o momento não poderia ser pior por conta da procura incessante de Veta por um marido ideal para sua filha. Cada vez mais elas percebem que Dowd está espantando todas as pessoas de sua casa, e tomam uma decisão drástica: internar o pobre homem.

A partir daí a história toma um rumo bastante inesperado e inevitavelmente hilariante, onde os acontecimentos chegam no limiar do absurdo, mas se tratando de uma comédia dos anos 50, não há nada mais natural. É bastante agradável ver todas as reviravoltas pela qual a trama passa.

James Stewart nos apresenta uma atuação bastante divertida, sem dúvida um dos maiores atores de todos os tempos, ele consegue com proeza nos conquistar com a sua relação com Harvey, chegamos até a acreditar que o coelho realmente existe tamanha a sinceridade em que Dowd o trata, seja nos seus diálogos ou nos seus gestos.

Apesar do tom cômico, 'Harvey' também possui um lado crítico ao mostrar o sanatório para onde Dowd é levado. É claro que tudo é lidado com um certo exagero, mas é clara a crítica em relação ao que realmente difere um 'louco' de um 'normal'. Porque Dowd seria um louco? Afinal, ele não está fazendo mal ao ninguém, ele apenas tem um amigo nada convencional. A cena em que o médico do sanatório pensa que é a sua irmã, Veta, que está louca, é bastante crítica, afinal, Dowd continua na dele, tranquilo e sorridente, enquanto sua irmã entra num estado completamente histérico por causa de Harvey.

Talvez essa crítica do filme não tenha chamado muita atenção para os expectadores daquela época, mas ainda é bastante válida para os dias de hoje. Na cena ótima e bastante crítica em que um taxista, que costuma levar os ditos loucos para o sanatório, diz à Veta que 'os loucos' entram no sanatório de um jeito (simpáticos, gentis e alegres) e depois de injenção de 'cura', saem rabugentos e reclamões, podemos perceber a preocupação que a trama teve em explorar, mesmo de um modo superficial (o que nesse caso era inevitável em se tratando de uma comédia descompromissada), as questões que lidam com a linha obscura entre a sanidade e a loucura.

Mas para não acabar viajando demais na maionese, termino aqui dizendo que é uma película bastante agradável, com atores afiados (destaque também para Josephine Hull como a histérica Veta) e uma boa direção. Quem sabe ao final do filme você não vai acabar desejando a companhia do simpático Harvey?

Críticas

Beleza Americana

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A arte criticando a vida. O filme é um estudo irônico da sociedade americana de hoje em dia, dando ênfase aos problemas mais comuns de pessoas comuns, que levam uma vida comum. Apesar da repetição de uma mesma palavra na frase anterior, se tem uma coisa que o longa de Sam Mendes não é, é comum.

Não é flor que se cheire. E não, não estou falando do filme. Estou sim, falando de fato, de uma planta. Curiosiamente de uma planta diferente e única, que não tem cheiro e não tem espinhos, embora se pareça muito com uma rosa. Brota somente no continente americano, e foi essa flor que fez nascer um dos mais politicamente incorretos filmes norte-americanos da história. Pra quem não captou a mensagem, o título do filme, que sabe-se ser Beleza Americana, é justamente o nome da flor à qual estava me referindo ainda há pouco. Sim, o leitor certamente percebeu que eu ainda não explicitei exatamente qual a minha posição inicial em relação ao filme que eu estou (supostamente) criticando. Mas na verdade quero lhe fazer um convite. Tenho certeza que você notou que espalhei algumas poucas informações desde o início dessa análise, mas que concretamente não fazem sentido, uma vez ligando umas às outras. Agora, se juntarmos todas essas informações, será fácil perceber qual é a minha opinião informal sobre o filme. Vejamos: incomum, politicamente incorreto, cujo nome deve-se a uma flor. Em outras palavras, "beleza americana" pode ser sim o nome de uma planta, mas está muito longe de ser somente uma. O nome, aplicado ao filme aqui sendo criticado, serve como metáfora, uma ironia "incomum" sobre a "politicamente (in)correta" sociedade estadunidense, usando como título uma flor, que aparentemente pode ser bela, deliciosamente vermelha, tentadora e invejável, mas que no fundo não passa de uma simples e patética planta, sem cheiro algum e sem nenhum tipo de espinho, que serviria como defesa. 'Beleza Americana' (agora sim o filme) é resumidamente isso. Um filme sobre a imagem, imagem de uma aparente família suburbana comum (não que isso seja de fato algo ordinário, segundo uma das várias reflexões que o roteiro nos convida a fazer), que a partir, justamente da impressão passada por eles: de felicidade, alegria, união familiar, não passa de fachada. Por quê? Olhe mais de perto.

"American Beauty" é boa parte a imagem real dos subúrbios norte-americanos. Criticando justamente isso, o roteiro de Allan Ball é uma caixinha de surpresas. Eu poderia ficar escrevendo linhas e mais linhas só de elogios a esse brilhante roteirista em seu trabalho mais admirável, mas com que finalidade? Afinal de contas, tudo isso já é clichê, de tanto que as pessoas já ouviram. E não vou cair em desgraça a ponto de contradizer tudo o que o filme é, escrevendo de forma totalmente oposta, ou seja, clichê, comum e (mais uma vez) politicamente correto. Acontece que tamanha a inteligência de alguns profissionais do cinema de hoje em dia, que chega a ser algo incrédulo, deixando o espectador atento em um estado de confusão perplexa. Mas partindo pra frente, essa é a maior sacada de Ball, unir a flor e suas características à crítica que deseja passar através de seu texto, e tudo é feito tão perfeitamente pelo diretor Sam Mendes que, como eu disse, é difícil de acreditar que alguém possa ter sido capaz de ter tido essa fantástica ideia.Voltando lá no começo desse comentário você pode notar que eu escrevi que se tem algo que 'Beleza Americana' não é, é comum. Pois é a mais pura verdade e como deixar de ser, fruto da genialidade de Ball, que cria personagens comuns, coloca-os em situações comuns deixando mais do que claro que a vida deles, ou melhor que o "american way of life", é tão medíocre, ordinária e sem querer ser redundante, comum, como qualquer outra, e trabalhando mais uma vez com a imagem, ele escreve cenas que mostram como as pessoas desejam e lutam tanto para não acabarem virando humanos comuns.

E entre esses tantos seres imaginários, está Lester Burnham. O protagonista e a vítima de toda a história. Mas não é pelo simples fato dele já sair anunciando desde o início que ele está para morrer dentro de um ano (apesar claro, de não saber disso ainda), mas sim por ser aquela típica pessoa que anda pra lá e pra cá se sentindo derrotada, fracassada em todos os mais miseráveis aspectos de sua vidinha chata e medíocre, cujo ponto alto do dia resume-se em se masturbar no chuveiro antes de ir para um trabalho que ele simplesmente odeia, aturar pessoas querendo demiti-lo, voltar para casa, ser humilhado pela sua infeliz esposa Carolyn Burnham, ser odiado mais ainda pela filha Jane Burham e repetir essa mesma ordinária rotina todos os dias do resto de sua vida, pelo menos até ele mesmo dizer "chega". E ele realmente o faz quando conhece Angela Hayes, a melhor amiga da filha, que chama atenção pela beleza e pelo corpo escultural. Decidido a mudar de vida radicalmente, ele toma coragem e parte para o desencadeamento mais criativo dos últimos anos no cinema. Demite-se, chantageia o chefe, toma as rédeas da casa e da família, começa a malhar, compra o carro dos seus sonhos e arruma um emprego, que de acordo com seus desejos, exige o mínimo de responsabilidade possível.

Inovando, inovando e inovando. Ball dá sempre um jeito de inserir mais e mais criatividade em seu roteiro cada vez mais misturando a dura e fria realidade dos subúrbios com a fantasia da mudança de vida radical. Entre situações indescritíveis, estão personagens tão indescritíveis quanto. A começar por Lester Burnham, o homem do ano casado com Carolyn Burnham, a corretora de imóveis que encontra no jeito mais prazeroso um modo de renovar suas energias abatidas pelo casamento fracassado e carente de sexo, sua filha Jane Burnham, a adolescente rebelde, que odeia os pais e anda com Angela Hayes, a gostosona "incomum" do filme, que rejeita o relacionamento esquisito da amiga com o vizinho Ricky Fitts, o cara que fica filmando a vida dos outros, não com o intuito de se intrometer na vida alheia, mas como um admirador da beleza universal, um jovem traficante de drogas que engana o pai Frank Fitts, um ex-fuzileiro naval que coleciona um prato nazista e detesta homossexuais. Enfim, o roteiro engloba todos os personagens de maneira curiosa, e que de certa forma, se preocupam tanto com a imagem, que se esquecem do que verdadeiramente importa. E parece não haver ninguém melhor que Sam Mendes pra controlar essa loucura toda, deixando tudo mais discreto e charmoso possível, com pitadas de fantasia e cenas delirantes, o humor negro vem para deixar tudo ainda mais agradável.

Mendes não só mantém o roteiro preso ao chão como comanda o elenco de maneira liberal e inteligente. Kevin Spacey é o melhor deles, sem sombra de dúvida, o ator brilha sem cessar. De um homem que se sentia derrotado em todos os cantos, pra um homem que ganha uma nova força de viver e se renova a cada dia, Spacey se dá bem com o papel em cada diálogo, cada olhar, cada cena, tudo está perfeito. Quem o segue de perto é a maravilhosa Annette Bening, responsável por uma detestável mas carismática Carolyn, ela é mais uma vez fez para merecer todos os elogios a ela destribuidos. Thora Birch também está fantástica, com uma naturalidade invejável e típica de uma adolescente rebelde. Mena Suvari consegue ser tão brilhante quanto, com seus olhares e gestos sensuais, ela encanta não só por sua beleza. Wes Bentley, Chris Cooper e Allison Janney formam a outra família, tão desequilibrada quanto os Burnham. Bentley está ótimo, cujo olhar penetrante formam um dos personagens mais profundos e sinceros da última década. Cooper está mais uma vez radiante e atua de forma magnífica, e apesar de pequeno, o papel de Janney é emocionante, tal como sua atuação, muito resumidamente em seu olhar inspirado.

Tudo parece funcionar em 'Beleza Americana'. A fotografia de Conrad L. Hall traduz o filme em um jogo de imagens, luz e sombra, reflexos e enquadramentos dignos de aplausos. A montagem, que beira à perfeição unida à direção de arte (a porta vermelha é genial) mais a trilha original, interessante e deliciosa de Thomas Newman transformam o filme em algo ainda maior e incomum, deixando para trás todas os outros filmes, abusando da originlidade e da genialidade e marcando época, revivendo os tempos de Crepúsculo dos Deuses cujo monólogo incial vem de uma pessoa morta, "American Beauty" se destaca em todos os mais pequenos aspectos.

E é isso. Engraçado como num século cheio de obras-primas e trabalhos de valores incalculáveis como foi o XX, esperaram pra deixar pro final uma das mais espantosas obras da história. Sei que pode parecer exagero, mas Beleza Americana une-se aos clássicos dos anos dourados de Hollywood, do cinema europeu e asiático, como uma obra-prima única, de inteligência e originalidade fora de séries. Mas ainda não é tudo o que se pode dizer do longa, para entender e captar melhor toda as mensagens genais que Ball e Mendes querem passar ao espectador, é necessário máximo atenção. Portanto, olhe mais de perto, você não verá um filme como outro qualquer que retrata os subúrbios americanos e relações familiares, você verá algo incomum de se encontrar no cinema recente, algo verdadeiramente indescritível.

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Gritos e Sussurros

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Sendo um filme de Ingmar Bergman, 'Gritos e Sussuros' não é de forma alguma um filme de fácil digestão. Para vê-lo, é preciso que deixemos de lado o nosso costume em ter um filme 'mastigado', em que a trama é bastante clara e os personagens bastante óbvios, da melhor maneira que Hollywood (principalmente a Hollywood de hoje) sabe fazer.

A obra do cineasta é exatamente o oposto dessa obviedade débil encontrada em muitas outras películas, Bergman nos coloca a frente de um profundo reflexo da nossa própria humanidade e dos sentimentos que habitam nossas entranhas.

Mas vamos à trama: Um mulher muito doente é, no período terminal de sua vida, ajudada por suas duas irmãs e também pela criada; à medida que seu estado de saúde piora, algumas memórias do passado dessas três mulheres virão a tona, tornando todo esse período bastante pertubador.

As obras de Bergman são conhecidas por sua profunda densidade psicológica, e aqui não é diferente. Muito pelo contrário, o diretor nos apresenta de um modo bastante complexo os sentimentos mais profundos que atigem essas mulheres. E porque complexo? Não há, como eu escrevi no começo, nada óbvio, nem nas atuações e nem nos diálogos, que por sinal são bem escassos.

Para podermos entender melhor o que se passa na cabeça dessas mulheres, Bergman nos dá alguns flahsbacks de alguns acontecimentos em suas vidas, vemos um pouco mais claramente o que atinge cada irmã: Agnes, a irmã enferma, já sentia ou pelo menos entendia desde cedo alguns sentimentos que entristeciam e até sufocavam a sua mãe, que dedicava uma maior atenção a sua outra filha, Maria. Maria, por sua vez, teve um casamento infeliz e tenta fugir dele ao se relacionar com o médico da família, e por fim, temos a última irmã, Karin, que também passa por um falido relacionamento. Todas essa lembranças são permeadas por um ambiente pesado, rodeado de paredes vermelhas e pelos gritos de profunda dor de Agnes.

Há também uma personagem chave na trama, Anna, a criada, que sempre dedicou um enorme amor à Agnes, ela é a personagem que se mostra mais forte, talvez por ser a única com um propósito um pouco mais claro: cuidar de sua amada patroa e evitar, na medida do possível, o seu sofrimento. A sua força em cuidar da enferma é reforçada pelo fato dela ter perdido sua filha no passado, a sua dor então, se torna mais 'sólida' do que o das irmãs. Já as irmãs estão confusas, cheias de sentimentos adversos: raiva, asco, rancor, paixão reprimida e principalmente desespero: desespero ante à falta de uma razão 'específica' para toda essa angústia; esses são sentimentos que elas foram adquirindo ao longo de suas vidas, provavelmente por inúmeros fatores. Karin não suporta nem ao menos ser tocada por Maria, sua pele e seus nervos estão sensíveis demais para tal gesto.

O que faz essa trama fugir da obviedade é o fato de que os flashback mostrados são apenas algumas peças ínfimas que compõe todo o quebra-cabeça de suas vidas, os maridos são apenas objetos que não fazem nada além de aumentar o sofrimento de suas esposas. Precisamos sentir o que se passa dentro dessas mulheres, as suas angústias e receios, e o que elas buscam afinal. É clara a escolha de Bergman em trabalhar com mulheres, elas conseguem passar com muito mais força para o expectador o quanto a mistura de sentimentos afetam a suas almas, os seus corpos.

E o que essas mulheres querem afinal? Talvez elas queriam simplesmente a felicidade, ou pelo menos alguns momentos felizes. Os gritos de Agnes vão além de sua dor física, são gritos de apelo à suas irmãs, para que elas possam viver juntas, com amor, em harmonia, na simplicidade de um passeio no jardim ou juntas num balanço de parque, ela não deseja muito mais que isso. Porém não há nada mais árduo do que atingir essa simplicidade.

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Rio Congelado

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Melissa Leo surpreende e entrega ao público uma atuação simplesmente brilhante, dando força ao filme que se tornou um dos mais poderosos e inteligentes de 2008.

Há muito tempo não se via um filme tão bom. E olha que começar uma crítica expondo a sua opinião tão escancaradamente não é uma escolha correta. Acontece que não me faltam elogios a serem atribuídos a Rio Congelado, um filme que não é bom por seu todo, mas sim pela surpresa, pela agradável e magnífica sensação de se ver algo que infelizmente passou despercebido pelo público, mas é de uma sensibilidade, de uma pureza e de uma inteligência que há muito tempo não se via no cinema. Não estou falando de uma produção luxuosa, de tema polêmico aplicado com sentimentalismos, nem um filme com efeitos especiais arrebatadores. Estou falando de um filme que emociona, de fato. Um filme cuja força das atuações, da direção e do roteiro nunca estiveram tão unidos para formar essa verdadeira obra rara. "Frozen River" é muito mais que possa imaginar. Muito mesmo.

Toda essa admiração recente deve-se ao fato de que o filme não era daqueles que prometiam mil e uma maravilhas, de jeito nenhum. O longa dirigido por Courtney Hunt parecia mais um filme independente, que abordava mais um tema diferente, o mesmo que tanto já fora usado nos cinemas, mas nunca tão bem retratado, da meneira mais bela e sensível possível. Afinal, estamos falando de um filme cuja força é exercida por mulheres, mas nunca o "sexo frágil" nunca esteve tão poderoso. A direção de Courtney Hunt, além de segura, é inteligente. Ainda bem que uma mulher ficou a cargo da direção do filme, pois aposto que se fosse um homem o diretor, o longa nunca sairia da maneira que saiu. E Hunt sabe muito bem dirigir o elenco de seus filmes (na verdade, esse é o primeiro longa-metragem dirigido por ela). Melissa Leo serve de alicerce para o filme como um todo. Sua atuação não é menos que fantástica, um verdadeiro show à parte e uma sensação maravilhosa de ver essa mulher, sem plásticas, botox nem qualquer outro tipo de máscara ou plástico no rosto, arrasar incessantemente em uma performance tão verdadeira que chega a parecer mentira. Exagero? De maneira alguma! Interpretação simples tem de monte por aí, quero ver é fazer igual a Leo, carregando emoção nos olhos e em cada gesto.

Felizmente, a atriz foi indicada ao Oscar e juro, deveria ter vencido. Uma atuação gigante perto do pouco sucesso que ela faz no cinema e em Hollywood, que prefere fuçar a vida de bonitões e gostosonas do que dar atenção aqueles que de fato merecem por seu talento. Enfim, nada mais a comentar a respeito de Melissa Leo, que depois de tanta bajulação sem exageros, possa resumir em somente uma palavra tudo o que sua atuação diz por ela: grande.

O roteiro de 'Rio Congelado' é magnífico igualmente. A história trata-se de um tema ainda que polêmico, mas não tão bem explorado pela mídia internacional, o tráfico de imigrantes ilegais do Canadá para os Estados Unidos, cujo trajeto passa pelo rio congelado St. Lawrence, ao qual o título do filme se refere. Melissa Leo faz Ray Eddy, uma mulher que após ser abandonada pelo marido, luta como pode para sobreviver e sustentar seus dois filhos. Um dia, seu caminho cruza com o de Lila Littlewolf, uma descendente de índios Mohawk. As duas criam um relacionamento que nem de perto chega a ser uma amizade , mas sim de negócios. Enquanto Ray ganha uma miséria em um supermercado, ela vê no tráfico de imigrantes uma boa saída, ainda que perigosa, para conseguir o dinheiro que seu marido fujão perdeu em apostas. As duas logo vão se juntar então, e trabalhar juntas, para depois terem desfecho impressionante. O roteiro aliás tem muito disso, situações inacreditáveis, com cenas que nos fazem muitas vezes perder o fôlego e prestar ainda mais atenção em cada diálogo e movimento das personagens.

Emocionante, deslumbrante. Uma singela surpresa, que apesar de seus defeitos típicos de um filme dirigido por uma profissional iniciante, tem a sua beleza não no fenótipo, mas no interior de cada personagem. Um filme que mostra as mulheres da maneira mais bela e sensível que eu já vi, mostrando os instintos de mãe, a luta para sobreviver, o sustento da família e da casa, a falta que sente dos seus quando está longe e da beleza, da sensibilidade e da fragilidade, que agoniza no fundo de suas almas. Um verdadeiro primor de direção, roteiro e atuações, com o destaque a parte, a grandiosa Melissa Leo. Aplausos.

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Milk - A Voz da Igualdade

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Atuações fantásticas fazem desse um dos melhores filmes de 2008, banhado pela sensibilidade incomparável de Van Sant.

Milk - A Voz da Igualdade vai muito além de uma simples e concreta biografia de um homem que marcou época. A estória de Harvey Milk é repleta de simbolismos, mensagens vindas daquele que entende perfeitamente o que é ser vítima da represália das pessoas para com os homossexuais. Gus Van Sant é assumidamente gay, um diretor de talento inegável, cujo trabalho em Gênio Indomável rendeu frutos, que o trouxe até aqui. Esse parece ser o filme que o diretor americano sempre quis comandar, e não à toa. Se hoje em dia ele pode andar na rua, sem (muitos) problemas, deve-se bastante a H. Milk. Bem, mesmo pra quem não viu o filme aqui sendo criticado, conhecer o mínimo da história desse ícone não é difícil. Milk morou a vida inteira em Nova York, descobriu sua verdadeira sexualidade lá e começou um relacionamento com Scott Smith. Decidido a mudar de vida (e de ares também), ele passa a viver em São Francisco junto com seu parceiro e abrem sue primeiro comércio juntos, uma loja de revelação fotográfia na Rua Castro. Milk entretanto, acaba se tornando um verdadeiro líder dos homossexuais, e vendo mais de perto as injustiças, o preconceito ainda mais nítido, ele começa a pregar seus conceitos baseados na igualdade, gerando seguidores que mais tarde tornariam seus amigos. Ele foi se tornando cada vez mais uma figura pública, motivo de esperança para muitos jovens que um dia, teriam liberdade para agir como quisessem nas ruas. Milk logo se transforma em um´homem não mais somente público, como também político, candidatando-se a cargos do governo. Depois de muitas tentatias fracassadas, ele finalmente consagra-se o primeiro ativista gay a ser eleito para um cargo público dos Estados Unidos, mas sua vida logo chegaria ao fim, quando um adversário, Dan White, mata-o a tiros de queima roupa.

Tudo isso você pode encontrar em 'Milk - A Voz da Igualdade', que transforma toda uma biografia repleta de feitos em uma lição de vida, transmitida por uma mensagem extremamente original e humana. Para tanto, Gus Van Sant foi capaz de abusar na sensibilidade, mas nunca levando o filme a uma sessão de manipulação gratuita, mas sim a uma reflexão bem construida por argumentos que salvam o filme de qualquer estereotipo do tema GLS e de qualquer apelação para a absolvição dos homossexuais. O diretor opta por um esquema que faz com que o espectador, mesmo aquele extremamente bem definido sexualmente, não se desgate com as cenas de amor entre dois homens.

O fiilme todo na verdade é de um bom gosto invejável. Desde a trilha sonora suave e bem encaixada de Danny Elfman até a história bem montada apoiada pelo tripé da poderosa direção, roteiro inteligente e atuações que beiram à perfeição. E por falar em atuações, destaca-se o talento imenso de Sean Penn, um dos atores mais completos e formidáveis em ação. Ele, que ganhou o Oscar pelo papel de Harvey Milk e alguns anos atrás pelo seu vingativo (ex-presidiário) personagem em Sobre Meninos e Lobos comprova mais uma vez que é um ator capaz de grandes performances, uma melhor que a outra. E ele não está só, apesar do destaque inegável que tem no filme, Emile Hirsh brilha intensamente, assim como o indicado ao Oscar e controlado Josh Brolin, em um papel bem mais exigente que aquele em Onde os Fracos Não Têm Vez. James Franco surpreende pela coragem e atua de forma discreta, mas convincente. 'Milk - A Voz da Igualdade' disputa acirradamente o prêmio de Melhor Elenco do ano, por convenção, obviamente.

'Milk' tem também um roteiro extremamente coerente. Não-linear, Dustin Lance Black escreve de uma forma que possibilita encaixar cenas reais, uma exploração mais profunda da vida íntima de Harvey Milk sem apelar pro exagero, nem pra discussões de relacionamento desnecessárias.

Enfim, Milk - A Voz da Igualdade vai muito além de ser somente uma biografia de alguém que fez muito pelo povo (neste caso, por um povo específico), é uma lição de vida, carregada pela emoção das atuações, pela sensibilidade do diretor e pela inteligência e bom senso do roteirista. Um filme imperdível e uma verdadeira aula de cinema, apesar de esperar um pouco mais, é excelente do mesmo jeito.

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Batman - O Cavaleiro das Trevas

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Hollywood é mesmo uma produtora de sonhos e sensações. Embora poucos saibam, é o áudio-visual “ópio do povo”, algo pelo qual se paga aqui R$ 8,00 a “meia-dose”. Pela “bagatela” podemos ser criminosos, príncipes, juízes, gnomos, heróis e em alguns casos, temos o direito de retornar em outro 'episódio' para resolver uma possível conversa não terminada. Assim fizemos em nossos “jogos mortais”, em nossas “supremacias”, “ultimatos”, em nosso “mundo em pânico”, em nossa podre “torta americana”. Nesses casos, salvo exceções mínimas nos “Jogos” e nos “Bournes”, em um palheiro de ideologia e má forma/conteúdo, parecemos brilhar. Mas como nosso próprio celulóide somos irreais e cada vez mais forçosos e mal feitos sempre que precisamos nos reafirmar, reaparecer, voltar dos mortos, dizer o que havia ficado subtendido. E a cada retorno, nova máscara para um “abjeto” de investimento milionário, revestido de mediocridade, sangue e vingança empanturrando-nos de cachê, bonecos, adesivos, camisetas e público.

Embora faça parte dos “retornos” e “voltas” hollywoodianas “The dark knight” de Christopher Nolan torna-se um “à parte” e fixa seu lugar como a mais independente das continuações de filmes (e aqui não quero ser taxativo, portanto essa posição não é irrevogável) já produzidas pela segunda maior indústria de cinema do mundo.

Como sabemos, esta mais recente obra sobre o sombrio herói de Gotham City é a continuação em tecnologia melhorada e em (... ?) forma, da linha iniciada por Tim Burton em 1989, com Jack Nicholson (excelente!) como Coringa e Michael Keaton (muito aquém de tudo!) como o homem-morcego. Mas Nolan supera o expressionismo e a genialidade arquitetônica de Burton. Supera em uma narrativa mais centrada num objetivo único, na história específica a ser contada, sem ter como mote a necessidade neurótica de “criar o clima” para o próximo filme (vide “A bússola de ouro” entre outros). “O cavaleiro das trevas” é sim um produto comercial, uma continuação (especificamente de “Batman Begins”), uma adaptação de quadrinhos, um dos resultados da fórmula. Mas foge do “esperado” em todos os graus imaginados.

Primeiro vamos deixar bem claro, para os alucinados por Batman, e para os abduzidos pelo cinema (pessoas como eu), que é uma burrice quase doente querer que a versão cinematográfica de qualquer coisa se pareça em tudo com o original, seja ele teatro, literatura, quadrinhos, música, cordel, figurinha, tazo... É preciso entender que película, palco e papel são regidos por linguagens diferentes, e que a obra cinematográfica tem caminhos possíveis e impossíveis de trilhar - cabe ao diretor auteur transformar letras e atos em material para lente de câmera. A adaptação tem suas limitações e seu espaço criativo, e pode ser livre ou mais verossímil à obra de influência.

“O cavaleiro das trevas” é uma adaptação e um mix de inovações e clichês baratos, estes últimos não encobrindo o valor e a beleza dos primeiros. O jogo entre silêncio e explosão de som, a fotografia em função da tensão psicológica e esta tensão em função da narrativa tornam o filme comestível do começo ao fim e obviamente termina por não saciar-nos de todo, tão boa a sensação que encadeia.

Pelo roteiro, caminham bifurcações de histórias quase separadas e embora tenham um ponto final em comum, não se atropelam - como é de praxe em filmes assim (vide “Homem Aranha”). O filme apresenta modalidades de tensão e suspense na medida certa. Provoca um riso sádico no espectador, como o do Coringa. Gotham é o espectador e o Coringa é o Governo, o Estado, o Imposto, o Assaltante, o Chefe. A diegese é de tal forma bem fechada e real em si, que a transferência do espectador para o mundo corrupto de Batman é quase uma ordem. O Complexo de Vítima se intensifica e este é um dos “ganhos” ideológicos do filme. Digo ganho, porque é ambíguo. Ao fim, não se sabe para quem torcer. Duas-Caras foi vítima da injustiça do Sistema, da Violência? Batman foi traído ao ser perseguido por querer fazer o bem – isso é tão Jesus Cristo, tão Mártir Cristão, não é? A violência de Coringa poderia ser justificada por algum elemento psicológico que o inocentasse? Vale a pena a morte de alguns policiais para salvar toda Gotham City das mãos da máfia (lembrem-se que a lógica do Nazismo era essa)? Assim, pela força de ambigüidade e do distanciamento (embora não 100%) roteirista/objeto fílmico, a obra ganha muito em não revelar tudo às claras, não estampar o final feliz, não abençoar os justos, não desrespeitar os criminosos (quem pensou que jogar o detonador pela janela do barco seria a atitude do presidiário?).

Pela música, costuram-se ruídos, ordens, gritos de fúria e histerismo. Os roncos da Batmoto, do Lamborghini, dos helicópteros e aviões são muito bem modulados. A música é de um suspense em corda-bamba: torna tudo imprevisível. Violoncelos e contrabaixos são usados com madeiras e metais graves para um efeito quase apocalíptico de um vindouro minuto trágico: o som da “anarquia” (palavras do Coringa) na qual Gotham está imersa. Assim se enverniza o clima da cidade.

E faz-se a luz. Nas panorâmicas diurnas por Hong Kong, nos planos gerais dos prédios de Gotham, nos focos médios e close-ups dos personagens, a luz é a exposição plástica de um estado de espírito – exemplo: a sequência da sala de interrogatório com o Coringa. Wally Pfister, o fotógrafo, vai do comum ensolarado ao azul-scanner, passando pelo túnel quase sépia com explosões e pelas luzes noturnas de intenções geográficas. Lanternas, holofotes, TVs, ruas com carros em travelling, a fotografia dá fôlego (embora nas externas diurnas do final seja um tanto medíocre) ao filme.

A isso soma-se a interpretação fenomenal de Heath Ledger como Coringa, o pouco uso do excelente Morgan Freeman, os clichês do baile, do triângulo amoroso, da carta. O produto é um filme obscuro, mítico, de impressionante poder de ação e sensação – impulsionadas por uma edição nervosa de cortes precisos e por uma câmera sempre colocada em um ângulo interessante. Apensar dos pequenos “estados comuns”, a direção de Christopher Nolan consegue fazer “O Cavaleiro das Trevas” ser quase como nos quadrinhos: um êxtase. Por fim, faz com que a continuação da saga (se der na telha produzir mais, tem material para um século) não seja um suplício e sim um amargo e obscuro prazer cheio de reviravoltas e ícones dignos d'O Cavaleiro das Trevas.

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Dúvida

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Atuações marcantes e surpreendentes, um roteiro poderoso com diálogos retos. É assim que podemos definir Dúvida, um dos melhores filmes do ano que passou.

Os amantes de cinema já se acostumaram. Adaptações de peças teatrais para o cinema já não são novidade desde a época em que as obras literárias do lendário escritor inglês William Shakespeare começaram a virar filmes. Entretanto, não estou falando das histórias de Hamlet, muito menos do amor impossível do clássico Romeu e Julieta e nem do Mouro de Veneza, Otelo. Desta vez, está ao meu cargo detalhar a experiência inusitada de assistir ao filme de John Patrick Shanley, dramaturgo americano que realiza em "Doubt", seu segundo trabalho como diretor cinematográfico. Sim, para quem pensava que Shanley não passava de um mero principiante comandante de filmes, saibam que ele foi o responsável pela direção de Jow Versus the Volcano, comédia romântica estrelada por Tom Hanks e Meg Ryan, datada de 1990. O homem nascido no Bronx pode não ser um experiente diretor de cinema, mas certamente não é esse o adjetivo apropriado para se referir a ele no posto de autor teatral, uma vez que um de seus trabalhos mais conhecidos, que vem a ser justamente a peça que deu origem ao filme aqui sendo criticado, ganhou o prêmio Pulitzer de Drama em 2005. E assim como no teatro, o texto de 'Dúvida', sob o comando daquele que lhe escreveu nos dois diferentes palcos, funciona perfeitamente, chamando atenção para as características mais ínfimas das personagens e dando ênfase para cada diálogo, salientando tudo o que há de melhor nele, a fim de facilitar o trabalho do atento espectador na arte de extrair o máximo de informações que lhe estiver às mãos.

Para tanto, seria necessária uma adaptação que estivesse no mínimo à altura da grande peça ambientada em Portugal. E para a felicidade daqueles que gostam de unir o cinema ao teatro, o roteiro de 'Dúvida' não poderia ter sido melhor escrito. E a escolha das filmagens segue a mesma linha. Gravando no mesmo bairro que nasceu o roteirista e também diretor Shanley, o roteiro do longa propricia algo além daquilo que fora planejado anteriormente para a peça teatral. Com a chegada do primeiro aluno negro na Escola St.Nicholas do Bronx, a vida da diretora Irmã Aloysius Beauvier vai se tornar um pouco mais complicada do que ela gostaria. Rigorosa, ela controla seus alunos a mão de ferro, exigindo sempre ordem e disciplina por parte deles. Na escola, trabalha a jovem Irmã James, que também leciona. Dentro da pacata e consecutiva rotina de todos aqueles que percorrem os corredores da instituição de educação, algo de muito polêmico vai dar pano pra manga. Acontece que o bondoso Padre Flynn vem causando certas discussões com seus sermões (hoje em dia chamados de "Homilia"), cujos temas vão desde a fé das pessoas, os pecados que elas imaginam ter cometido, até a própria dúvida, no sermão da cena inicial:

"-A Dúvida pode ser uma ligação tão poderosa e sustentável como a certeza."

E é justamente a dúvida que vai mover os instintos da Irmã Aloysius quando James relata a ela ter visto e encontrado vestígios de que o Padre Flynn e o aluno negro, Donald Miller, estivessem tendo um relacionamento exagerado, com intimidade demais. É a deixa para que a megera Irmã comece uma caçada em busca da verdade que ela supostamente já conhecia, tentando de todas as formas provar que ela estava de fato certa e expulsar o padre da escola.

Como já foi comentando, o roteiro adaptado para um longa-metragem trouxe a oportunidade para novas reflexões a respeito da história central, que gira em torno da suspeita de Aloysius em cima de Flynn e das sua relação tão "imprudente" (ao ver dela) para com um aluno que ela julga ser frágil por não ter amigos. Apesar de tratar de um tema completamente diferente, 'Dúvida' propicia uma discussão sobre o racismo que naquele ano de 1964 estava tão presente até mesmo nas escolas. O fato de Donald Miller ser negro e unicamente por esse motivo não ter amigos já é um fator que mostra como um assunto pode ser bem explorado através de outros ângulos. A culpa, inocência, a presunção, paranóia, religião, todos esses conceitos são mostrados de forma profunda, ainda que indireta por Shanley, que após vencer o Oscar de Roteiro Original por Feitiço da Lua parece ter aperfeiçoado ainda mais o seu dom de escrever.

'Dúvida', que mostra ser eficiente principalmente no roteiro, falha em alguns quesitos da direção do próprio Shanley. Ainda que não sendo graves, ocorrem alguns erros por parte dele que acabam por dando uma impressão um tanto incorreta de alguns personagens, que definitivamente não é culpa do elenco. No caso da Irmã Aloysius, apesar de falarem que Streep compõe uma personagem exagerada de gestos e expressões, acho que as suas atitudes, no que diz respeito ao que foi direcionado por Shanley que podem ter acabado dando essa má impressão à personagem, cujo final não funcionara de maneira clara e consistente para alguns. A Irmã James se mostra imatura, inocente e desorientada demais. Ainda que a culpa seja extremamente bem explorada em seu trabalho, Amy Adams parece "culpada" até demais. Na verdade, se o brilho do elenco aconteceu, é muito mais (e quase que totalmente) por mérito dos próprios atores do que pela direção de Shanley, que poderia ter sido melhor.

Mas já que mencionamos as atuações, não tem como eu acabar de escrever esse comentário sem mencionar o trabalho de cada um, não em seus mínimos detalhes, mas dando uma atenção individual a todos.

Irmã Aloysius Beauvier, por Meryl Streep

Nem é preciso gastar linhas para salientar que Streep é uma verdadeira dama do cinema internacional. Todos sabem disso, e muito bem. Em 2009, ela recebeu a sua 15ª indicação ao prêmio do Oscar, consagrando-se definitivamente a recordista de indicações entre as mulheres, ainda que seja também uma das maiores perdedoras. Apesar dos comentários ruins sobre a sua atuação em 'Dúvida', ao meu ver, ela deixa mais uma vez a fantástica marca da excelente atriz que é. Ela é própria megera, rigorosa e dura diretora de uma escola religiosa. Streep dá a sua personagem um tom de grosseria sem exageros, elegância, educação e disciplina como ninguém. Não é nem de longe uma de suas melhores atuações, mas isso não quer dizer que seu trabalho seja menor que ótimo.

Padre Flynn, por Philip Seymour Hoffman

É por essas e outras que hoje, Philip Seymour Hoffman é meu ator preferido. Depois de brilhar de maneira ofuscante em Capote, nada mais a respeito dele me surpreende. Uma atuação mais bem concretizada que a outra, trabalhos ainda melhores. E é com uma inteligência e uma simplicidade impressionantes que Hoffman constrói o carismático Padre Flynn. Como não se sentir bombardeado por seus sermões, seus olhares verdadeiros e uma própria aula singela de atuação. Philip Seymour Hoffman é hoje sim, um dos maiores e mais completos atores em ação, com verossimilhança para com todos os personagens, ele se supera mais uma vez, como um suposto bondoso padre.

Irmã James, por Amy Adams

A jovem italiana consegue mais uma vez surpreender por seu carisma impressionante e sua força de atuação sem igual. Apesar de, como eu já havia dito, sua personagem parecer inocente demais, não poderia haver atriz melhor para interpretar Irmã James. Qualquer um poderia pensar que Amy Adams parece ter nascido para ser uma freira, depois de ver este filme, pois qual é o tamanho do poder de interpretação que essa mulher tem, garantindo mais merecidíssimas indicações a vários prêmios pelo mundo, incluindo o Oscar.

Sra. Muller, por Viola Davis

E chegamos à ela. A maior e mais deliciosa surpresa do ano, Viola Davis. Quem poderia esperar que uma atriz amadurecida, inexperiente como ela, poderia ter sido capaz de tal feito? Em uma cena de poucos minutos, Davis imprime o seu talento da forma mais contundente e fiel possível à personagem. E nestes instantes, Meryl Streep torna-se uma formiga perto da gigante Viola Davis, que emociona a todos pelo olhar, lágrimas e diálogos impressionantes. Uma atuação magnífica, diga de uma atriz veterana, só que desta vez, pelo talento inexperiente desta que pode vir a ser uma das atrizes de carreira mais promissora do cinema atualmente.

Enfim, Dúvida é um prato cheio para quem curte um bom filme com um toque teatral especial. Apesar de não ser muito fã do gênero, considero este, um dos melhores longas de 2008, com uma força sem igual nas atuações, um roteiro brilhante e uma direção que poderia ter sido melhor, mas que mesmo assim garante um bom aproveitamento. Um filme de história deslumbrante, interessante e reflexiva. Imperdível!

Críticas

Thelma & Louise

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Um dos meus filmes favoritos de Ridley Scott, um filme extremamente divertido e com umas belas paisagens.

Esperava algo muito emocionante ao ver este filme. Devo admitir que os minutos iniciais me deixaram em dúvida se o filme seria ou não grande coisa, porque tinham um ambiente obscuro, situações por vezes ordinárias e personagens pouco cativantes e algo irritantes. Mas a partir do momento em que Louise matou aquele homem…eu nem queria acreditar. Então era esse o sarilho em que as duas se iam meter? Mas aquilo era homicídio! Como podiam agora as duas mulheres acabar bem? Seria quase impossível não serem presas, e serem presas não seria um final feliz.

Bem, só me restava esperar para ver o que acontecia. Assim fiz. Como era de esperar, Thelma e Louise estavam quase a enlouquecer, e tiveram de lidar com o seu próprio medo. Gostei da maneira como elas arranjaram tudo, de maneira a conseguir evitar a polícia e garantir ainda a sua sobrevivência com o mínimo de condições. As duas mulheres viajavam pela estrada, volta e meia comunicavam com a polícia, e tudo isso trazia uma boa dinâmica ao filme. Porém, ainda faltava algo. Esse algo surgiu com o personagem interpretado por Brad Pitt, que, mesmo que não se destacasse por ser Brad Pitt, destacar-se-ia pelo seu personagem, que é cativante e muito divertido, do género do Sawyer de “Lost”. Roubando-lhes o dinheiro, J.D deu o toque que faltava, e que vai conduzir as duas amigas a extremos que roubarão o filme a partir daí.

À medida que Thelma e Louise andavam pela estrada fora (sempre a mostrar paisagens de todos os tipos, e cada uma mais bonita que a outra), perguntava-me o que fariam para se conseguir ver livres do problema de não ter dinheiro. Quando Thelma disse que ia à loja, não pensei que fosse acontecer alguma coisa de especial. Mas, de repente…hem? Thelma assaltou a loja? Está maluca? Ela e Louise não têm já lenha que chegue para se queimarem? Ainda assalta uma loja? Caramba, não estava nada à espera que o filme tomasse esse caminho. Pensei que as duas fossem amansar. Mas, surpresa, a situação está cada vez mais negra para o lado delas!

O filme continuava, cada vez mais emocionante, porque Thelma e Louise estavam cada vez mais enterradas em problemas com a justiça. Elas passavam por diversos lugares, e eu perguntava-me como se iam elas safar. Quando chegou a polícia, pensei: “Ih! E agora?”. Qual não é a minha surpresa quando vejo Thelma a fazer algo que nunca pensei que fosse capaz. Então aquela mulher que se deixava ser um verdadeiro saco de boxe para o marido era capaz de apontar uma arma a um polícia e prendê-lo?! E destroem o rádio? E manejam uma arma com se tivessem andado aos tiros durante a vida toda?

A partir daí, desisti. Tal como Thelma e Louise devem ter feito, pensei: “O.k, já chega. Que se dane a ética. Perdido por um, perdido por mil. Vamos ser más!”. Ou seja, fiquei cheio de pica e passei a apoiar as duas amigas em tudo o que faziam, por mais absurdo que fosse. Quando elas resolveram rebentar com o camião do homem só porque sim, eu pensava: “Boa! Dispara mais uma! Dá um tiro no homem, já agora! (horrível, não é?)”. Sempre que as duas mulheres conduziam de um lado para o outro como umas doidas, eu sentia-me como se estivesse dentro do carro, cheio de adrenalina. E quando elas se meteram pelo deserto (ou lá o que é) a fugir da polícia, eu torcia por elas incondicionalmente. Foi quando foi o fim da linha. A polícia cercou-as e eu não suportava a ideia de elas irem ser presas. Não, isso não podia acontecer. Já tinham passado por muito e eu aprendido a gostar delas. Quando Thelma disse algo do género: “Bora lá não ser apanhadas”, percebi logo a ideia, e sorri. E, depois, aquele final maravilhoso, triste e perfeito ao mesmo tempo. Não podia ter acabado de forma melhor. Acho que, se estivesse na pele de Thelma e Louise, faria o mesmo.

Thelma e Louise pode não ser o melhor filme de Ridley Scott, mas é certamente um dos mais divertidos. Apesar dos mornos minutos iniciais, o filme como todo é um gozo total. Nada diverte mais do que ver as duas mulheres a viajarem por aí fazendo umas divertidas loucuras de vez em quando. Dá para ver umas trocentas vezes sem cansar.

Críticas

Jean Charles

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Quando vi que seria produzido um filme sobre a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes - assassinado covardemente no metrô de Londres pela polícia inglesa -, fiquei reticente e julguei como falta de criatividade do cinema brasileiro. De fato; quantas milhares de pessoas não morrem injustamente por erros de terceiros? Quantos inocentes não perdem a vida em uma guerra? Nenhum desses já teve um longa publicado, ou se teve, foram muito poucos. Contudo, depois pensei melhor: um trabalho como esse até teria um propósito, pois passados três anos do fatídico caso, nenhum culpado foi punido – isso porque vivemos elogiando esses países, por serem um exemplo, por isso e por aquilo.

O Jean Charles retratado no longa é o típico brasileiro (sem preconceitos). Dá um jeitinho pra tudo e faz o que pode para ajudar os seus ‘chegados’. No entanto, ele também é apresentado como um legítimo trambiqueiro, já que em determinada passagem passa a perna num amigo só para ganhar mais dinheiro – uma atitude reprovável! O diretor Henrique Goldman também faz um retrato do brasileiro sempre envolvido com coisas ilegais, como o ‘agenciamento’ de vistos permanentes para mantêr os compatriotas no país. Ou seja, o Jean Charles que vemos está longe de ser um santinho, e achei que nisso o filme se saiu muito bem – não criou uma espécie de mártir; fez um homem comum, que também erra, também falha… uma pessoa como qualquer outra.

Em se tratando do filme, ele se inicia como uma espécie de comédia de costumes da vida dos brasileiros na capital inglesa. Vemos um mineiro do interior que quer aproveitar a vida na cidade grande (Londres). Esse start descontraído até nos rende bons momentos e boas risadas – e algumas cenas impagáveis. Com o passar do tempo, no entanto, o que era divertido e até nos fazia esquecer que era um retrato trágico, ganha contornos de drama. "Jean Charles" caminha muito bem até aí, pois a partir desse momento, achei um festival de cenas mal feitas e um final alongado absolutamente desnecessário.

Vamos ao que interessa: o longa é curto, apenas 90 minutos. Isso significa que chegamos ao clímax final muito rapidamente. É claro que o foco aqui é a tragédia no metrô, e talvez por isso podemos entender tal fato. Entretanto, o que deixa o espectador desnorteado é como esse ápice da trama foi feito. Por que? Justamente porque a cena toda foi muito mal construída. Jean Charles acorda e reluta com o despertador, logo em seguida salta aos ouvidos uma música lenta, dramática… ele caminha para o metrô com duas pessoas o seguindo… será que dava para ser mais óbvio? Talvez… mas o pior ainda estava por vir: após adentrar no coletivo, aquelas duas pessoas já citadas chegam e o apontam como o suposto terrorista; vemos corre-corre, e uma saraivada de tiros – Jean Charles está morto. É possível que o diretor tenha tentado reproduzir a cena com total fidelidade, mas ao optar por isso, criou um ápice xoxo, nada emocionante.

A morte da personagem acena para o final do filme, e confesso que se acabasse ali seria um grande mérito. No entanto, como há aquela irritante insistência em se mostrar o depois do ocorrido, no melhor estilo telenovela global, vejo que o restante da trama ficou comprometida, sem propósito. O objetivo, que era tratar de um tema delicado como os imigrantes brasileiros que vivem ilegalmente em Londres e o terrorismo da polícia que atira antes de perguntar, parece que é deixado para segundo plano, e para o espectador, fica aquela sensação de que tudo poderia ter acabado quando Selton Mello saiu de cena.

"Jean Charles" é sim um bom filme, mas contém seus erros, alguns imperdoáves, outros mais brandos… no final das contas é mais um trabalho interessante do cinema brasileiro. Destaque aqui para o desempenho impecável do sempre competente Selton Mello. Aqui, o ator faz jus ao rótulo de melhor ator nacional e dá vida a um personagem divertido, ‘malandro’ e carismático… o sotaque mineiro (apesar do próprio ser natural das Minas Gerais) deixa evidente a qualidade desse ator, que já brilha há algum tempo e ainda tem muito futuro pela frente no cinema nacional e internacional. No mais, também merece ressalva o trabalho de Luis Miranda, que na pele de Alex, nos rende a maior parte das boas cenas da trama.

www.moviefordummies.wordpress.com

Críticas

Poderoso Chefão: Parte II, O

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O Poderoso Chefão foi uma película tão impactante que os produtores praticamente exigiram uma continuação. Dois anos depois, Francis Ford Coppola entrega um dos melhores filmes da história, o caso mais exemplar de uma continuação que supera o original.

A segunda parte da história da famiglia Corleone foi montada por Coppola e Mario Puzo. O filme abre com Vito Corleone ainda criança, com nove anos, na Sicília. Sua família foi morta pelo chefe da máfia local e Vito é embarcado para os Estados Unidos, onde assim como centenas de italianos, recomeça sua vida. Logo depois, seguimos na trajetória de Michael Corleone, agora comandando a famiglia. Sete anos se passaram desde a morte de Vito e agora, Michael expande seus negócios por Las Vegas e também para Cuba, às vésperas da Revolução Cubana. Durante a narrativa, flashbacks mostram como Vito Andolini de Corleone se tornou Don Corleone.

Se o primeiro filme era fascinante, este não deixa por menos. As três horas e vinte de projeção parecem durar muito menos. A história roteirizada por Coppola e Puzo traça um painel monumental da história dos Estados Unidos, assim como a formação do império dos Corleone, cobrindo seis décadas e três gerações da famiglia. O roteiro propicia sequências fabulosas, como aquelas passadas na Nova York da década de 1920, onde Vito Corleone dá início ao seu império, buscando destruir um mafioso que dá as ordens no bairro italiano. Da mesma forma, todas as cenas que apresentam festas são incríveis, como a primeira comunhão do filho de Michael, a festa religiosa no bairro italiano e também o ano-novo em Havana. Diversas frases são pontuais e inesquecíveis, como "nós dois fazemos parte da mesma hipocrisia" ou "mantenha os seus amigos por perto. Mantenha seus inimigos mais perto ainda".

Analisando o roteiro estruturalmente, a proposta é praticamente a mesma: começa com uma festa da famiglia, Don Corleone expande seus negócios e tudo culmina em uma série de assassinatos planejados. Aqui, entretanto, a história entremeia a ascenção de Vito como chefe da famiglia.

No campo das atuações, temos trabalhos muito mais fortes: Robert De Niro entrega um Vito Corleone monumental. Sua atuação é espetacular, incluindo o sotaque arrastado que Marlon Brando utilizou no primeiro filme. John Cazale, na pele de Fredo, tem mais presença nesta produção, protagonizando cenas mais fortes e emocionantes (umas das suas sequências é arrebatadora, podendo arrancar lágrimas). Robert Duvall tem um pouco menos de importância aqui, mas mantém seu bom desempenho. Diane Keaton aparece mais e se supera, em uma de suas mais belas atuações. Talia Shire aparece pouco, mas atua magnificamente. Dois atores surpreendem: Lee Strasberg, excelente como Hyman Roth, e Michael V. Gazzo.

Mas o nome deste filme é Al Pacino. Sua interpretação é inigualável. Michael Corleone transita entre a melancolia e a frieza, entre a passividade e o poder. Pacino é perfeito, tanto visual como verbalmente. Sua atuação foi injustamente preterida no Oscar, que preferiu premiar Art Carney por Harry & Tonto.

A trilha sonora é novamente fundamental para a composição da história. A fotografia é belíssima, usando de sépia para contar a história de Vito Corleone. A montagem é o destaque do filme, já que ocorre um vaivém no tempo e em determinados momentos, ocorre uma súbita interrupção na narrativa, para contar um pouco mais sobre Vito Corleone. A direção de Coppola faz uso de belos ângulos e demonstra segurança fundamental por mais uma vez.

O Poderoso Chefão II é um filme estupendo, talvez o caso mais singular de uma continuação que supera o original (e até hoje é a única a ter recebido o Oscar). É emocionante, é arrebatador, é belo. É um espetáculo cinematográfico, outra obra-prima de valor incalculável.

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