A arte criticando a vida. O filme é um estudo irônico da sociedade americana de hoje em dia, dando ênfase aos problemas mais comuns de pessoas comuns, que levam uma vida comum. Apesar da repetição de uma mesma palavra na frase anterior, se tem uma coisa que o longa de Sam Mendes não é, é comum.
Não é flor que se cheire. E não, não estou falando do filme. Estou sim, falando de fato, de uma planta. Curiosiamente de uma planta diferente e única, que não tem cheiro e não tem espinhos, embora se pareça muito com uma rosa. Brota somente no continente americano, e foi essa flor que fez nascer um dos mais politicamente incorretos filmes norte-americanos da história. Pra quem não captou a mensagem, o título do filme, que sabe-se ser Beleza Americana, é justamente o nome da flor à qual estava me referindo ainda há pouco. Sim, o leitor certamente percebeu que eu ainda não explicitei exatamente qual a minha posição inicial em relação ao filme que eu estou (supostamente) criticando. Mas na verdade quero lhe fazer um convite. Tenho certeza que você notou que espalhei algumas poucas informações desde o início dessa análise, mas que concretamente não fazem sentido, uma vez ligando umas às outras. Agora, se juntarmos todas essas informações, será fácil perceber qual é a minha opinião informal sobre o filme. Vejamos: incomum, politicamente incorreto, cujo nome deve-se a uma flor. Em outras palavras, "beleza americana" pode ser sim o nome de uma planta, mas está muito longe de ser somente uma. O nome, aplicado ao filme aqui sendo criticado, serve como metáfora, uma ironia "incomum" sobre a "politicamente (in)correta" sociedade estadunidense, usando como título uma flor, que aparentemente pode ser bela, deliciosamente vermelha, tentadora e invejável, mas que no fundo não passa de uma simples e patética planta, sem cheiro algum e sem nenhum tipo de espinho, que serviria como defesa. 'Beleza Americana' (agora sim o filme) é resumidamente isso. Um filme sobre a imagem, imagem de uma aparente família suburbana comum (não que isso seja de fato algo ordinário, segundo uma das várias reflexões que o roteiro nos convida a fazer), que a partir, justamente da impressão passada por eles: de felicidade, alegria, união familiar, não passa de fachada. Por quê? Olhe mais de perto.
"American Beauty" é boa parte a imagem real dos subúrbios norte-americanos. Criticando justamente isso, o roteiro de Allan Ball é uma caixinha de surpresas. Eu poderia ficar escrevendo linhas e mais linhas só de elogios a esse brilhante roteirista em seu trabalho mais admirável, mas com que finalidade? Afinal de contas, tudo isso já é clichê, de tanto que as pessoas já ouviram. E não vou cair em desgraça a ponto de contradizer tudo o que o filme é, escrevendo de forma totalmente oposta, ou seja, clichê, comum e (mais uma vez) politicamente correto. Acontece que tamanha a inteligência de alguns profissionais do cinema de hoje em dia, que chega a ser algo incrédulo, deixando o espectador atento em um estado de confusão perplexa. Mas partindo pra frente, essa é a maior sacada de Ball, unir a flor e suas características à crítica que deseja passar através de seu texto, e tudo é feito tão perfeitamente pelo diretor Sam Mendes que, como eu disse, é difícil de acreditar que alguém possa ter sido capaz de ter tido essa fantástica ideia.Voltando lá no começo desse comentário você pode notar que eu escrevi que se tem algo que 'Beleza Americana' não é, é comum. Pois é a mais pura verdade e como deixar de ser, fruto da genialidade de Ball, que cria personagens comuns, coloca-os em situações comuns deixando mais do que claro que a vida deles, ou melhor que o "american way of life", é tão medíocre, ordinária e sem querer ser redundante, comum, como qualquer outra, e trabalhando mais uma vez com a imagem, ele escreve cenas que mostram como as pessoas desejam e lutam tanto para não acabarem virando humanos comuns.
E entre esses tantos seres imaginários, está Lester Burnham. O protagonista e a vítima de toda a história. Mas não é pelo simples fato dele já sair anunciando desde o início que ele está para morrer dentro de um ano (apesar claro, de não saber disso ainda), mas sim por ser aquela típica pessoa que anda pra lá e pra cá se sentindo derrotada, fracassada em todos os mais miseráveis aspectos de sua vidinha chata e medíocre, cujo ponto alto do dia resume-se em se masturbar no chuveiro antes de ir para um trabalho que ele simplesmente odeia, aturar pessoas querendo demiti-lo, voltar para casa, ser humilhado pela sua infeliz esposa Carolyn Burnham, ser odiado mais ainda pela filha Jane Burham e repetir essa mesma ordinária rotina todos os dias do resto de sua vida, pelo menos até ele mesmo dizer "chega". E ele realmente o faz quando conhece Angela Hayes, a melhor amiga da filha, que chama atenção pela beleza e pelo corpo escultural. Decidido a mudar de vida radicalmente, ele toma coragem e parte para o desencadeamento mais criativo dos últimos anos no cinema. Demite-se, chantageia o chefe, toma as rédeas da casa e da família, começa a malhar, compra o carro dos seus sonhos e arruma um emprego, que de acordo com seus desejos, exige o mínimo de responsabilidade possível.
Inovando, inovando e inovando. Ball dá sempre um jeito de inserir mais e mais criatividade em seu roteiro cada vez mais misturando a dura e fria realidade dos subúrbios com a fantasia da mudança de vida radical. Entre situações indescritíveis, estão personagens tão indescritíveis quanto. A começar por Lester Burnham, o homem do ano casado com Carolyn Burnham, a corretora de imóveis que encontra no jeito mais prazeroso um modo de renovar suas energias abatidas pelo casamento fracassado e carente de sexo, sua filha Jane Burnham, a adolescente rebelde, que odeia os pais e anda com Angela Hayes, a gostosona "incomum" do filme, que rejeita o relacionamento esquisito da amiga com o vizinho Ricky Fitts, o cara que fica filmando a vida dos outros, não com o intuito de se intrometer na vida alheia, mas como um admirador da beleza universal, um jovem traficante de drogas que engana o pai Frank Fitts, um ex-fuzileiro naval que coleciona um prato nazista e detesta homossexuais. Enfim, o roteiro engloba todos os personagens de maneira curiosa, e que de certa forma, se preocupam tanto com a imagem, que se esquecem do que verdadeiramente importa. E parece não haver ninguém melhor que Sam Mendes pra controlar essa loucura toda, deixando tudo mais discreto e charmoso possível, com pitadas de fantasia e cenas delirantes, o humor negro vem para deixar tudo ainda mais agradável.
Mendes não só mantém o roteiro preso ao chão como comanda o elenco de maneira liberal e inteligente. Kevin Spacey é o melhor deles, sem sombra de dúvida, o ator brilha sem cessar. De um homem que se sentia derrotado em todos os cantos, pra um homem que ganha uma nova força de viver e se renova a cada dia, Spacey se dá bem com o papel em cada diálogo, cada olhar, cada cena, tudo está perfeito. Quem o segue de perto é a maravilhosa Annette Bening, responsável por uma detestável mas carismática Carolyn, ela é mais uma vez fez para merecer todos os elogios a ela destribuidos. Thora Birch também está fantástica, com uma naturalidade invejável e típica de uma adolescente rebelde. Mena Suvari consegue ser tão brilhante quanto, com seus olhares e gestos sensuais, ela encanta não só por sua beleza. Wes Bentley, Chris Cooper e Allison Janney formam a outra família, tão desequilibrada quanto os Burnham. Bentley está ótimo, cujo olhar penetrante formam um dos personagens mais profundos e sinceros da última década. Cooper está mais uma vez radiante e atua de forma magnífica, e apesar de pequeno, o papel de Janney é emocionante, tal como sua atuação, muito resumidamente em seu olhar inspirado.
Tudo parece funcionar em 'Beleza Americana'. A fotografia de Conrad L. Hall traduz o filme em um jogo de imagens, luz e sombra, reflexos e enquadramentos dignos de aplausos. A montagem, que beira à perfeição unida à direção de arte (a porta vermelha é genial) mais a trilha original, interessante e deliciosa de Thomas Newman transformam o filme em algo ainda maior e incomum, deixando para trás todas os outros filmes, abusando da originlidade e da genialidade e marcando época, revivendo os tempos de Crepúsculo dos Deuses cujo monólogo incial vem de uma pessoa morta, "American Beauty" se destaca em todos os mais pequenos aspectos.
E é isso. Engraçado como num século cheio de obras-primas e trabalhos de valores incalculáveis como foi o XX, esperaram pra deixar pro final uma das mais espantosas obras da história. Sei que pode parecer exagero, mas Beleza Americana une-se aos clássicos dos anos dourados de Hollywood, do cinema europeu e asiático, como uma obra-prima única, de inteligência e originalidade fora de séries. Mas ainda não é tudo o que se pode dizer do longa, para entender e captar melhor toda as mensagens genais que Ball e Mendes querem passar ao espectador, é necessário máximo atenção. Portanto, olhe mais de perto, você não verá um filme como outro qualquer que retrata os subúrbios americanos e relações familiares, você verá algo incomum de se encontrar no cinema recente, algo verdadeiramente indescritível.