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Críticas

Honeydripper - Do Blues ao Rock

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[Introdução da guitarra elétrica na música negra norte-americana é o tema central do filme que empolga quando é memorialista, mas pisa em falso quando é panfletário]

"- Quantos anos têm essa guitarra?

- Essa é a segunda que criaram. O diabo ficou com a primeira…"

Os Estados Unidos dos anos 50 foi marcado para os negros americanos como um período de reivindicação dos direitos civis. Na época, estados como Geórgia, Luisiana e Alabama “largaram na frente”, muito embora a segregação racial assolasse a região por vias expressas que estancavam a pretensa liberdade. É esse pano de fundo que dá cores a Honeydripper - Do Blues ao Rock, escrito, dirigido e editado por John Sayles em 2007, mas que só pintou nos cinemas brasileiros esse ano. O filme ilustra como a comunidade negra do sul dos EUA driblou as adversidades e se tornou o epicentro dos principais gêneros da música popular do país.

A história se passa no Alabama, ironicamente, na cidade de Harmonia, onde oficialmente todos os cidadãos são livres para ir e vir, mas no fim das contas, a maioria acaba escravizada nas plantações de algodão. A mão de obra das fazendas é garantida pelo xerife do povoado (Stacy Keach), que preenche o trabalho nas lavouras com pessoas acusadas de “vadiagem” que para não irem pra cadeia, se obrigam a pagar a fiança com o trabalho nas lavouras. Um dos poucos negros empreendedores da região é Tyrone Purvis (Danny Glover) que administra o bar Honeydripper. O problema é que seu estabelecimento está ultrapassado. Com a chegada dos jukeboxes ninguém mais quer saber de música ao vivo.

Ameaçado por gangsteres e a beira da falência, sua última tentativa de salvar o negócio é promover um show com um guitarrista de Nova Orleans, famoso no rádio. O espetáculo irá contrariar a lógica de Tyrone que se opõe ao uso da guitarra. Para ele, o instrumento acaba contaminando as raízes do blues. Suas convicções começam a ser revistas com a chegada do jovem Sonny (Gary Clark Jr.) à cidade, que tentará a sorte com seu “instrumento do mal”.

Com uma trilha musical envenenada de slides de guitarra, Honeydripper funciona legal quando se concentra na abordagem musical. Diferente do que sugere o título nacional, o filme não se concentra na transição do blues para o rock, mas apenas insinua um tímido flerte de um gênero para o outro.

Quando adentra no discurso racial, o longa perde pontos por insistir em subtramas rasas demais e discursos previsíveis o suficiente para não produzirem efeito algum no espectador. Vemos então os mais variados estereótipos sulistas, os religiosos devotos, os fazendeiros racistas, os fornecedores desconfiados, o malandro forasteiro e por aí vai. Nada que Alan Parker já não tenha dissecado com uma trama muito mais vitaminada em Mississipi em Chamas. Nesse mosaico de personagens mal acabados, pinta até uma pontinha do diretor. Sua aparição nas câmeras é discreta, agora o trabalho de fotografia e a reconstituição de época do seu filme estão numa sintonia tão afinada quanto um bom blues. Amantes da boa música não terão do que reclamar…

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Dorminhoco, O

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[Um Woody Allen que pouca gente conhece… ]

"-Você não acredita na ciência, não acredita que sistemas políticos funcionem e também não acredita em Deus. Então, no que acredita afinal?

-No sexo e na morte. Duas coisas que acontecem apenas uma vez na minha vida. Mas pelo menos depois da morte, você não fica enjoado."

No início da década de 90, a revista Variety publicou uma matéria sobre os prejuízos financeiros que os filmes de Woody Allen deram aos estúdios, ao longo dos anos. Esse histórico desabonador, no entanto, jamais deve ter lhe tirado o sono. Muito menos enfraquecido as suas piadas. Assim como os conterrâneos Martin Scorsese e Spike Lee, grande público não é um termo associado ao cineasta nova-iorquino.

Sua marca registrada é o riso. Mesmo que seja um sorriso amarelo, com o canto da boca. Por vezes, a matiz de desdém e a dubiedade cruel das piadas de Allen soam ultrajantes ao público. Principalmente nos filmes pós Annie Hall, onde o diretor aperfeiçoou ao máximo seu estereótipo de judeu intelectual esnobe que sacaneia judeus e intelectuais esnobes.

Mas na primeira fase da carreira Woody Allen tinha um modus operandi diferente. Seus filmes eram estupidamente hilários e despretensiosos, do ponto de vista técnico. Com um humor mais visual e menos verborrágico, as piadas saíam numa velocidade vertiginosa, como num bom episódio dos Simpsons.

Dessa primeira leva surgiu Dorminhoco. Lançado em 1973, logo após o surreal Tudo que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar, o filme equilibra gags visuais com tiradas verbais e a sátira ácida sempre peculiar do cineasta.

O filme conta a história de Miles Monroe (Allen) um clarinetista que desperta 200 anos depois de ser submetido a um processo “criogênico”, motivado por uma úlcera que evoluiu para uma cirurgia malsucedida. Ao acordar, se depara com uma sociedade opressora e controlada pelo estado. Bem diferente daquela onde ele tocava jazz e era sócio do restaurante de comida integral Cenoura Feliz. Os habitantes que não se alinham aos ideais do partido, passam por um processo de diminuição do cérebro. Enfim, um lugar pior até do que a Califórmia…

Contrário a esse sistema autoritário, os cientistas que reativam Miles são opositores ferrenhos do regime e integram um movimento de resistência. O plano deles é envia-lo a uma missão secreta que consiste em raptar o ditador, ou melhor, o que sobrou dele (juro que chorei de rir nessa parte, mas não posso contar). Nesse meio tempo ele se passa por robô, escapa da polícia secreta e se apaixona por Luna (Diane Keaton), uma “poeta” tão inspirada quanto letra de música sertaneja.

Entre a ficção científica e a comédia pastelão, Dorminhoco foi o primeiro filme que Allen escreveu com o colaborador Marshall Brickmann. Foi também o sucesso comercial que lhe deu crédito com a United Artists para dirigir Annie Hall anos mais tarde. Coisa rara na carreira dele.

Embora o longa tenha suas habituais paródias com personalidades da política e da literatura, Woody Allen reveste seu filme com uma desleixada estética sci-fi e encontra espaço pra brincar de Charles Chaplin. A cena onde ele é enviado acidentalmente para uma fábrica de robôs remete claramente a Tempos Modernos. O diretor brinca ainda com o filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço com uma paródia do robô Hal 9000, que nessa versão trabalha com clonagem . Mas o forte mesmo do seu filme é o humor. Cenas como a da droga do futuro, o rapto do “ditador” e a crise de ciúmes que Miles tem do marombado marxista que disputa com ele o coração de Luna são hilárias e somam-se a outras que deambulam entre a tosquice e o surreal.

Em Dorminhoco, Woody Allen também apela para suas costumeiras tiradas sexuais. Na sua visão do futuro o sexo é customizado através de uma máquina de orgasmo. Ao se fazer uma retrospectiva, é engraçado constatar que mesmo nos trabalhos mais recentes o diretor continua falando as mesmas coisas, sem deixar de ser original. Nada mal para um cara que alega ter o cérebro como seu segundo órgão favorito…

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Alexandra

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[Filme de Aleksandr Sokurov ilustra a vida de soldados russos na Chechênia]

Caro leitor,

O aviso aqui é sério. Sempre desconfie da objetividade dos diretores cujo nome tem o triplo de consoantes que vogais. E se você nunca assistiu um filme do diretor Aleksandr Sokurov mantenha os olhos abertos e a paciência à disposição. O cineasta em questão é daqueles caras meio autorais adeptos da filosofia inversa. Que fazem o seu próprio jogo dentro do seu próprio ritmo. Tem suas próprias concessões e sutilezas. Um fresco, enfim. Seu trabalho mais requisitado chama-se Arca Russa e possui o mais longo plano-sequência do cinema, nada menos que 90 minutos. Portanto, caso resolva assistir a Alexandra, seja forte e segure bem as pestanas. Tudo pode acontecer. Você pode se aborrecer, pegar no sono, ter uma enxaqueca daquelas ou queimar os cabelos, não necessariamente nessa ordem. Pode inclusive morrer. Não de morte morrida. Mas de tédio mesmo…

Veja bem, não quero desencorajar ninguém a ver o filme. Pelo contrário. Minha ideia é convencê-lo a encarar a empreitada. Mas com sobriedade. Afinal esse é o último trabalho do cineasta antes dele vender a alma ao diabo. Mas isso eu explico depois. O que é importante agora é apresentar um argumento convincente que faça a sessão do filme valer a pena. E a primeira coisa que se deve fazer pra assistir a Alexandra é obedecer a seguinte cartilha:

1 – Leia a sinopse do filme. Apesar de ter apenas 90 minutos de duração, a impressão é que ele tem umas três ou quatro horas. Isso, no entanto, não é um empecilho quando se compreende o propósito do filme. Para auxiliá-lo nessa árdua missão, segue abaixo uma síntese bem didática da história de Alexandra.

Sinopse: Alexandra Nikolaevna (Galina Vishnevskaya) faz uma visita ao neto na sua unidade militar, na Chechênia. Ao chegar ao acampamento, se depara com um ambiente inóspito, com acomodações precárias e calor abundante. A atmosfera do local dificulta a vida dos jovens soldados russos. Todos são muito solitários, cabisbaixos e compenetrados com os afazeres do exército. Seu neto não é exceção. No pelotão, poucos expressam seus sentimentos. Com sua sinceridade e espírito independente, Alexandra tenta modificar a rotina no front, onde se vêem poucos sorrisos e se escutam poucas palavras. Curiosa, ela questiona os soldados, desobedece aos oficiais superiores e vai até o povoado, onde conhece as mulheres chechenas.

2 – Escolha o dia certo. Agora que você já sabe da missão da doce velhinha na base militar, procure agendar a sessão. Escolha um dia que você não esteja com sono. De preferência tome uns dois copos de café pra ficar bem ligadão. Melhor se tomar três.

Volto a reforçar que a letargia não é um defeito do filme, mas apenas uma característica da sua narrativa. Afinal, o filme representa o ponto de vista de uma senhora idosa, que se locomove lentamente pela base militar, vislumbrando armas pesadas e tanques de guerra ameaçadores nas mãos de “crianças” que mal possuem pêlos. Portanto nada mais justo que o ritmo do filme se desenvolva dessa forma.

3 – Entenda o contraponto. Certo, o filme é curto, mas parece ter o dobro de tempo que O Resgate do Soldado Ryan. Embora haja fardas, armamento pesado e soldados, não ouvimos sequer um tiro. A história se passe numa região conflituosa, só que o ódio não é visto pelo expectador através das armas. O ódio está nos gestos e nos olhos dos personagens em tomadas que beiram o documental. O medo do povoado está no silêncio e na resignação. Só a ocupação militar na região já basta para tornar o ambiente violento e desolador.

Ok. Tudo não passa de brincadeira. Seria muita pretensão da minha parte estabelecer regras pra se assistir um filme. Não é o caso. Nunca será. Aconcete que o estilo Sokurov está ali presente a cada quadro de Alexandra e não é lá muito palatável ao espectador. O excesso de silêncio, a ausência de ação, os planos longos e a fotografia acinzentada são recursos que dão forma ao filme, mas que geralmente afugentam o público.

Os diálogos e as situações são tão simplórias que nos repelem a enxergar detalhes importantes, como a frieza que traduz o sofrimento dos soldados e a hostilidade que mascara a desesperança dos jovens chechenos. Nesse cenário desolador, só há concessões na resignação de mulheres como Alexandra e sua amiga Malika, capazes de selar as diferenças e propagar laços de amizade num único abraço. Se o diretor não mostrasse esses semblantes com tanto distanciamento e num ritmo tão arrastado - e de maneira tão pálida-, o filme seria mais simpático. O que também seria um contrasenso para um filme (não com, mas) sobre guerra…

O lance é aguardar o novo projeto de Sokurov, nada mais, nada menos que a adaptação de Fausto para o cinema, obra do escritor alemão Johann von Goethe na qual o protagonista vende a alma ao diabo. Vamos ver dessa vez o cara deixa de lado a frieza de São Petersburgo e faz um filme com teor mais incandescente…

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Killshot - Tiro Certo

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[Diretor de Shakespeare Apaixonado dirige suspense estrelado por Mickey Rourke]

Se Nostradamus estivesse aqui no século 21, sob o efeito de ópio e aporrinhando os outros com suas historinhas sugadas dos pergaminhos finais do Novo Testamento, ele diria o seguinte: “daqui uns seis anos, mais ou menos, Killshot – Tiro Certo será atração de sábado no Supercine.” O engraçado é que esses filmes que passam depois do Zorra Total são geralmente específicos para TV, feitos por um imbecil qualquer sem cacife pra se meter nas grandes produções e sem coragem pra entrar na pornografia. Mas nesse caso, o diretor em questão é John Madden que até que é um cara respeitável. Tudo bem que Shakespeare Apaixonado é um dos filmes mais toscos a ganhar o Oscar, mas está longe de ser descartável. O mesmo dá pra dizer de A Prova, um dos pontos altos da carreira do cineasta.

Killshot até tenta ser um thriller empolgante. Baseado na obra homônima de Elmore Leonard, o filme procura ostentar alguma personalidade, só que peca pelos seus excessos. Excesso de preguiça de certos personagens. Excesso de mostrar serviço de outros. Excesso até de subtramas que se prolongam demais e atrapalham outras mais importantes. Mas exageros não excluem qualidades e ao se verificar pesos e medidas, vemos que o diretor entregou o filme que rende pela metade. Não é nem fracasso, tampouco obra-prima.

Mickey Rourke que voltou à carne seca após a atuação de O Lutador, interpreta aqui um matador de aluguel, descendente de índios, conhecido como Blackbird. Magoado pela perda do irmão mais novo (também assassino) e perseguido pela máfia, ele está em fim de carreira. Isso até conhecer o destemperado Richie Nix (Joseph Gordon-Levitt), um golpista de meia-tigela, porém disposto a subir de ramo no mundo do crime. Embora se desentendam no começo, o temperamento do garoto lembra muito o do irmão. Por esse motivo, acaba ajudando-o a extorquir uma imobiliária.

Acontece que o plano dá errado e quem paga o pato é o casal Carmen (Diane Lane) e Wayne Colson (Thomas Jane) que presenciam o crime e passam a ser perseguidos pelos criminosos. Como se não bastasse enfrentarem uma crise conjugal, eles terão que entrar no programa de proteção a testemunhas e sair da cidade. O problema é que Blackbird é esperto e monta as peças para achá-los. Até porque ele não costuma perdoar qualquer um que possa reconhecer o seu rosto. O que ele não contava é que seu papel de mentor deixaria o parceiro fora de controle.

Como Killshot coloca o suspense e o drama conjugal na mesma medida, a impressão que dá é que uma das partes da trama foi estendida desnecessariamente. Por incrível que pareça, o processo de reaproximação do casal chama mais a atenção que a caçada promovida pelos criminosos. O que convenhamos, é péssimo para uma produção que se projetou para ser um thriller. A tentativa do diretor de encorpar o filme com essa carga dramática pode até ter sido nobre, mas também foi falha à medida que se sobrepôs ao suspense.

Outro problema foi a irregularidade do elenco. Rourke, pelo visto, resolveu mascar chiclete e seguir o script sem grandes compromissos. Tudo bem que a impassividade do assassino de aluguel é proposital, mas ele não faz o mínimo esforço para notabilizar seu personagem. Diferente do que acontece com Joseph Gordon-Levitt (10 Coisas que Odeio em Você) que quis executar a performance da sua vida e extrapolou na afetação. Diane Lane nem precisou se empenhar muito pra ofuscar o fraco Thomas Jane.

Encerrar uma resenha de forma imparcial e com originalidade é sempre difícil. Na falta de argumentos pra finalizar, sempre se busca uma frase engraçadinha, um argumento crítico sustentável ou uma analogia idiota. Poderia voltar a falar do Nostradamus e tentar soar espertinho, mas aí entraria muito a fundo na ficção. Poderia também deambular sobre as matizes da narrativa cinematográfica, o que também não adiantaria muito. Então, só me resta recorrer ao óbvio: Killshot – Tiro certo não é um tiro que saiu pela culatra e muito menos uma bala certeira no alvo. Ele é, no máximo, um tiro de raspão na guampa de um alce. Ok, no próximo texto a analogia não será tão cretina assim e filmes melhores virão…

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Entre os Muros da Escola

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Nos primeiros meses do ano escolhido para uma extensa programação de eventos que prometem aproximar a cultura francesa do público brasileiro, uma grandiosa obra cinematográfica original daquele país passou quase despercebida por nossas salas. Os 90 mil ingressos vendidos para sessões de Entre os muros da escola (Entre les murs), e a visita do diretor Laurent Cantet a São Paulo, não foram suficientes para difundir as diversas e importantes discussões que o filme laureado em Cannes propõe com excelência.

O cenário aqui não ultrapassa em momento algum (como bem diz o título) os ambientes internos de uma escola pública da periferia de Paris. Um olhar inicial é até capaz de nos causar certo estranhamento, especialmente no que toca a estrutura física da instituição (que se equipara à de qualquer particular brasileira), o aparente nível de formação dos professores (claramente superior) e mesmo o número expressivo de homens entre os docentes (bem maior do que costumamos ver).

Esse impacto mínimo desaparece logo que o filme revela sua missão: acompanhar um período letivo da escola em questão, mais atentamente as aulas de francês em uma turma do 8º ano – que, se considerarmos a idade média de 14 anos, pode bem equivaler à 8ª série de nosso sistema educacional. Quem mantém algum contato com classes de nível médio, facilmente reconhece a qualidade dessa reprodução – tão bem feita que por vezes acreditamos estar diante de um vídeo documental de cunho antropológico descritivo.

Uma câmera de mão fria nos apresenta a um conjunto de realidades indiciadas, reunidas em uma mesma sala de aula. O mosaico cultural no qual se transformou o território francês se transfere para a turma; jovens nativos dividem o espaço com africanos e orientais, mistura essa responsável por circunstâncias conturbadas. Entretanto, é a postura dos estudantes diante do mestre que causa os momentos de maior tensão. A descrença no ensino e o desinteresse em relação ao conteúdo somam-se à inexistente noção de respeito e uma inexplicável necessidade de imposição, e consomem aos poucos o espírito e a paciência do professor – e, inevitavelmente, do espectador.

Mas ao contrário do que possa parecer, tal retrato não reduz os docentes à condição de vítimas. Entre as situações de aula, passamos também por reuniões, conselhos de classe e conversas informais durante os intervalos. E aí percebemos um grupo de profissionais bem intencionados, mas notadamente confusos diante do conjunto de regras que rege a instituição, incapaz de dar conta da complexidade dos episódios enfrentados diariamente. Atente para a cena em que a equipe discute um novo sistema de punições para o comportamento dos alunos. Com dificuldades de chegar a uma conclusão, abandonam o debate, passam a falar sobre o alta no preço do cafezinho e o problema inicial permanece.

O caos é gradativo na medida em que avançam os meses, e só termina quando o ano chega ao fim. E se é impossível não perguntar onde fica o aprendizado em meio a tudo isso, a resposta surge na seqüência final. Tão frias quanto todas as anteriores, as tomadas nos mostram o vazio da sala de aula abandonada. O vazio de um sistema inadequado, de um ciclo triste e aparentemente sem fim. E é por isso que, mais do que um fabuloso entretenimento, Entre os muros da escola é um título absolutamente imprescindível, e a prova do poder de registro da narrativa de ficção.

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Ponto de Vista

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"Ponto de Vista" é daquele tipo de filme que tinha tudo para ser lembrado pelos amantes do cinema. Um elenco recheado de estrelas, uma forma interessante e um roteiro até certo ponto inteligente. No entanto, uma série de erros fazem com que o longa seja apenas bom e se torne esquecível na mente dos cinéfilos. A história gira basicamente em torno de uma conferência mundial antiterrorismo na cidade de Salamanca, Espanha. Lá, dois agentes secretos americanos têm o dever de proteger o presidente dos Estados Unidos de um possível ataque. Obviamente, o que já era temido acontece: o presidente Ashton é baleado, e, após isso, se inicia uma busca incessante atrás dos terroristas que atingiram o americano.

O primeiro grande erro do diretor Pete Travis e do roteirista Barry Levy é na ideologia de seu filme. Por que? É simples; como na maioria dos longas hollywoodianos, Travis pinta o presidente americano como bonzinho e pacificador, como se ele quisesse a paz e fosse completamente contrário às políticas agressivas do seu próprio país. No mesmo barco, ganha um doce quem advinhar de onde vêm os terroristas. Sim, de um país de terceiro mundo; nada de franceses, italianos ou irlandeses – eles vêm do Marrocos. Embora o roteiro seja absurdo pela extrema quantidade de esteriótipos e por partir de um pressuposto determinista, quem conseguir ignorar esses ‘pequenos’ deslizes será recompensado, eu garanto!

Como vocês, leitores, já puderam perceber, falei bem e mal do roteiro; como assim? Pois é, sem dúvidas há muitos pontos falhos na história em si, no entanto, ao optar por contar os 20 minutos anteriores e posteriores ao atentado terrorista sob pontos de vista distintos, Barry Levy acertou em cheio, pois conseguiu criar uma trama original (apesar de ser diretamente inspirada em obras clássicas como o japonês "Rashomon"). A ‘falsa’ originalidade faz com que o espectador fique apreensivo durante a uma hora e meia de filme; para ser sincero, é raro ver um longa deste gênero que prenda tanto o público; "Ponto de Vista" acerta e muito nesse quesito. A cada nova história que é contada o espectador fica com a pulga atrás da orelha acerca de quem é o terrorista, aliás, palmas merecidas para a montagem do filme, que é simplesmente sensacional (deve ter dado um baita trabalho!). Isso torna a trama interessante, pois o diretor cria uma espécie de jogo de advinha com o público, que se deixa entrar na brincadeira e até arrisca os seus palpites. Da última história em diante, já na parte final, "Ponto de Vista" flui de maneira natural; toda a cena trabalhosamente construída em torno do atentado ao presidente vai deslanchando, deslanchando, deslanchando; sorte de quem está assistindo, que é brindado com uma das sequências mais emocionantes que eu vi nos últimos anos.

Grande parte do sucesso do longa se deve ao bom elenco escalado por Pete Travis. Salta aos olhos o nome de Matthew Fox, o Jack, da premiada série "Lost". Aqui, ele repete alguns dos trejeitos de seu personagem ’salvador do universo’ da série. Mesmo assim, é muito legal vê-lo atuando com competência também nas telonas. Além dele, figuram algumas estrelas já consagradas do cinema norte-americano, como Forest Whitaker, oscar de melhor ator por "O Último Rei da Escócia" e que no final proporciona uma das cenas mais bonitas do filme, e Dennis Quaid, conhecido pela regularidade em seus trabalhos.

"Ponto de Vista" passa longe de ser brilhante, tampouco é um trabalho memorável. Ainda assim, recomendo para quem gosta do gênero, especialmente para aqueles que buscam no cinema um filme que seja pura adrenalina do início ao fim. Para os que torcem o nariz só de pensar em tiros e batidas de carro, só digo que vale a pena ao menos dar uma olhada no resultado final da obra de Pete Travis, que aliás, é estreante em hollywood. Para ser sincero, gostei do que vi, e, ainda mais por ser um primeiro trabalho, é bom ficar de olho nesse diretor. Quem sabe ele consiga aprender com os erros e nos brinde mais para frente com uma trama ainda melhor. Nos resta esperar.

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Violência Gratuita

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O diretor Michael Haneke, autor do primeiro filme homônomo de 1997, recriou esta versão para o mercado americano, que ficou inteiramente idêntica ao original. Cabendo, logicamente, os adicionais elementos da cultura vigente. Então, vou me abster de comentar o filme anterior, porque são iguais. Portanto, não se pode aqui, utilizar o termo "remake" para definir a obra. É cópia mesmo, antropofágica até.

Haneke é filósofo, jornalista, cineasta, psicologo e blá-blá-blá. Transpor a recepção do espectador inocente da tela para a poltrona diante de uma violência banal e gratuita, parece um experimento doloroso e sem cabimento. E Haneke falha miseravelmente neste intento, devido a falta de nexo e contexto dentro de uma realidade que não faria feio as de Pernalonga e Pica-pau. Explico: nestes desenhos, encontramos personagens que desenham portas em paredes que se abrem e dão acesso ao outro lado. É uma metáfora visual cabível ali, naquela situação. Mas Haneke simplesmente quebra a linearidade, sem inovar, apelando ao ridículo de forçar as situações que quer obter. Como mortes impossíveis e situações irreais.

Incrível que a crítica fique estupefata com filmes como este. A quebra da linearidade não é novidade nenhuma. Usar o argumento de que o filme brinca com o público é chamá-lo de imbecil. O filme fragmenta a lógica, tornando-se não peculiar, mas irracional...A violência não é canalizada em nenhum sentido e nunca sabemos os motivos que levam os psicopatas a matar, ou ainda a ausência deles. Encontramos um casal e seu filho atacados por psicopatas, que surgem do nada e de repente...Usam um controle remoto para voltar no passado e modificar o final, com o propósito de obter vantagem! A cumplicidade com o espectador, quando um dos psicopatas olha para a câmara, é pedante. Se Amnésia e Clube da Luta, conseguem fazer um bom jogo de eventos desordenadas, êxito obtido também por Donnie Darko, Funny Games desqualifica o recurso, transformando-o num fatídico cliché.

O que percebemos é a péssima qualidade da película. Somos levados a crer o tempo todo que a região circunvizinha do local de ataque é totalmente dominada por dois sujeitos "maricas" e desarmados, aspirantes magricelas a Jefrey Dahmer.

Personagens desfibrados, como um covarde Tim Roth encarnando um pai de filha decrépito, são enojantes. Em determinados momentos, somos levados a crer que sua esposa e o menino são mais "machos" que ele, e realmente são. O único propósito de sua existência ali é morrer, mesmo.

O roteiro é absolutamente incoerente, principalmente quando ao fim, os maníacos seguem para outra casa, a fim de matar mais uma família (nem o psicopata Dahmer conseguia matar em sequência, sem intervalos). A inconstância no planejamento da ação dos assassinos (matando sem regras impostas por um universo exterior, sem polícia, sem testemunhas e sem planejamento), transforma o filme na versão intelectualóide de um Sexta-feira Treze, ou Quadrilha de Sádicos, de Wes Craven. Por sinal, este filme parece uma cópia descarada de Aniversário Macabro, do mesmo diretor.

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Infiltrados, Os

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Com "Os Infiltrados", o aclamado diretor Martin Scorsese ganhou seu primeiro oscar da carreira. Naquele ano, 2007, bateu concorrentes de peso, como o supervalorizado (pelo menos para mim) "Babel", "Pequena Miss Sunshine" e "Cartas de Iwo Jima". Já era esperado que Scorsese partisse dessa para uma melhor sem nunca levar uma estatueta para casa. O diretor havia batido na trave em outras cinco oportunidades, entre elas, com clássicos como "Touro Indomável" (1980) e "Os Bons Companheiros" (1990). O trabalho magnífico feito em "Os Infiltrados", no entanto, veio para coroar muito mais do que um ótimo filme de máfia, a academia finalmente premiou um dos melhores cineastas de todos os tempos – sem exageros.

Falando em máfia, é notória a influência dos grandes clássicos do gênero no recente longa de Scorsese, especialmente do seu filme anterior, o já citado "Os Bons Companheiros". Aliás, muito se duvidava da capacidade do diretor de produzir uma trama competente e completamente diferente de sua obra-prima, mas ele conseguiu. Só a título de curiosidade, muitos sites e livros consideram que "Os Infiltrados" é uma refilmagem do longa chinês "Conflitos Internos", de 2002. No entanto, a grande verdade é que Scorsese apenas se inspirou no thriller asiático para compor sua obra. Segundo o próprio diretor, ele leu o roteiro e achou bastante interessante, mas evitou assistir à trama antes de criar o seu próprio produto. O resultado, como podemos comprovar, é completamente diferente, o que prova que ele utilizou-se somente de uma ótima ideia pra criar o seu enredo.

Ambientado na cidade de Boston, maior cidade do estado norte-americano de Massachusetts, o filme conta a história de dois policiais. O primeiro é Billy Costigan (Leonardo DiCaprio), de temperamento violento e explosivo. Com antepassados que participaram efetivamente do submundo criminal, ele é a arma perfeita para se infiltrar no crime organizado e tentar prender o grande chefe da máfia, Frank Costello (Jack Nicholson). Do outro lado, Colin Sullivan (Matt Damon), tem ficha limpa e passagem exemplar pela academia policial. Contudo, quase ninguém sabe que ele é o informante de Costello no Departamento Estadual da Polícia de Massachusetts.

Para fugir do esteriótipo do mafioso italiano que vem para a América (na maioria das vezes Nova York) e vira o grande chefe do crime organizado, Scorsese preferiu retratar um movimento crescente em Boston no início dos anos 1970 – a máfia irlandesa. Para isso, contou com a ajuda de Thomas B. Duffy, veterano que fez parte da polícia de Massachussets durante mais de 30 anos. Segundo ele, os roteiristas acertaram ao eleger como trama principal os eternos conflitos entre os mafiosos irlandeses e a polícia local. Falando em roteiro, "Os Infiltrados" veem no argumento o seu grande trunfo. Cheio de reviravoltas convincentes e diálogos bem elaborados, o filme consegue instigar e entreter o espectador durante as mais de duas horas. Além disso, as subtramas que envolvem o longa conseguem superar as expectativas, e em nenhum momento se tornam desinteressantes ou enfadonhas.

O elenco, recheado de super-estrelas de Hollywood, faz bonito. Acho inacreditável como Leonardo DiCaprio nunca ganhou um oscar na academia, pois aqui, ele nos brinda com o melhor papel de sua carreira e um dos melhores desempenhos da última década. Infelizmente, parece que ele ficará para sempre marcado como o insosso Jack de "Titanic", uma pena. Falar de Jack Nicholson é chover no molhado, já que o veterano das telonas é um ícone para o cinema mundial e surpreende a cada novo filme em que participa – um legítimo show em cena. Um que foi pouco falado, mas que para mim quase rouba a cena do longa, é Mark Wahlberg, que na pele de Dignam, entrega um personagem irônico e extremamente divertido – é aquele que consegue quebrar o ímpeto extremamente sério da história com doses sarcásticas de humor.

"Os Infiltrados" pode ser tranquilamente considerado uma obra-prima do cinema contemporâneo, pois, com extrema qualidade, consegue mesclar um tema denunciativo e inteligente (o jogo de gato e rato entre polícia e máfia) - tudo isso da forma mais original possível. Martin Scorsese, por sua vez, eleva às alturas um gênero que andava perdido em meio a clichês e falta de qualidade nos últimos anos – o gênero gângster. Para os amantes do cinema e principalmente dos clássicos da máfia, "Os Infiltrados" é obra obrigatória, e já adianto que o final, apesar de controverso, é de deixar o queixo cair. Eu pelo menos achei SEN-SA-CIO-NAL!

PS: Só para deixar registrado, a trilha sonora complementa o filme da melhor maneira possível. Méritos para Martin Scorsese, que é grande fanático por rock and roll. Destaque para I’m Shipping Up To Boston, dos américo-irlandeses do Dropkick Murphys e para Gimme Shelter, dos Rolling Stones. Falando nos Stones, no ano passado (2008), Scorsese dirigiu o show/documentário "The Rolling Stones – Shine a Light", que comemorou os 45 anos da lendária banda do vocalista Mick Jagger – aos amantes da boa música, fica aí a dica.

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Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças

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Mais uma loucura de dois profissionais malucos do cinema. Goldry e Kauffman se juntam pela segunda vez, e o resultado acaba saindo melhor que a encomenda. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças consegue divertir, confundir e até mesmo pirar o espectador, em ambos os sentidos.

Depois de Adaptação, há quem duvidasse da capacidade de Charlie Kauffman de surpreender o público mais uma vez com mais um de seus roteiros estranhos, mirabolantes e malucos. Eis então que surge “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, cuja história consegue ser mais original e absurda que todos os trabalhos anteriores do roteirista. Um filme especial, cativante assim como os seus personagens, reflexivo, onde tudo parece mais um pesadelo inacabável do que um longa-metragem de 108 minutos, ainda que isso não seja um ponto negativo. Enfim, já deu pra perceber que quando mencionei que o filme consegue pirar o espectador, não estava exagerando.

A sinopse parece ser muito simples. Mas pode apostar quanto quiser comigo que não é. Poderia ser só a história de um homem solitário, infeliz na sua vida amorosa, no seu trabalho, que conhece finalmente a que poderia ser a mulher de seus sonhos, com todos os atrativos que ele necessita para seguir com sua vida adiante. Até aí tudo perfeitamente normal. Mas é neste exato momento que nos lembramos da essência formal de Kauffman em meter sempre algo inesperado, absurdo e por que não dizer, original. E foi o que aconteceu. De uma hora para a outra, ele descobre que sua namorada, Clementine Kruczynski, decidiu apaga-lo de sua memória. Infeliz mais uma vez, ele decide fazer o mesmo, utilizando o mesmo processo que fora submetido à sua amada. Entretanto, quando está dentro de seu cérebro, revivendo todos os momentos que passara com ela no interior de suas memórias, ele luta contra si mesmo para que essas lembranças nunca sejam deletadas definitivamente.

ROTEIRO

"Clementine Kruczynski has had Joel Barish erased from her memory. Please never mention their relationship to her again. Thank you.”

‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’ é um filme simplesmente inacreditável. A cada minuto que passa você se surpreende mais com os “trâmites” de Kauffman e sob uma óptica fantástica de surrealismo por parte de Michel Goldry na direção, a sensação de ver sua obra-prima é indescritível. Sensível, reflexivo, original, todos esses adjetivos são perceptíveis ao longo de todo o filme e nunca são exagerados ou utilizados de forma incorreta, muito pelo contrário. É tudo muito bem elaborado, montado e felizmente não é um filme de longa duração, mas não porque acabaria ficando arrastado, com cenas desnecessárias, mas sim porque o roteiro está tão perfeito do que jeito que foi finalizado, que um pouco mais estraga.

Neste ponto talvez encontramos um dos maiores trunfos do enredo de Kauffman. As cenas onde o absurdo, o irreal e o impossível dançam juntos têm a duração correta. Afinal de contas, quem, por mais fã de filmes do gênero que seja, agüentaria vários e derradeiros minutos vendo coisas confusas que só fazem te desgastar ainda mais? Goldry, roteirista assim como Kauffman, têm consciência disso e evitaram ao máximo estender tais cenas até encher definitivamente o saco.

Deixando de lado o roteiro vencedor do Oscar, é hora de falar e elogiar um pouco o elenco de “Eternal Sunshine”. Só que para isso, é necessária uma divisão, a fim de ter uma análise mais completa das personagens em questão, que não são muitas, mas de profundidade impressionante. Entretanto, antes de fazê-lo, vale ressaltar que poucas vezes se vê um elenco tão bom reunido em um mesmo filme. Não só o sensível Jim Carrey surpreende, mas Kate Winslet interpreta de forma brilhante mais uma vez e Tom Wilkinson, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Woods, todos participam e marcam presença constante, em atuações magníficas. Uma melhor que a outra, por sinal.

Bom, a divisão começa com Joel Barish, interpretado por Carrey.

ATUAÇÕES

Jim Carrey como Joel Barish, desiquilibrado apaixonado.

Acho que não existe um único ser humano, em plena consciência de sua desastrosa vida amorosa, que não tenha sentido a sensação de solidão, tristeza e baixo-astral quando está às vésperas do Dia dos Namorados, aqui comemorado em Junho, nos Estados Unidos em Fevereiro. Joel Barish é um desses que após terminar um relacionamento, sente-se como se ele mesmo fosse a única pessoa que se importasse consigo mesmo. Barish é um personagem simples e esperançoso e Jim Carrey realmente captou a “aura” de seu papel de uma maneira tão simples quanto. Sua atuação é cheia de vida, criativa e pode parecer estranho, mas as suas caretas (como evita-las?) também estão presentes, com um diferencial. Elas não são expressas pra fazer as pessoas rirem, muito pelo contrário. Das poucas vezes que vemos ele contorcer o rosto, ou é por um motivo extremamente triste, ou por uma situação tão absurda, que de engraçada não tem nada. Carrey recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia/Musical e este papel é considerado por ele mesmo, um dos mais difíceis de ser interpretado dentro os vários de toda a sua carreira bem sucedida, porém carente de prêmios.

Jim Carrey prova ser capaz de surpreender o espectador. Seu lado sensível deixou transparecer um outro lado de seu talento, que antes era todo voltado para comédias descaradas e descompromissadas, agora se mostra um ator mais sério e um tantinho mais completo, capaz de algumas nuances interessantes. Esse lado mais dramático de sua personalidade deveria ser mais explorado, quem sabe garantindo-lhe outra fama e muito possivelmente, um prêmio futuro, como o Oscar, que ele tanto almeja.

Kate Winslet como Clementine Kruczynski, única e exclusiva.

In a cavern, in a canyon

Excavating for a mine

Lived a miner forty-niner

And his daughter, Clementine

Oh, my darling, oh, my darling

Oh, my darling Clementine

You are lost and gone forever

Dreadful sorry, Clementine.

Uma das melhores atrizes em ação na atualidade, Kate Winslet cansou tanto de provar o seu talento que a Academia finalmente resolveu premia-la com o Oscar de Melhor Atriz esse ano por O Leitor. Embora o papel da ex-guarda nazista não tenha sido o melhor de sua carreira, ela certamente convence e garante ao público um verdadeiro show de atuação. Mas é pra isso que servem os bons atores, para serem comparados uns aos outros, agora falando com ironia, embora alguns sejam isentos de quaisquer comparações acerca de seu talento a fim de comprovar o do outro. Mas permitam-me fazer uma comparação entre trabalhos de um mesmo ator, no caso a atriz Kate Winslet. É impressionante observar a carreira de um artista em decolagem e depois de anos, parar e ver o quanto ele amadureceu e quantos trabalhos e papéis diferentes ele fez em toda a sua carreira. Existem aqueles que fazem somente um tipo de personagem, e fazem direito e existem aqueles que fazem todo o tipo de personagem, e também fazem bem feito. Podemos incluir Kate definitivamente nessa segunda categoria.

Acontece que é mais que perceptível o nível ao qual chegou Kate Winslet. Desde seu auge em 1997, com Titanic, ela só vem tendo bons papeis e um de seus melhores encontra-se em “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”. Ela interpreta de maneira tão significante, carismática e comovente a personagem Clementine Kruczynski. Mulher solteira que possui estilo próprio, gostos diferentes, um jeito esquisito, mas extremamente carismático. Ela que pinta seus cabelos na cor de Green Revolution ou Yellow Fever e muda constantemente, aparenta ter um jeito agressivo, mas no fundo pode ser um doce de pessoa.

DIREÇÃO

É apenas o segundo trabalho de Michel Goldry e esse pode ser considerado até agora, a obra-prima de sua vida. Não há muito que dizer dele, a não ser da sua parceria pra lá de bem sucedida com Charlie Kauffman, com quem também escreve o roteiro do filme. Goldry é competente o bastante pra não deixar que o surrealismo passe do ponto exato e tome conta de um filme cuja base é a sensibilidade e por que não, a oportunidade de poder, literalmente, apagar o passado de sua cabeça. Esse é o grande mérito de mais uma maluquice descabida vinda dos dois, uma base dramática sólida e bem argumentada, que não faz o filme se perder em atos desnecessários e arrastados.

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças é mais um excelente filme escrito por Kauffman, cujo roteiro é a principal atração. E quando se trata de uma parceria de Goldry e do roteirista Charlie, nunca se sabe o que esperar, pois sempre virá uma surpresa e uma história surreal e absurda (repare que as duas palavras são usadas repetidas vezes nesse comentário) por trás de muita criatividade e inteligência. Apesar de ser capazes de surpresas inimagináveis, podemos esperar deles pelo menos duas coisas: uma loucura (como de praxe) e um ótimo filme.

”Feliz é a inocente vestal!

Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida.

Brilho eterno de uma mente sem lembranças

Toda prece é ouvida, toda graça se alcança.”

Poema "Eloisa to Abelard” de Alexander Pope

Críticas

Através de um Espelho

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E é com esta obra-prima trágica, também melancólica, que damos início à famosa “Trilogia do Silêncio” de Ingmar Bergman, diretor e roteirista. Há que se conferir os próximos, que apesar de diminuírem a dinamicidade, são igualmente belíssimos e geniais: “Luz de Inverno (1962)” -> ácido questionamento sobre a existência de Deus; e “O Silêncio (1963)” -> ideologia, hoje utópica, de uma recente e peculiar geração. Nenhum dos três filmes tem dependência de enredo, podendo ser vistos separadamente.

Nunca será pleno ou explicitado o motivo da trilogia ser nomeada de tal forma, creio que “o silêncio” tenha raízes nos conflitos pessoais, sociais e existenciais; dos quais diariamente temos contato. Felizmente (ou não) temos um - covarde? - mecanismo de defesa ou instinto de sobrevivência social: a repressão dos conflitos, mantendo-os fora do campo de consciência, assim alimentando um subconsciente carregado e altamente perturbado. Deus não escapa da trilogia, é alvo de especulação e minuciosa investigação. É justamente o silêncio, o sossego e a passividade divina (perante a vida) que são duramente questionados, porém nunca de maneira agressiva ou doutrinária. Bergman não fomenta interrogações nem dá pontos finais, fornece mais interrogações e algumas reticências. A fotografia de Bergman é bárbara. Seu grande parceiro, Sven Nykvist nos proporciona um deleite visual atingido com recursos mínimos! Vencedor de dois Oscars, iniciou a carreira com 19 anos, em 1953 se juntou à Bergman.

Nada como o soar das lágrimas de um violoncelo para dar início ao longa. O alvo dos instrumentos de corda é chegar perto da voz humana, Bach alcança esse objetivo com o prólogo de Através de Um Espelho, que talvez manifeste as almas dos quatro personagens que agora conheceremos:

David - Pai que não sabe se relacionar com os filhos. Sua incomunicabilidade vem em forma de frieza e covardia. Usa a doença da filha como inspiração literária.

Karin - Filha depressiva, herdou a doença da mãe já morta. Tem bruscas mudanças de humor e acessos de loucura, esforçando-se para permanecer equilibrada.

Minus - Filho talentoso que escreve peças de teatro. Admira o pai distante e está sempre chamando a atenção dele, torna-se um garoto carente apesar de ocultar.

Martin - Esposo de Karin que a ama intensamente e se sente impotente pela ironia de ser médico, mas não poder curar uma alma. É calmo e compreensível.

--> Minha analogia quanto aos quatro personagens remete a um misto do teatro grego e do russo, com atuações e passagens fortes, trágicas e com esplendor (claro que muito inferior). Karin me lembra “Medéia” de Eurípedes, enquanto vemos o complexo de Édipo na busca (sexual-afetiva) de Karin no irmão pelo pai ausente.

Sobre a trama: Seca, Precisa e Áspera - muito bem definida por Demétrius Ceasar - Sem qualquer artifício melodramático ou estereotipado, absolutamente crua e honesta. Revelando sempre o mais íntimo, o que nossas entranhas habilmente ocultam; alfinetando as fraquezas das personagens. David tem um drama popular: não sabe amar os próprios filhos, é medíocre e egocêntrico. Maior que a dor causada por essa incapacidade de comunicação e toque, é a súbita consciência de suas atitudes, que o assustam a ponto de envergonhá-lo. Uma parte em que isso fica claro, é quando ele partilha presentes para os três entes queridos e não agüenta encará-los na mesa de jantar, corre para dentro de casa e chora.

O cenário se baseia numa simples casa de lago, onde o excesso de portas e janelas remete ao simbolismo da necessidade de trocar de estados constantemente, de fugir das angústias e incertezas, revelando a provável doença de Karin: transtorno bipolar.

Ainda no começo do filme, Minus reúne a irmã e o cunhado para representarem uma peça (dele)para o pai. Peça teatral que antecipa a história da família, satirizando a fuga do pai em relação aos filhos (inclusive o pai já havia literalmente abandonado os filhos, viajando para Suíça).

Completados 30 minutos de filme, assistimos ao primeiro “acesso” de Karin: O sol nascia e ao longe uma buzina de navio era audível, sorrateiramente ela descobre-se e, com cautela, sobe até a “sala sinistra”. Inclina-se numa das frestas e parece escutar ruídos de crianças, estranhas vozes e sussurros. O trabalho corporal da atriz (Harriet Andersson) em conjunto com a fotografia, é de babar! Karin se encontra num estado de transe, rito de passagem para enfermidade mental. Movimentos calculados, misturando sutileza com agressividade e sempre explorando a sexualidade, parece que tem um orgasmo ao descer no chão, depois se arrependendo. A consciência vem à tona e o estado se esvai. O medo se instaura em Karin quando lê o diário do pai e descobre que sua doença não tem cura. David registra a doença (no diário) de forma detalhista, fascinado pela progressão do que está degradando a própria filha.

Duvidamos do amor de Karin pelo marido, que evita o sexo. Parece não ter mais o tesão que antes tinha. Alega ao esposo: “Martin, não seria bom uma mulher estável, calorosa e que trouxesse seu café na cama?” Ele retruca: “É você que eu amo, não quero outra”. Karin fica desapontada ao mesmo tempo em que pensamos: ou ela não ama Martin, ou não quer que ele sofra.

O clímax se dá quando Martin e David saem para pescar durante a tarde, deixando Karin e Mínus sozinhos. Karin deixa de ser recatada e privada, mostra-se muito mais sensual e libertina do que antes. Sente-se livre para expressar seus sentimentos com o irmão, abraça e beija o mesmo. Fuma e demonstra calor perto dele, contando que tem controle sobre sua doença e que Martin e David nunca entenderiam isso. Vai induzindo o irmão à pensar como ela a ponto de chantageá-lo na escada, após ele ter presenciado um acesso de raiva na sala sinistra: Leva Minus até a sala e revela ter uma intensa ansiedade por alguma manifestação divina, quer alcançar a paz e o aconchego da morte. Diz: “Ás vezes estou nesse mundo, às vezes no outro, não consigo evitar”. Despenca, começa a chorar nos braços do irmão que se encontra confuso e fragilizado. De repente grita e diz para ele sair, quer dormir no chão. Colocado numa situação delicada, Minus não sabe como agir, e se ela tentar suicídio? A porta bruscamente se abre e Karin está vibrante, pulando de alegria como se nada tivesse ocorrido. É aí que ela pega Minus pelos cabelos e o chantageia, dizendo para não contar a ninguém o que viu.

Na lancha, Martin joga a verdade na cara do sogro: o chama de insensível, procurador de tópicos (registro da doença da filha) e covarde. Mas um mestre nas fugas e evasões. Diálogo forte e picante entre os homens. David revela ter tentado se matar quando fugiu para Suíça: somente não o fez pelo motor do carro, que morreu antes do carro chegar à beira do penhasco. Toma esse fato como uma intervenção divina, eu creio. Finaliza o discurso contando que certo amor cresceu dentro dele, mesmo que reprimido, pelos filhos e o genro.

Antes da volta dos homens, Karin corre para dentro do barco destruído e Minus vai atrás. A chuva cai, o derramamento de líquido simboliza o incesto que ocorreu entre os irmãos no barco molhado. Os homens chegam e Karin decide internar-se, põe um vestido limpo e arruma suas coisas; tentada, dirige-se até a sala sinistra chegando ao auge de sua loucura: somente ela e Martin estão na sala, sendo que este está desesperado e muito preocupado. A porta de madeira abre e a mulher começa a espernear, gritar e agonizar. Um helicóptero chega para levá-la. Após muita tensão e dor, ela repousa debilmente na escada, sedada. Narra o que aconteceu após a abertura da porta de madeira: Deus entrou (ela o descreve como uma aranha) e foi até ela, queria entrar na mulher, mas essa não deixou e assim eles brigaram. De fato uma passagem boníssima que contém uma peculiar definição divina.

Nos últimos minutos do filme, encontramos pai e filho sozinhos. David finalmente conversa com Minus: “Não sei se o amor é a prova da existência de Deus ou se é o próprio Deus. Esse pensamento ameniza o meu vazio e meu desespero sórdido”. Minus responde: “Então Karin está cercada de Deus já que a amamos tanto”. Sim, mas tanto amor, tanto Deus, pode sufocar. E é com uma lágrima que Minus conclui: “Papai falou comigo”. A tela escurece.

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