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Críticas

Equilibrista, O

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[Documentário relembra o “crime” do equilibrista francês Philippe Petit no World Trade Center em 1974]

”No meio da noite, tive uma espécie de pesadelo. Tinha me esquecido de trancar uma caixa. Corri para lá mesmo sabendo que estava a chover. Devo ter acordado a vizinhança inteira com as marteladas. Não estava bem a trancar uma caixa, mas a fazer o meu próprio caixão.”

Philippe Petit

No dia 7 de agosto de 1974, o jovem francês Philippe Petit andou durante uma hora sobre um cabo de ferro suspenso entre as duas torres do World Trade Center em Nova Iorque. Sem usar qualquer equipamento de segurança, o equilibrista fez piruetas sob o fio e sorriu aos policiais antes de ser preso, junto com o grupo de cúmplices, com o qual planejou o golpe em sigilo por oito meses, numa operação que envolveu inclusive um executivo das torres gêmeas que admirava o trabalho de Petit na França. Ironicamente, a proeza foi considerada o crime artístico do último século. Passados 34 anos, o cineasta James Marsh apresenta-nos O Equilibrista, documentário que nos leva até aos bastidores deste incidente que assombrou os novaiorquinos. Nesta ocasião para assistir a um espetáculo e não a uma tragédia.

Embora muitos casos semelhantes tenham acabado em tragédia, os desdobramentos de uma loucura como essa sempre rendem uma boa história. Philippe Petit felizmente teve um final feliz e sobreviveu para narrar os acontecimentos. Na fervilhante década de 70, ele era um desses jovens aventureiros malucos que não medem esforços para surpreender o mundo. Carismático e louco o suficiente para atrair admiradores, conseguiu fiéis escudeiros que foram importantes para dar cabo em seus “crimes” pelo mundo. Antes de subir no WTC, o equilibrista havia atravessado a catedral de Notre Dame na França e na ponte de Harbour, em Sydney, na Austrália. Em todas elas, sem proteção alguma.

O documentário nos mostra os detalhes da ação em Manhattam e como um simples erro poderia ter transformado o espetáculo em uma morte bizarra. Com entrevistas detalhadas e emocionantes do protagonista e dos idealizadores do golpe, o cineasta conta-nos com emoção os desdobramentos da ação, desde o plano para se infiltrar no WTC até os momentos de perigo que cada envolvido passou dentro das torres gêmeas. Os erros, os acertos e as desconfianças entre os franceses e os americanos da trupe de Petit rendem uma história surpreendente, com momentos tensos e cômicos. Surpreende também, as imagens de arquivo captadas pelos amigos do equilibrista e por emissoras de TV na época.

As fotos e vídeos em preto-e-branco são complementados com reconstituições encenadas de alguns momentos que não foram possíveis de registrar, como na cena em que Petit e os ajudantes se escondem dos seguranças das torres gêmeas para passar o arame de um prédio a outro no dia anterior a exibição. É uma pena que a trilha musical do filme seja comportada demais, o que diminui o impacto desses momentos de tensão.

Ao contrário de muitos documentários, James Marsh não se detém no protagonista. Em vez de realizar um raio-x da personalidade de Philippe Petit e justificar suas motivações, ele prefere centrar a história na obsessão do equilibrista pelo WTC nos tempos áureos em que os edifícios eram o cartão postal de Manhattam. Os momentos em que o cineasta “sublima” Petit na sua narrativa vemos um homem centrado, audacioso e extremamente autoconfiante. Na sua lógica ele fez aquilo não apenas porque era um sonho de adolescente, mas principalmente porque tinha certeza que podia. E mesmo sendo ele o personagem central desta trama é a sensação de nostalgia que compõe a aura do documentário. Deve dar um aperto no coração dos novaiorquinos assistir a esse filme e depois olhar para a janela e ver a paisagem da cidade deformada por um violento ataque terrorista. O lugar que antes era sinônimo de imponência transformou-se num ambiente de tensão e dor.

Ganhador do Oscar de melhor documentário e premiado em outros tantos festivais e associações cinematográficas, O Equilibrista é um filme encantador que conquistou o carisma do público e da crítica. Mais do que uma incrível façanha, o golpe de Philippe Petit exibe as torres gêmeas não apenas com um ex-reduto do poderio econômico norte-americano, mas acima de tudo como um pedaço de sonho realizado e depois destruído. Afinal, é um feito que não poderá mais ser repetido.

Críticas

Corra Que a Polícia Vem Aí!

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Nos últimos anos, o gênero comédia vem retrocedendo seriamente. Raros são os filmes que podemos considerar realmente engraçados e, ao mesmo, inteligentes; enquanto isso, vemos nos "empurram" filmes dignos de serem considerados alguns dos piores da historia do cinema, como os catastróficos "Deu a Louca em Hollywood" e "Espartalhões". Porém, já houveram comédias do tipo "besteirol" que funcionaram muito bem e se tornaram clássicas. Um dos maiores exemplos é a trilogia "Corra que a Polícia vem aí".

No primeiro filme, dirigido por David Zucker e adaptado de uma série de televisão, somos apresentados a Frank Drebin (Leslie Nielsen), um detetive completamente atrapalhado, que se envolve nas situações mais inusitadas possíveis. Drebin está investigando uma trama para assassinar a Rainha Elizabeth (Jeannette Charles), arquitetada por um milionário (Ricardo Montalban, falecido ano passado) que deseja poder.

O filme é uma sátira escrachada dos filmes do gênero policial das décadas de 1960 e 1970. Todos os elementos destes filmes estão lá, porém o roteiro nos propicia situações relamente hilárias na brincadeira com estes elementos. Quem não se lembra da antológica cena em que Leslie Nielsen e Priscila Presley (que interpreta o seu "affair") estão envoltos em camisinhas gigantes, para fazer sexo com muita proteção? Ou da seqüência final no jogo de beiseball, em que é praticamente impossível ficar um segundo sem da uma risada? A direção de Zucker é muito esperta, sempre posicionando a câmera na posição certa para extrair o melhor momento de cada uma dessas cenas absurdas.

Porém, o filme não funcionaria se não tivesse um elenco realmente hilário. E, quando digo elenco, praticamente estou me referindo a um único ator: Leslie Nielsen. Após ter trabalhado em alguns dramas e aventuras (como "O Destino do Posseidon"), Nielsen se tornou o rei das comédias besteirol. O seu desempenho em "Corra que a Polícia vem aí" é extraordinário, talvez um dos melhores papéis de sua carreira. O restante do elenco se sai bem: Priscila Presley como a loira gostosa que está apaixonada pelo detetive mas mantém um relacionamento com o vilão; Ricardo Montalban com oeste vilão que só deseja poder e dinheiro; George Kennedy e O.J.Simpson como os "ajudantes" de Drebin.

Também merece ser citada a seqüência inicial, em que a viatura vai cometendo uma série de delitos (!) por todo o seu caminho. Esta abertura virou uma marca registrada da trilogia. A trilha sonora entra nos momentos mais inusitados, o que contribui muito para o humor do filme funcionar.

Alguns podem considerar "Corre que a Polícia vem aí" uma besteira sem tamanho, um filme sem sentido algum. No fundo, é isto mesmo! Porém, é tudo tão bem bolado e engraçado que já se tornou um clássico das nossas tardes na televisão (horário durante o qual costumava ser transmitido) e praticamente um marco do gênero comédia.

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Vicky Cristina Barcelona

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Sou um admirador do cinema de Woody Allen. É um dos maiores cineastas em atividade e já deixou seu nome marcado da história da sétima arte. Construiu uma obra consistente e soube além da comédia passear por outros gêneros com desenvoltura. Muitos disseram que nos últimos anos ele estava em decadência (algo com que eu não concordava). Agora chegou até nós um filme onde uma das atrizes angariou mais uma premiação do oscar e a crítica em geral foi benfazeja para com o filme. Custa-me acreditar, mais em minha opinião ele errou a mão. Não consegui ver em nenhum momento aqueles momentos de genialidade e inteligência que marcam sua filmografia.

Existe no filme uma morena chamada Vick (Rebecca Hall - uma grata surpresa), uma loira e uma outra morena de nome Maria Elena. A junção das três dará o título ao filme: Vick Cristina Barcelona. Aqui um primeiro problema. Existe uma visão estereotipada da raça espanhola. Maria Elena não pode carregar em si o nome da cidade de Barcelona. Ela lá vive, mas longe está de representar uma fatia considerável das mulheres daquela localidade. Sabemos do puritanismo do americano. Da visão que eles possuem de que nos países latino tudo é permitido. Em si a história parece se resumir a essa visão estadunidense da vida. Que longe dos Estados Unidos qualquer um pode mergulhar num mundo hedonista. Que o americano está preso a uma visão moralista que o impede de desfrutar a vida. Allen deveria pelo menos conhecer a visão dos americanos sobre eles próprios nas séries de TV que nos chegam pelos canais abertos e fechados. Lá vemos a idéia de que a sociedade americana já deixou de ser puritana faz tempo (existe o ranço, mas cada qual vive para buscar o prazer a qualquer custo: Las Vegas e CSI - todos, para não deixar de citar nenhum). Sei que Allen detesta a TV. Basta então abrir as páginas policiais, constatar o aumento da violência e das drogas.

As boas interpretações, o domínio da câmera está a meu ver a serviço de um roteiro que não é digno de seu talento.

Alguns dirão que o amadurecimento fez com que Allen explorasse o sex-appeal de seu elenco. Não um sex-appeal vazio, mas dotado de eloqüência, de espírito e de cultura próprio de suas criações. Ok, mas dotar o espanhol de uma testosterona, de um epicurismo e altivez não parece uma química plausível. Um Don Juan moderno e caricato acaba se tornando o personagem de Javier Bardem. E a forma com que as americanas lhe caem nos braços, sem em nenhum instante temer o outro (por mais culta e liberal que sejam) é irreal demais. Exagerada também Maria Elena. Um artista genial e ao mesmo tempo suicida. Alguém que para se equilibrar precisa ser limitada por uma outra na vida íntima.

Ao final do filme notamos que a presença de um narrador mais presente que em suas outras obras onde foi utilizado tal recurso não foi gratuita. Foi uma tentativa de tentar amarrar com uma lógica, uma história fraca. Já nos indicava que faltou liga em seu roteiro. Liga e conteúdo.

De positivo no filme o final. Tudo acaba de forma natural como nas outras suas últimas obras. A diferença é que em “Ponto final” e em “O sonho de Cassandra” havia um conteúdo extremamente bem amarrado antes que os créditos finais surgissem.

Em suma um filme onde o bom elenco foi desperdiçado em uma história banal e medíocre. Bem longe do que o diretor pode nos oferecer. Que Allen se afaste com urgência do sol que lhe parece mais amarelado na Catalunha. Ou que ao menos perceba que o cenário pode ser outro, mas que ali cabe também aqueles personagens de cunho universal que ele já criou. Torço por isso.

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Sem se afastar da política, Gravas nos mostra que o humano é muito mais do que parece ser, e que os acontecimentos de uma guerra deixa uns cegos para aquilo que não quer ver. Sem toda a forma lúdica do cinema americano, filme de Gravas parece difícil - e o é -, necessitando por parte de quem assiste de certo conhecimento prévio. Ainda sim válido enquanto documento-versão, Mathieu Kassovitz mais uma vez mostrando que é melhor atuando que dirigindo, faz um papel ousado e forte.

A diferença entre esse filme, e talvez esse valor não o equivala à obras-primas como O Pianista, ou A Lista de Schindler, e os filmes anteriormente citados consiste mais na forma como é gerida a trama. No filme de Gravas a trama vem do clima político-social, para depois, tratar do persoagem, das carcterísticas própias daqueles envolvidos na guerra. Enquanto A Lista de Schindler faz um estudo delicado e intenso de "heróis" e vilães, e o Pianista concentra-se meticulosamente no seu personagem principal, ou seja, a maneira de como essas pessoas encararam à guerra, em Amém de Costa-Gravas, a perspectiva é mais no sentido de como a guerra atingiu aquelas pessoas, de maneira que até o desenvolvimento da personalidade de todos os personagens fica um tanto insuficiente, não caricata, visto que vemos suas motivações ideológicas, suas visões de humanidade, de humanitarismo, onde o lado que estavam não necessariamente designaria suas idéias sobre a guerra.

O filme se passa na Segunda Guerra e conta a história de um cientista alemão responsável pela fabricação de uma substância para combater pestes animais. Todavia, o tempo passa e ele percebe o rela intento malígno por traz do projeto. Vendo que sua substância ceifava a vida de milhares de judeus a cada dia, Kurt Gerstein, o cientista, arrepende-se e vai procurar maneiras de informar ao mundo sobre o massacre dos judeus, recorrendo à igreja em busca de maior divulgação.

Nesse sentido, a direção de Gravas mostra-se mais uma vez eficiente, atacando a todos, Gravas forma sua versão sobre a guerra, onde Igreja, EUA e demais aliados estavam pouco se importando com o possível massacre de judeus no interior alemão. Em Amém, a impressão que nos fica é de que mais terrível que dizimar um povo, era o fechar os olhos e tapar os ouvidos por parte da Igreja, principalmente, para aquilo que fingiam não ver nem ouvir, ou seja, tantas e tantas pessoas morreram devido à falta de atitude de uns frente ao massacre praticado pelos nazistas.

Fica difícil tatear se apenas tais requisitos compõem um bom filme, marcante e prazeroso de se assistir. Todavia, o grande impasse de Amém consiste no deleixo técnico. Direção de Arte desconfortável, falta de apuro na direção, às vezes, deixa o filme com cara de Thriller europeu. À parte a isso, a bela e consisa TRilha Sonora e a ágil montagem empreendida no início e fim do filme.

Bem dirigido e bem roteirizado, Amém é um bom sinal de que o cinema europeu continua produzindo filmes com forte conteúdo crítico político. Embora careça de um pouco de originalidade - estigma de todos os atuais filmes sobre a Segunda Guerra -, trata-se de um filme proveitoso e válido para pesquisadores e interessados com um possível verdade sobre fatos da Segunda Guerra.

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Quem Quer Ser um Milionário?

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[Conto de fadas urbano de Danny Boyle brinca de Bollywood e tem como pano de fundo a ascensão da Índia capitalista]

Até uns meses atrás, o cinema indiano se resumia ao mundo ocidental em três palavras-chaves: Bollywood, M. Night Shyamalan e Mira Nair. Isso até o Danny Boyle se entediar da sua terrinha nebulosa e levar sua câmera ágil para a Índia, onde rumou para rodar um filme.

Realizador descompromissado, abraçou um projeto trivial: adaptar às telas o best-seller indiano Q & A, de Vikas Swarup - batizado posteriormente de Slumdog Millionaire (e por aqui Quem Quer Ser Um Milionário?) . Detalhe: ele teria que fazer isso com um orçamento modesto – pouco mais de U$ 15 milhões-, e contar com elenco formado por atores locais. Ou seja, uma co-produção longe de ser ambiciosa…

Terminadas as filmagens, Quem Quer Ser Um Milionário? foi para a edição e chegou silenciosamente às salas de cinemas americanas no fim de agosto. Passados seis meses do lançamento oficial, a pergunta é inevitável: como um filme realizado na Índia com atores indianos e dirigido por um cineasta pouco convencional como Boyle faturou cerca de US$ 80 milhões, saiu consagrado nos principais festivais de cinema ganhando inclusive o Oscar de melhor filme? Mas o sucesso do “vira-lata milionário” se deve por muitas razões.

A principal delas: Danny Boyle. Se antes o britânico podia ser rotulado como “o cara que dirigiu Trainspotting e alcançou sucesso comercial com Extermínio” agora a coisa muda de figura. Um de seus méritos em Quem Quer Ser Um Milionário? foi adaptar um conto de fadas urbano, aliando a pirotecnia eletrizante dos trabalhos anteriores com a estética bollywoodiana. Em menores palavras: ele consegue contar uma história simples de maneira surpreendente.

[Sílvio Santos vem aí, lá-lá lá-lá´lá-láá…]

O filme começa com uma interrogação: “Jamal Malik está a uma pergunta de ganhar 20 milhões de rúpias. Como ele conseguiu?” Um novo letreiro lança as alternativas. Terá Jamal (Dev Patel) trapaceado no jogo de perguntas e respostas? É sorte? Ele é um gênio? Ou…hmmm..está escrito? Com um recurso narrativo simples, Boyle arma a bomba que irá acionar lá no fim do filme. Mas até lá, o espectador ficará vidrado.

Na cena seguinte, descobrimos que Jamal é um menino pobre e sem estudo, de apenas 18 anos. Seu bom desempenho no jogo soa incoerente ao apresentador do programa que pede à polícia para torturá-lo até confessar a fraude. Na delegacia, o delegado ouve a trajetória insólita do garoto que apesar da pouca idade conviveu com a pobreza, o preconceito e a criminalidade.

De origem muçulmana, Jamal cresceu sem rumo ao lado do irmão Salim, aliciado ao crime organizado, e de Latika (Freida Pinto, muito gata), o grande amor da sua vida. Foi para reencontrá-la que ele se inscreveu no “show do milhão indiano”. E foi a luta pela sobrevivência o conhecimento que proporcionou a ele acertar as perguntas.

[Mumbai tecnológica]

Entre flashbacks e o tempo corrente que meneiam a vida de Jamal, a câmera de Boyle registra uma trama onde a decadente e flagelada capital Bombaim dá lugar ao desenvolvimento social e a prosperidade tecnológica. Na infância, o protagonista é visto numa favela percorrendo vielas, casebres e animais.

Uma cena em particular chama a atenção: a câmera abandona Jamal e passa a acompanhar uma galinha em movimento. Se Boyle não quis homenagear Fernando Meireles pela abertura de Cidade de Deus, ele emulou a cena inconscientemente. Das duas uma.

Na vida adulta do garoto vemos o renascimento de Bombaim, que passa a se chamar Mumbai. Salpicada de arranha-céus, a cidade que enriqueceu com a informática é captada com onipotência pelo diretor. E é do alto de um prédio em construção que Jamal reencontra Salim, então braço direito do traficante mais temido da região. É com a ajuda do irmão bastardo que ele conseguirá ter acesso ao seu prêmio mais valioso.

Todos esses elementos – amor, corrupção, violência e instinto- se harmonizam num desfecho previsível e melodramático. Um dramalhão escancarado com ares de fábula, no melhor estilo Bollywood. Alie, portanto, essa despretensão com a crítica social e o ritmo eletrônico de Boyle e temos um dos filmes mais originais do ano. Nesse panorama, o roteiro adaptado de Simon Beaufoy funciona como catalisador no sentido equilibrar os excessos da trama. O final em ritmo de dança é uma homenagem tácita do diretor ao cinema indiano.

Numa trajetória marcada por bons momentos – os ótimos Traisnpotting e Cova Rasa- e outros nem tanto – o mediano Sunshine e o péssimo A Praia- Danny Boyle encontra fora do país, o seu golpe de mestre. Com Quem Quer Ser Um Milionário? o diretor finalmente chegou no seu auge. Como ele conseguiu?

A: Ele trapaceou

B. Ele é sortudo

C. Ele é BOM

D: Está escrito

Resposta fácil!

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Viver

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[Kurosawa alia técnica e coração num filme sobre a vida em decomposição]

Akira Kurosawa é o cineasta mais proeminente nascido no Japão. Antes de iniciar a carreira no cinema pensava em ser pintor. Mas sua paixão pelo cinema falou mais alto e no fim das contas, optou por canalizar seu talento em storyboards que logo ganhariam vida na tela em movimento. Como todo bom realizador e autor de grandes obras, Kurosawa tinha suas preferências cinematográficas, o que incluía a escola americana. Seu apreço por trabalhos realizados em outros países não foi visto com bons olhos em seu país natal, onde ganhou -de maneira injusta- a fama de ocidentalizado.

Dos poucos motivos que deu para receber esse estereotipo, Viver certamente é um deles. Enquanto diretores como Ozu e Mizoguchi baseavam-se na exaltação da cultura e das tradições nipônicas, Kurosawa dispensou os saiotes e as espadas de samurai e optou por realizar um filme urbano, sem deixar de lado seu detalhismo e apelo emocional

Reconhecido pela crítica como um de seus melhores trabalhos, Viver aborda um tema que mais tarde se tornaria recorrente na carreira do diretor: a velhice. No plano de abertura, o filme abre com a imagem de um estômago. Na fala do narrador vem a explicação: “Este estômago é o protagonista da história.” O órgão humano pertence a Kanji Watanabe (Takaschi Shimura), um servidor público de longa data desanimado e sem perspectivas de ascensão na carreira, preocupado apenas em carimbar a papelada que chega até sua mesa.

Se sua vida profissional é monótona, a pessoal não é muito diferente. Viúvo e solitário, o burocrata tem poucos amigos e mantém uma relação distante com seu filho.

Quando descobre ser portador de um câncer maligno no estômago, ele resolve dedicar intensamente seus últimos meses de vida no projeto de um parque situado numa comunidade carente da cidade.

Em meio às dificuldades de levar a idéia adiante, Watanabe se envolve com os habitantes e renova seu ciclo de amizades. Sua mudança de hábito, entretanto, compromete o relacionamento com o filho e com seus superiores que interpretam mal todas as suas ações.

Com um enredo comovente, Viver faz um tratado fiel do homem à beira da morte em busca de um sentido para a sua existência. A cena onde o burocrata - hora eufórico, hora melancólico- percorre bares com um músico boêmio é emblemática para compreender perturbação vivida pelo protagonista.

Curiosamente, no mesmo ano, o diretor o neo-realista Vitório de Sicca lançou Humberto D., filme com temática parecida, sobre a parca situação de um idoso e seu cachorro na Itália do pós-guerra. Cinco anos depois foi a vez de Bergman se enveredar nesse tema com Morangos Silvestres.

Em termos de direção, Viver possui os habituais cacoetes da edição “multi-olhos” inventada por Kurosawa, que trabalha o ponto de vista de vários personagens numa mesma situação da trama. Apesar de ser um grande filme, não chega a fazer frente com os clássicos Rashomon, Sete Samurais e Ran.

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Repulsa ao Sexo

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[Mistérios e sonhos misturam-se nesse belo suspense de Roman Polanski]

Quando se fala do cinema de Roman Polanski, sempre há um paradoxo sobre o mito que ele criou para si entre tragédias pessoais e grandes obras-primas na carreira de diretor.

A visão pessimista da sociedade que culmina com a desintegração social e/ou psicológica de seus personagens tem tudo a ver com seu passado marcado pela morte da mãe num campo de concentração nazista, da mulher Sharon Tate esquartejada pela gangue de Charles Manson no final dos anos 60 e da acusação de assédio sexual a uma menor que lhe custou um confinamento perpétuo na Europa.

Os infortúnios da vida pessoal modelaram sua tragetória como diretor, preenchendo suas principais obras com fatalismos, paranóias e as mais sórdidas excentricidades.

É o caso de Repulsa ao Sexo. Neste filme, Polanski mergulha fundo nos mais obscuros pesadelos do subconsciente para retratar um trauma pessoal que evolui para uma crise de esquizofrênia. Catherine Deneuve interpreta a manicure Carole Ledoux, uma jovem e bela garota extremamente tímida e sexualmente reprimida.

Radicada da Polônia, ela vive em Londres num pequeno apartamento com sua irmã mais velha Helen (Yvonne Fourneaux), por quem devota um apego maternal. Durante suas idas e vindas do salão de beleza, Carole ouve obscenidades de um operário e é constantemente assediada por um homem que tenta a qualquer custo tirar sua virgindade. Durante a noite, passa tormentos ao ouvir a irmã fazer sexo com seu amante.

Numa viagem do casal à Paris, Carole isola-se no apartamento e passa a ter alucinações. Em sua loucura, mãos surgem da parede tentando tocá-la, sombras masculinas aparecem dos espelhos e homens surgem de todos os lados tentando violentá-la. Entre o real e o imaginário, ela comete assassinatos e suprime à total insanidade e auto-destruição.

Embora não seja uma obra-prima, poucos filmes são tão enigmáticos e reflexivos quanto Repulsa ao Sexo. Através dele, Polanski carimbou definitivamente seu passaporte para Hollywood onde três anos mais tarde realizou O bebê de Rosemary, seu primeiro grande trabalho em termos de notoriedade. Sua habilidade narrativa em filmar no curto espaço mostrou-se magistral, fazendo do pequeno apartamento da protagonista um personagem assustador. No processo de alheamento de Carole, toques surreais mesclam-se aos clichês usuais do terror.

Em sua realidade distorcida ela vê as dimensões da parede aumentarem e ruírem, o corredor diminui e torna o ambiente sufocante. Os closes no seu rosto de anjo formam um contraste aterrador frente a seus dêmonios internos.As influências de Buñuel e Hitchcock são sintomáticas nesse sentido, mostrando-se tão eficazes quanto evidentes na evolução da trama. A constante aparição de um grupo musical itinerante de velhinhos caquéticos parece ter saído direto de um dos trabalhos surreais do diretor espanhol. A aparição de alimentos em putrefação avançada dentro do apartamento apetecem o ritmo de suspense e conotam com a lucidez da protagonista.

Outro recurso bastante explorado por Polanski no filme é o uso climático de ruídos e sons. Nessa perspectiva, a trilha jazzística cai como uma luva, já que o diretor explora no filme um dos recursos mais utilizados nesse estilo musical: o silêncio. Em vários momentos, as alucinações de Carole são intercaladas entre cacofonias e silêncios intermitentes.

O desfecho do filme flui naturalmente, mas deixa algumas reticências para serem ruminadas pelo espectador. O que não deixa dúvidas é a interpretação primorosa de Catherine. Sua expressividade oscilante carregada de trejeitos afetados, criou uma personalidade singular, manipulando muito bem a duplicidade da sua personagem que diga-se de passagem é praticamente uma versão feminina de Norman Bates, de Psicose. Se Repulsa ao Sexo serviu de trampolim para a carreira de Polanski no Estados Unidos, a interpretação de Catherine certamente atestou-a para estrelar Bela da Tarde, sua personagem mais célebre.

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Segredo do Grão, O

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[Dificuldade dos imigrantes muçulmanos na França é ilustrada num prato de cuscuz]

Um filme sobre o terceiro mundo que existe dentro do primeiro mundo e que jamais aparece nos cartões postais. Um filme sobre a cultura árabe lutando para sobreviver cultural e financeiramente nas periferias francesas. Um filme sobre uma família que une e se desune gradualmente, dividindo alegrias e tristezas numa mesa com cuscuz. Um filme sobre a mistura dos dialetos. Um filme sobre um barco velho e um sonho. Todos esses filmes estão dentro de O Segredo do Grão, terceiro longa do diretor tunisiano Abdellatif Kechiche.

Aos céticos, pode soar como um drama familiar de perdas e danos. Aos otimistas e alheios, pode até ser uma comédia de costumes. A verdade é que o grande vencedor do prêmio Cesar em 2008 é uma obra minuciosa, de sensibilidade ímpar; tão singela, tão acolhedora, que seu gênero torna-se inclassificável, embora tenha uma pitada de neo-realismo nessa história. O filme possui ainda uma das performances mais marcantes que já vi no cinema: a da francesa Hafsia Herzi, vencedora no festival francês e no de Veneza. Sua interpretação assombra pela intensidade, franqueza e espontaneidade que irradiam da tela.

Embora seja um filme denso, O Segredo do Grão se sustenta num enredo simples. O cenário é a cidade de Sete, região portuária no sul da França. Lá vive o calejado Slimane Beiji. Após perder seu emprego nas docas do Mar Mediterrâneo, ele direciona seus esforços no projeto de um restaurante de cuscuz dentro de um barco velho. Primeiro porque precisa ajudar à família que passa por dificuldades financeiras. O peixe que leva regularmente a ex-mulher e aos filhos não é suficiente para aliviar as dificuldades de uma região que enfrenta a escassez e o desemprego. Segundo porque detesta a idéia de viver de favor no hotel de sua atual companheira. E terceiro porque o cuscuz marroquino da sua mulher é delicioso.

Auxiliado pela enteada Rym (Hafsia Herzi), ele parte em busca de financiamentos e da licença municipal. As dificuldades são enormes. Como o projeto é limitado no papel, a Prefeitura dá o aval para que o restaurante funcione por uma noite. Para que seja uma noite de gala, o patriarca investe o que tem e o que não tem e convoca toda a sua família para ajudar na inauguração. A partir daí, encontros, desencontros e lavagem de roupa suja se sucedem entre as duas famílias de Slimane. Uma confusão na hora de transportar o cuscuz para o barco atrasa os pedidos e coloca tudo a perder Só uma bela carta na manga poderá salvar a reputação do restaurante.

Essa cartada quem dá é o diretor. Independente da resolução ao suspense que se instaura logo na metade do filme, o que vale ressaltar dessa produção é a sua consistência. Priorizando a emoção, Kechiche passeia livremente com a câmera na busca pela identidade dos seus personagens. Como os diálogos possuem uma simplicidade casual que beira o improviso, -e conforme o modo como se filma, pode tornar o filme fastidioso- seu mote é registrar a linguagem corporal dos atores enquanto a conversa flui.

E aí a personagem de Hafsia dá seu show à parte. Todos os momentos em que a menina entra em cena, o filme se torna tão verossímil que parece que estamos assistindo a algo que acontece do outro lado da nossa janela. O ponto alto de sua atuação se dá numa cena onde ela blasfema a ex-mulher e os filhos biológicos de Slimane, na frente de um espelho. Não é genial, é mais que isso: é assustador!

Sei que não é lá muito ético dedurar o final do filme. Só vou adiantar o seguinte: ele é ambíguo. Solúvel e dissolúvel; feliz e infeliz, ao mesmo tempo. O sonho do restaurante sobre as águas, perseguido com fervor por Slimane e a família no filme talvez tenha o mesmo ímpeto que os imigrantes muçulmanos buscam para se auto-afirmarem na Europa. Sobreviver nas periferias do velho continente onde sobram apenas as migalhas não é um prato saboroso como o cuscuz marroquino, mas é o que resta aos que buscam um pouco de reconhecimento e dignidade. Lutar é o mais importante.

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Milk - A Voz da Igualdade

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[Sean Penn tem atuação brilhante na cinebiografia de Harvey Milk, dirigida por Gus Van Sant]

O Analista de Bagé, célebre personagem de Luis Fernando Veríssimo, tinha uma opinião formada sobre o Fernando Gabeira:

“O Fernando Gabeira me lembra um causo. Lá em Bagé tinha um bolicho chamado Bago´s. Era onde a indiada se reunia pra coçar o saco, tomar cana com pólvora e contar piada de pelotense. Se passasse um homem barbeado pela porta, lá vinham os assobios e os gritos de “Ai, Rosinha”, “Ta passando o bambi”. Mas volta e meia aparecia um moço no bolicho. Bota de salto alto, cabelo mechado, brincos e passinhos de quem não quer peidá. Entrava, ia até o balcão e tomava uma fanta uva com dedinho levantado. E a indiada quieta. Aí o moço rodopiava e saía. E se alguém estranhasse aquele respeito com o veado, ouvia logo a explicação: para entrar ali daquele jeito o cara tinha que ser macho. Muito macho.”

Tudo bem que o Fernando Gabeira não é gay (segundo ele próprio afirmou em entrevista recente à revista Rolling Stone) e que Bagé não fica na Califórnia. Mas o conceito do psiquiatra mais famoso da literatura brasileira sob o parlamentar brasileiro da tanguinha lilás serve perfeitamente como analogia para a trajetória de Harvey Milk, o primeiro ativista gay a fazer história nos Estados Unidos. Em plenos anos 70, época em que ser homossexual ainda era considerado uma doença, Milk um executivo de Wall Street então com 40 anos, abdica de uma carreira estável para viver livremente na Califórnia com seu companheiro Scott Smith. Radicados em São Francisco, eles abrem uma loja de fotografia no bairro Castro que logo se transforma num ponto de encontro do movimento GLS.

Cansado de ver seus amigos espancados e mortos pelas ruas do bairro, Milk decide se candidatar a conselheiro distrital de São Francisco e lutar pelos direitos civis dos homossexuais. Perde inúmeras vezes até conseguir ser eleito com apoio do movimento dos motoqueiros, dos sindicalistas e da terceira idade. Em pouco tempo, destaca-se na câmara legislativa e torna-se braço direito do prefeito George Moscone. Sua ascensão desagrada o conselheiro rival Dan White que num acesso de fúria descarrega o revolver sob Milk e Moscone, tornando-o num mártir da causa gay.

O legado de Milk, um quarentão retraído que sai do armário para lutar e fazer história na política norte-americana foi levado às telas em 2008 pelo diretor Gus Van Sant. Um belo trabalho, diga-se de passagem, já que o diretor consegue equilibrar com competência o tom político e o teor panfletário do filme que obteve oito indicações ao Oscar e entrou na disputa postulante a levar as principais estatuetas. Levou duas: melhor ator e melhor roteiro original. Bastante a vontade no papel do protagonista, o ator Sean Penn comprova mais uma vez o seu talento. O prêmio concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pela sua atuação não veio ao acaso. Em nenhum momento, o personagem moldado pelo ator soa como herói ou vilão.

Durante as 2h30 de duração do filme, acompanhamos um Harvey Milk predestinado, que passa por inúmeras superações pessoais até chegar ao seu auge. A primeira delas é a idade. Tudo começa no seu aniversário de 40 anos, onde ele conhece e se envolve com Scott Smith, interpretado por James Franco. O companheiro de Milk é bem mais jovem que ele e indaga-o sobre o vazio de chegar à meia-idade sem ter feito nada de especial. A ida deles à Califórnia dá a ele um novo sentido. De executivo nova-iorquino torna-se ser um hippie quarentão.

Ao ingressar na política retoma o visual comportado e passa a liderar manifestações e mobilizar os homossexuais a se articularem politicamente para serem ouvidos. Apesar de ser um excelente orador, ele perde nas urnas e percebe que para se eleger como conselheiro precisa dialogar com os outros segmentos da sociedade. Após inúmeras derrotas, ele finalmente se elege e passa a lutar por mudanças na constituição que vão desde os direitos homossexuais, até políticas públicas para idosos. A visibilidade faz com que tenha que enfrentar grandes figurões da política e da religião na época, entre eles o governador da Califórnia, John Briggs.

Embora instigante, os trâmites políticos mostrados no filme tornam-se um pouco confusos em alguns momentos. Mas nada que atrapalhe. Um ponto forte do filme é a forma sincera como é mostrada a vida pessoal de Milk. Simpatizante da causa gay por questões puramente pragmáticas, Gus Van Sant, literalmente dá o melhor de si para que isso aconteça (e isso não é um trocadilho!). A conturbada vida amorosa do político, marcada pelo rompimento com Smith que não gostava de política e o relacionamento instável com o desequilibrado Jack Lira (Diego Luna) são mostrados sem pudor pelo diretor, o que soa indigesto aos mais puritanos. Para quem assistiu O Segredo de Brodbeck Mountain, Morte em Veneza ou a série A Sete Palmos, as insinuações sexuais de Milk sequer chegam a assustar.

Por mais que detenha elementos suficientes para não ser rotulado, Milk, não deixa de ser um filme panfletário. A todo o momento, o liberalismo versus puritanismo cristão é colocado em evidência pelo roteirista Dance Lance Black, que por ser gay, logicamente puxa a sardinha para sua brasa e não mede esforços para satanizar a “sociedade conservadora”. O assassino de Harvey Milk, Dan White (Josh Brolin) é o próprio esteriótipo do católico fervoroso. Os ambientes em que ele aparece estão quase sempre preenchidos com adereços religiosos.

Apesar da eterna mágoa entre gays e religiosos estar em evidência, Milk é, acima de tudo, um filme sobre a esperança: “É ela que nos dá razão para viver”, repete Harvey Milk em diversos momentos do filme em seus discursos. E isso é algo que não se enquadra apenas ao público GLS. E se na concepção artística a produção de Gus Van Sant sai vitoriosa, o mesmo dá pra dizer da parte técnica, sobretudo da fotografia pálida de Harry Savides (Zodíaco) e a trilha musical estimulante de Danny Elfman. A montagem também é muito boa, mas isso sempre foi o forte nos filmes de Gus Van Sant.

Mesmo que não agrade ao público de Bagé, Milk foi laureado pela crítica internacional e saiu vitorioso na festa do Oscar. Os simpatizantes do filme, com certeza ficaram satisfeitos pelo reconhecimento de Harvey Milk e o seu legado para um público que ainda é marginalizado por uma grande parcela da sociedade.

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Críticas

Visitante, O

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[Richard Jenkins realiza atuação da carreira em filme sobre o peso da idade e a situação dos imigrantes nos Estados Unidos pós 11 de setembro]

O tempo passa, mas o 11 de setembro continua tão próximo do presente quanto o dia de ontem. Ninguém duvida que o acontecimento seja o mais significativo do século 21 e o que mais mudanças acarretou na sociedade, sobretudo na norte-americana. Um desses desdobramentos é a vida dos imigrantes árabes nos Estados Unidos, pano de fundo de O Visitante, segundo filme do diretor/ator Tom McCarthy e que rendeu a Richard Jenkins a indicação de melhor ator dada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Eterno coadjuvante no cinema, Jenkins tornou-se conhecido do público da televisão na série A Sete Palmos, onde interpreta o patriarca morto de uma família de agentes funerários e que volta e meia “aparece” para conversar com a mulher e os filhos. Sarcástico e com uma gargalhada marota ele dá pitacos sobre erros do passado e aconselha os filhos nas suas decisões. Um morto com vivacidade. Em O Visitante, ele é o oposto disso.

Seu personagem, o professor Valter Vale é um viúvo recluso, monossilábico que empurra a vida com a barriga. Na universidade em Connecticut, leciona a mesma matéria há 20 anos e nas folgas livres tenta sem sucesso escrever um novo livro e aprender piano. O olhar vazio e o jeito seco e educado de cortar as pessoas dão a dimensão do seu isolamento. Ao ser convocado para ir numa conferência em Nova Iorque, ele não esconde a frustração.

Por sorte ele tem um apartamento na cidade que não visita há meses. Dentro dele, ele encontra um casal de imigrantes ilegais que foi enganado por um falso corretor que subalugou o imóvel. O nome do garoto é Tarek (Haaz Sleiman), um percussionista sírio. Sua namorada africana se chama Zainab (Danai Gurira) , que ganha a vida como vendedora ambulante. Desfeito o mal entendido, Vale se compadece com os dois e os deixa ficar no apartamento por uns tempos até encontrarem um novo lar.

A amizade cresce entre ele e o simpático Tarek que o ensina os meandros da percussão. Apaixonado por música e viúvo de uma ex-pianista, o professor se encanta com o instrumento e desfruta de uma empolgação inédita. Logo os dois amigos estarão fazendo exibições pelas ruas da cidade. Até que num “mal-entendido” da polícia, o músico acaba preso pela imigração.

Nesse ponto, o diretor dá sua tacada de mestre. Sai um coadjuvante, entre outro. Após a prisão de Tarek, Mouna ,interpretada pela atriz Hiam Habbas (Paradise Now), aparece no apartamento em busca de notícias do filho. A ligação de Vale com a nova hóspede é ainda mais forte e tonificante, sacudindo de vez asua tépida existência. Com ela, ele encontra uma razão para sair pela porta e não apenas abri-la para outras pessoas.

Conduzido com mãos leves e passadas curtas, O Visitante é um filme pequeno, mas caprichado, com as arestas bem aparadas. O pouco tempo atrás das câmeras não foi uma barreira para McCarthy. Embora tenha no currículo apenas o filme O Agente da Estação, o fato se ser também ator parece ter lhe dado o know-how para extrair o melhor do elenco. Tanto a dupla de jovens, quanto a dupla de veteranos mantém a regularidade das atuações. Haaz Sleiman e Danai Gurira são muito carismáticos, principalmente o ator. Hiam Habbas tem uma aparição curta, mas marcante. A voz contida e os traços fortes do rosto realçam na tela as inquietações da sua personagem. Já Richard Jankins não recebeu à toa sua indicação ao Oscar.

O olhar de esguelha que lança nas pessoas, os gestos claudicantes e inseguros dele, compõem um estereótipo preciso do homem de carreira sólida, mas que parte solitário da meia-idade para a última fase da vida. E quando uma situação insólita lhe proporciona uma nova guinada, ele não perde a oportunidade de reviver sentimentos há muito tempo apagados.

A forma como o diretor une e desune as pessoas é outra virtude do filme. É muito sutil o modo como os personagens vão se transformando conforme o destino. De batucada em batucada, Vale vai pulsando suas emoções enquanto os outros perdem sua musicalidade. Da ópera ao afrobeat, a trilha musical embala com suavidade os dramas pessoais dos personagens. A crítica à maneira que o governo americano trata os imigrantes também é posta sem exageros na trama.

Um dos poucos deslizes cometidos por McCarthy é o desenvolvimento de alguns conflitos. Sabe aquela história de que antes da cena acontecer tu já se adianta dizendo: “Ele vai fazer isso!”. O roteiro não bate uma, mas várias vezes nessa tecla. Pegar o espectador de surpresa, no entanto, não foi a pretensão do cineasta. Pois O Visitante é consistente o bastante para precisar de cartas de manga.

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