[Documentário relembra o “crime” do equilibrista francês Philippe Petit no World Trade Center em 1974]
”No meio da noite, tive uma espécie de pesadelo. Tinha me esquecido de trancar uma caixa. Corri para lá mesmo sabendo que estava a chover. Devo ter acordado a vizinhança inteira com as marteladas. Não estava bem a trancar uma caixa, mas a fazer o meu próprio caixão.”
Philippe Petit
No dia 7 de agosto de 1974, o jovem francês Philippe Petit andou durante uma hora sobre um cabo de ferro suspenso entre as duas torres do World Trade Center em Nova Iorque. Sem usar qualquer equipamento de segurança, o equilibrista fez piruetas sob o fio e sorriu aos policiais antes de ser preso, junto com o grupo de cúmplices, com o qual planejou o golpe em sigilo por oito meses, numa operação que envolveu inclusive um executivo das torres gêmeas que admirava o trabalho de Petit na França. Ironicamente, a proeza foi considerada o crime artístico do último século. Passados 34 anos, o cineasta James Marsh apresenta-nos O Equilibrista, documentário que nos leva até aos bastidores deste incidente que assombrou os novaiorquinos. Nesta ocasião para assistir a um espetáculo e não a uma tragédia.
Embora muitos casos semelhantes tenham acabado em tragédia, os desdobramentos de uma loucura como essa sempre rendem uma boa história. Philippe Petit felizmente teve um final feliz e sobreviveu para narrar os acontecimentos. Na fervilhante década de 70, ele era um desses jovens aventureiros malucos que não medem esforços para surpreender o mundo. Carismático e louco o suficiente para atrair admiradores, conseguiu fiéis escudeiros que foram importantes para dar cabo em seus “crimes” pelo mundo. Antes de subir no WTC, o equilibrista havia atravessado a catedral de Notre Dame na França e na ponte de Harbour, em Sydney, na Austrália. Em todas elas, sem proteção alguma.
O documentário nos mostra os detalhes da ação em Manhattam e como um simples erro poderia ter transformado o espetáculo em uma morte bizarra. Com entrevistas detalhadas e emocionantes do protagonista e dos idealizadores do golpe, o cineasta conta-nos com emoção os desdobramentos da ação, desde o plano para se infiltrar no WTC até os momentos de perigo que cada envolvido passou dentro das torres gêmeas. Os erros, os acertos e as desconfianças entre os franceses e os americanos da trupe de Petit rendem uma história surpreendente, com momentos tensos e cômicos. Surpreende também, as imagens de arquivo captadas pelos amigos do equilibrista e por emissoras de TV na época.
As fotos e vídeos em preto-e-branco são complementados com reconstituições encenadas de alguns momentos que não foram possíveis de registrar, como na cena em que Petit e os ajudantes se escondem dos seguranças das torres gêmeas para passar o arame de um prédio a outro no dia anterior a exibição. É uma pena que a trilha musical do filme seja comportada demais, o que diminui o impacto desses momentos de tensão.
Ao contrário de muitos documentários, James Marsh não se detém no protagonista. Em vez de realizar um raio-x da personalidade de Philippe Petit e justificar suas motivações, ele prefere centrar a história na obsessão do equilibrista pelo WTC nos tempos áureos em que os edifícios eram o cartão postal de Manhattam. Os momentos em que o cineasta “sublima” Petit na sua narrativa vemos um homem centrado, audacioso e extremamente autoconfiante. Na sua lógica ele fez aquilo não apenas porque era um sonho de adolescente, mas principalmente porque tinha certeza que podia. E mesmo sendo ele o personagem central desta trama é a sensação de nostalgia que compõe a aura do documentário. Deve dar um aperto no coração dos novaiorquinos assistir a esse filme e depois olhar para a janela e ver a paisagem da cidade deformada por um violento ataque terrorista. O lugar que antes era sinônimo de imponência transformou-se num ambiente de tensão e dor.
Ganhador do Oscar de melhor documentário e premiado em outros tantos festivais e associações cinematográficas, O Equilibrista é um filme encantador que conquistou o carisma do público e da crítica. Mais do que uma incrível façanha, o golpe de Philippe Petit exibe as torres gêmeas não apenas com um ex-reduto do poderio econômico norte-americano, mas acima de tudo como um pedaço de sonho realizado e depois destruído. Afinal, é um feito que não poderá mais ser repetido.