Central do Brasil é um de nossos filmes melhor reconhecido mundo afora, seja pelo fato de ter ganhado o Urso de Ouro na Alemanha, seja pelas indicações a Melhor Filme Estrangeiro e Fernanda Montenegro para Melhor Atriz no Oscar de 1999, mas acima de tudo, Central do Brasil serviu para legitimar o cinema realista feito no Brasil como o nosso "gênero por excelência". O que por um lado pode indicar certo cunho moralista de filmar o real, pode não na opinião de quem escreve o presente comentário, indicar certa tendenciosidade a mostrar o grotesco de forma bela, com objetivos comerciais, o simples fato de que nossas mazelas seriam uma forma de agradar ao público estrangeiro, já que alguns esperariam realmente isso vindo de um país de Terceiro Mundo como o nosso. Fato é que hoje somos sim conhecidos mundo afora por produzirmos filmes que se destaquem nesses aspectos, a pouco espaço para produções um tanto "abstratas", "simbólicas", cinema no Brasil é sinônimo de realidade, de protesto.
Em Central do Brasil, o diretor Walter Salles peca de fato no roteiro, no sentido em que se criam situações-problema apenas com o real objetivo de mostrar as mazelas, ou a cultura do interior de nosso país, sem que diretamente esteja ligado à história de Dora e Josué (prova disso, é a bela cena, mas sem nenhuma ligação com a história de nossos personagens, em que Josué - Vinícius de Oliveira - se perde no meio de uma procissão em uma das cidades que ele e Dora - Fernada Montenegro - passavam em sua jornada em busca do pai de Josué, pois fica a questão: até onde a cena serve para explicitar as dificuldades de Dora em levar o menino, ou para mostrar a cultura do local - fato que o estrangeiro adora? Alguns poderiam dizer que se trata das duas coisas. Eu, achei a filmagens de habitantes da própia região um tanto desnecessária).
Já a Direção de Meireles é sublime, ele própio dá o tom sentimental a obra, ponteando com as belas atuações de seus atores, exprimindo o sentimento exato, tirando do grotesco, do casual, embora, como já dito às vezes exagerando um pouco, as comoventes histórias que compõem a Central do Brasil. Revelando dois Brasis, um que é ponto de fuga para uma enormidade de pessoas - O sul, terra dos sonhos e de oportunidades, ou de decepção e fim da linha pra uns, ou o Norte - a terra marcada por religiosidade e assolada pela seca e pobreza.
As atuações são memoráveis, até os coadjuvantes Marília Pêra, Otavio Augusto e Othon Bastos, sim e Matheus Nachtergale está convincente como Isaías, o carioca Vinícius de Oliveira, então com 13 anos, interpretaria sem sombras de dúvidas seu mais intenso papel. Não a como não se comover com a história do guri Josué, que perde sua mãe, Ana, em um acidente no Rio de Janeiro e contará com a ajuda de Dora, professora aposentada que para completar a renda da casa escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil, porém nunca as entrega.
Todavia, falar de Central do Brasil é falar da interpretação de Fernanda Montenegro, uma das atrizes mais respeitadas de nosso país, que por seu papel foi indicada ao Oscar. Vendo hoje, acredito que foi até injustiça ela não ter trazido a estatueta pro Brasil, tá certo que ela concorria com grandes atrizes ao prêmio, mas fica aquela ponta de injustiça: primeiro, por que ela coloca a alma por completo em sua personagem; segundo: seu papel era sem dúvida o mais denso, mais mutável durante a película, mas cheio de condicionantes e ricos em interpretações.
Tecnicamente o destaque fica pela sensível Fotografia de Walter Carvalho (Cazuza - O Tempo não Pára e Amarelo Manga), além da categorica Trilha Sonora de Jaques Morelenbaum e Antonio Pinto, como também a Edição de Felipe Lacerda e Isabelle Rathery.
Enfim, Central do Brasil é um dos mais reconhecidos filmes brasileiros, um drama humano e real, com uma boa direção, boas interpretações que serviu para passar seu papel é cinema de qualidade, de vivacidade, "engajado",sério e direto.