A categoria e o estilo de Mike Nichols se resumem neste filme, onde o diretor exprime todo o seu talento e sua maestria em orientar de maneira excepcional tanto o elenco quanto o andamento do roteiro.
"Mrs.Robinson, você está tentando me seduzir?"
Esta frase corresponde ao quinto lugar entre as 100 melhores já ditas no cinema de todos os tempos, segundo uma votação realizada em 2007 pela revista Premiere. Essa e outras partes de diálogos afiadíssimos e contagiantes fazem do roteiro de Buck Henry e Calder Willingham algo ainda mais extraordinário e inédito. De uma forma completamente diferente de contar uma história a partir do ponto de vista de um recém-formado universitário. Neste caso, o jovem é Dustin Hoffman, que vive com fidelidade o personagem do livro de Charles Webb, Benjamin Braddock. Pedido, sem caber o que fará da vida depois da formatura, ele se vê completamente estasiado com a sua festa, mais parecida com homenagem de seus pais, ao filho que acabara de receber o diploma da faculdade. Apático e confuso, ele é seduzido por uma amiga de sua família, Mrs.Robinson, uma mulher bem mais velha que ele. Depois de ceder às tentações da mulher de um dos sócios de seu pai, Benjamin inicia meio que contrariado um romance com a mulher, até que a filha dela, Elaine, volta em férias da universidade e passa a mexer com o coração do rapaz.
De uma forma inédita e muito convincente, o roteiro de A Primeira Noite de um Homem passou por uma boa "viagem" antes de começar a ser rodado. Quando o produtor, Lawrence Turman leu o livro The Graduate, de autoria de Charles Webb, ele ficou encantado e disse ter se identificado com o personagem principal. Não perdeu tempo e decidiu fazer daquela história, que segundo ele, fantástica, um filme e comprou os direitos da obra por um preço muito baixo e acessível. Como precisava de um diretor, logo pensou em Mike Nichols, que na época tinha acabado de finalizar sua carreira como comediante e ingressava no mundo do teatro. Nichols, que aceitou imediatamente, partiu junto com Turman em busca de uma distribuidora para o que futuramente viria a ser um filme, mas durante dois anos, a única palavra que ouviu das pessoas foi "não". Mas as suas chances mudaram definitivamente quando Elizabeth Taylor, atriz no auge da época o convidou para dirigir o filme Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, que lhe rendeu seu segundo Oscar e a primeira indicação a Nichols. Foi o suficiente para o diretor ganhar o apoio de Joseph E. Levine, da Embassy Pictures. Com diretor e distribuidora resolvidos, ainda faltava um roteirista para poder finalmente dar sequência ao projeto de filmar o livro que conquistou Turman. Foi quando Calder Willingham escreveu o primeiro teste para o roteiro, que acabou não agradando nem a Turman, nem a Nichols. Eles chamaram então Buck Henry, que criou ao lado de Mel Brooks, o sucesso que um dia se chamaria Agente 86. O roteiro foi tão convincente e até mesmo cômico, que o produtor e o diretor resolveram juntar o de Henry e o de Willingham e ver no que daria.
Enfim, roteiro pronto, faltava agora uma das coisas mais importantes ou segundo Mike Nichols, a coisa mais importante que é a escolha do elenco. Foi difícil encontrar o ator certo para Benjamin Braddock. A produção ouviu centenas de rapazes, mas quem foi que mais agradou aos exigentes jurados foi mesmo o inexperiente e ainda desconhecido talento de Dustin Hoffman. Ele, pessimista, achou que seu teste havio sido um verdadeiro fiasco, mas foi o que mais se saiu bem, melhor inclusive que atores renomados na época como Robert Redford, que acabou desisitindo do papel, Anthony Perkins e o insatisfeito Charles Godrin, que pedia um salário maior que a distribuidora tinha a lhe oferecer. Enfim, Hoffman foi realmente o escolhido, e com mérito, mas ainda faltava a escolha do restante do elenco. Para interpretar Mrs.Robinson, Mike Nichols disse sempre ter em mente Anne Brancoft, mas acabou entrevistas outras várias atrizes antes de convidá-la como Ingrid Bergam, Shelley Winters, Deborah Kerr, Lana Turner, Susan Hayward, Eva Marie Saint e até mesmo Ava Gardner, mas quem acabou ficando definitivamente com o papel, marcante do cinema foi mesmo Brancoft.
Custando apenas US$3 milhões, A Primeira Noite de um Homem arrecadou mais de US$600 milhões em todo o mundo e, em valores reajustados com a atual moeda americana, ocupa a 18ª posição entre as maiores bilheterias da história, e como se isso não fosse muito, também é dono do mérito de ser o 17º melhor filme já feito desde a criação do cinema, segundo o AFI. O longa também recebeu sete indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, mas acabou levando somente a de Melhor Diretor para Nichols, que viu sua carreira deslanchar depois do sucesso inacreditável que o filme fez ao redor do mundo, que também levou Dustin Hoffman a um patamar artístico antes nunca esperado e ter dado a Anne Brancoft a fama eterna até mesmo depois de sua morte em decorrência de um câncer uterino, em 2005. Katherine Ross também teve a sua carreira afetada e sua indicação ao Oscar, assim como Hoffman e Brancoft levou a atriz a participar de importantes filmes como Butch Cassidy e Donnie Darko.
Agora, para analisar o melhor possível de cada departamento do filme, vou dividir este comentário em alguns parágrafos entitulados, a fim de facilitar a leitura.
1. A direção impecável de Mike Nichols.
Não é preciso babar mais o ovo de Nichols ainda para comprovar a alguém como o talento do diretor americano é surpreendente. Ele conseguiu o feito de controlar um roteiro ágil e direto, com cenas memoráveis e intocáveis sem apelar para baixarias nem procedimentos vulgares. Nichols pôde, a partir de uma história completamente livre de estereótipos, utilizar métodos de câmera ainda nunca vistos, com golpes de imagens absolutamente hilárias e simples, mas tão bem feitas que beiram à perfeição. Truques e uma fotografia colorida e cheia de novas técnicas garantem ao máximo o bom aproveitamento de cada cena do filme, que são dirigas a partir de um tom de classe antes nunca visto atrás das câmeras. Outro mérito do diretor, que não sejamos egoístas, não é só dele, é o fato de conseguir extrair uma das atuações mais elogiadas do cinema, de um ator jovem, de 30 anos mas ainda inexperiente, e que conquistou a todos que o assistiram. O Oscar de Nichols foi merecido e muito valorizado em sua carreira no futuro, que abriu muitas portas para ele.
2. As atuações impagáveis de um elenco que "fala somente pelo olhar".
2a. Dustin Hoffman:
A trajetória de vida de um ator famoso é bem mais interessante quando vista de perto. E se observarmos como Dustin Hoffman chegou ao estrelato e à fama vamos ver que ele sim, tem história de vida pra contar. Primeiro que ele jamais teria feito esse papel no cinema não fosse a indicação certeira que Buck Henry fez dele. Segundo, que se ele nunca tivesse feito esse papel no cinema, talvez ele não seria o ator renomado e experiente que ele é hoje. E terceiro, ele certamente não teria dois Oscars básicos em casa para vislumbrar em sua estante sempre que adentra em seus aposentos. Como Benjamin Braddock, o ator surpreendeu não só pela sua infinita capacidade de criar um personagem bem mais rico que o que está no livro, mas também em suas expressões, que misturam sentimentos diversos, que poderia jurar que ele está realmente sentido naquele exato instante da filmagem. Amor, paixão, liberdade, confusão, apatia pela vida, tudo se passa pelo rosto de Hoffman que parece, a cada papel, dar vida a uma personalidade diferente dele, ainda não revelada. Em 'A Primeira Noite de um Homem' não é diferente, o ator dá o máximo de si, e o resultado? A indicação ao Oscar de Melhor Ator, que somaria com mais seis no futuro e o Globo de Ouro de Melhor Ator Revelação.
2b. Anne Brancoft
A eterna Mrs.Robinson não é "só" a "eterna Mrs.Robinson" coisa nenhuma. Uma atriz experiente, que antes de morrer de câncer, deixou um Oscar de Melhor Atriz em casa, para enfeitar e lembrar a sua fantástica carreira no cinema. Por O Milagre de Anne Sullivan, em uma memorável interpretação, Brancoft se consagrou definitivamente pela história do cinema. Mas deve ser por "The Graduate" que ela ficou conhecida como a mulher dos olhos. Essa espécie de apelido se refere a uma passagem no filme que aqui estou comentando, na qual ela aparece em um close e sem dizer uma única palavra, ela simplesmente "diz" com os olhos. Depois, a câmera vai se afastando e ela finalmente fala o que já era esperado e de certa forma, compreendido pelo espectador. Por este filme, ela também recebeu sua indicação ao Oscar, e certamente teria vencido, não fosse Katherine Hepburn em uma interpretação pra lá de excelente, mas nem tão melhor assim, em Adivinhe Quem Vem para Jantar.
2c. Katherine Ross
Apesar de uns gritinhos, aqui, outros gritinhos ali, Ross simplesmente mostra todo o seu talento no papel de Elaine Robinson. Uma de suas melhores e mais marcantes cenas envolvem uma na qual ela está sentada de costas para uma stripper, enquanto ela dança sobre a sua cabeça e Benjamin ignora-a. Outra cena, que pra mim é uma das mais brilhantes do filme, é a cena final, na qual Ross e Hoffman estão sentados no ônibus (ela, vestida de noiva), que acabaram de fugir do casamento, e por incrível que possa parecer, eles só dão risada e quando param, não trocam uma única palavra. Nesta cena, não só Hoffman mostra a que veio, como Ross também prova ser uma atriz subestimada, e embora jovem, sabe fazer um papel muito bem, um papel muito além de uma mocinha, que foge com o amante do casamento.
3. A trilha: The Sounds of Silence by Simon & Garfunkel.
"Hello darkness, my old friend,
Ive come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence."
As trilhas sonoras fazem muita diferença na hora de editar um filme e com certeza, este 'A Primeira Noite de um Homem' não seria a mesma coisa não fosse as escolhas inteligentíssimas do departamento musical na hora de optar por quais canções iriam para a montagem final. The Sounds of Silence da dupla Simon & Garfunkel é talvez, a mais bela e correta canção do filme. Aparendo primeiramente no começo do filme, onde mostra Benjamin Braddock em uma espécie de esteira no aeroporto, enquando aparecem os créditos iniciais embalados pela música. Com pouca diversidade, mas com canções muito interessantes, a trilha acabou se tornando um marco do filme, e assim como em Pulp Fiction - Tempo de Violência, ela tem uma importância significativa para toda a produção.
"...In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of
A neon light
That split the night
And touched the sound of silence."
'A Primeira Noite de um Homem' é um belo filme, com detalhes minuciosos e perfeitos que fazem toda a diferença, mas este não é um filme difícil de se acompanhar, mas sim uma obra ágil e livre de clichês, mesmo com cenas que já foram vistas em outros lugares, não tropeça um único segundo, a não ser por algumas cenas que se mostram arrastadas demais, mas fora isso, o filme se torna agradabilíssimo e uma comédia romântica inesquecível e até mesmo polêmica. A cena final, que fora cortada em Portugal devido ao regime militar (que não queria os jovens fazendo coisas erradas), inclui quando Benjamin aparece no vidro da Igreja onde Elaine está se casando e ele bate com força, gritando o nome dela. Nesta cena, muitos dizem que foi um reflexo aparentemente de Jesus Cristo na cruz, e por isso, o filme foi alvo de críticas por parte da Igreja e pessoas vinculadas aos meios religiosos. Um retratado fiel tanto ao modo de viver dos anos 60 como uma aula de como se fazer cinema com o mestre Mike Nichols, que dirige o filme como um verdadeiro mestre, onde tudo é belissimamente caprixado, desde a fotografia diversa até as hilárias e inusitantes cenas. Um filme memorável, um verdadeiro marco do cinema, que jamais será esquecido.
"Goodbye, Benjamin"