Al Pacino brilha mais uma vez em um filme dirigido por Sidney Lumet, baseado no primeiro assalto transmitido pela televisão.
Um Dia de Cão, apesar de ter um roteiro completamente original, livre de qualquer tipo de adaptação, foi inspirado em um dos assaltos mais conhecidos e populares da história da cidade de Nova York. Era verão de 1972 quando dois homens adentraram em um banco novaiorquino a fim de assaltá-lo. O que era para durar apenas alguns minutos se prolongou por várias e difíceis horas de negociações e provocações, com a chegada da polícia.
A idéia de trazer esse episódio importante na história da polícia de Nova York para os cinemas veio de um amigo do produtor Martin Bregman, que logo se interessou pelo artigo publicado na revista "Life", escrito pelas mãos de P.F. Kluge e Thomas Moore a respeito do tal assalto. O produtor comentou que ficou curioso pela história por se tratar de um tema pouco expansivo e ainda não muitas vezes visto no cinema. A história vai muito além de um simples assalto com negociações normais. O principal assaltante, John Wojwicz e seu parceiro não eram bandidos experientes e não faziam a menor idéia do que diabos estavam fazendo. Durante todas as horas de duração do assalto, os assaltantes não feriram e maltrataram ninguém, eles simplismente tratavam bem e se preocupavam com os reféns. Logo a história se torna mais inédita e exclusiva ainda, quando a "mulher" de John aparece no local do assalto, a pedido dele. Acontece que essa "esposa" era um travesti, com quem John casou-se em uma Igreja, apesar de já ter uma mulher e dois filhos. As principais exigências de John, eram na verdade muito simples, ele queria um ônibus para ele e seu parceiro poderem serem levados ao aeroporto e mebarcarem em um jatinho para a Argélia. Foi com o propósito de mostrar essa diferente história na televisão, que Bregman procurou o roteirista Frank Pierson para escrever o seu roteiro.
Pierson poderia fazer uma história extremamente fiel ao artigo publicado naquela revista em 1972, porém ele decidiu ser o mais criativo possível. Adotando o ponto de vista do assaltante e não da polícia e muito menos das emissoras de televisão. Além disso, Pierson decidiu relatar a história somente no dia do assalto, mostrando os detalhes, como o fato de ser o primeiro sequestro de reféns transmitido ao vivo pela televisão e também a multidão que se aglomerou em volta do banco, para acompanhar as negociações, assim como o comportamento revoltante contra a polícia e a favor do assaltante, que foi logo vítima de simpatia e carisma com o público ali presente. A partir daí, John virou Sonny, interpretado por Al Pacino. Esses fatos só engrandecem essa história bastante incomum que rendeu em um dos melhores filmes daquele ano de 1975 e foi talvez o melhor e mais produtivo e corajoso filme que Sidney Lumet já dirigiu.
O roteirista porém, enfrentou alguns problemas para escrever o seu roteiro, uma vez livre de qualquer peça que fosse importante para uma adaptação, ele queria pelo menos entender como os verdadeiros reféns se sentiram nas mãos de um assaltante tão diferente e mal preparado. Frank Pierson também entrevistou os policiais que lá estavam presentes e alguns moradores do local, tal como certas pessoas que estavam em meio a toda aquela multidão. Ele conseguiu reunir informações o bastante, mas Pierson ainda queria falar com o próprio assaltante. depois de uma série de insistências mal sucedidas, John Wojwicz decidiu não falar com o roteirista e ele teve que escrever o seu roteiro de acordo com o que ouviu nos relatos de quem teve a oportunidade de entrevistar. Ele também criou algumas partes, os diálogos foram livremente escritos e muitas vezes alterados.
Logo que recebeu o convite para escrever o roteiro do filme, Pierson pensou nos nomes de Sidney Lumet e Al Pacino, para dirigir e interpretar o assaltante, respectivamente. Lumet aceitou de primeira, mas Pacino demorou um pouco para aceitar o papel, já que estava cansado e havia acabado de filmar 'O Poderoso Chefão: Parte II', que lhe exigiu muito. Mas acabou cedendo e as gravações começaram logo.
Era outubro de 1975, quando as filamgens finalmente começaram. A previsão era que elas durassem aproximadamente mais de um mês, mas devido a rápida execução dos acontecimentos, duraram apenas três semanas. Apesar de se passar em um dia quente de verão, o mês de outubro nos Estados Unidos já é outono e faz frio. Por isso, os atores que filmavam cenas nas áreas externas tiveram de pôr cubos de gelo na boca, para não sair aquela fumacinha da boca, típica de uma manhã de frio. Apesar de finalizarem as filmagens antes do prazo final previsto, a equipe sofreu com alguns imprevistos e contratempos. Os atores John Cazale e Lance Henriksen tiveram uma crise de riso incontrolável, um pouco antes de gravarem as cenas finais. Segundo os que estavam por perto, essa crise de riso durou aproximadamente uma hora. Outra curiosidade, que serviu para atrasar um pouco as filmagens foi por conta da atriz Penélope Allen, que interpreta Sylvia simplismente não quis sair do ônibus quando deveria fazê-lo, na cena em que os policiais abordam o furgão, a fim de prender Sonny. Ela disse que não queria deixar Al Pacino sozinho no ônibus e o diretor Sidney Lumet, antes de iniciar a próxima tomada, pediu para a atriz sentada ao seu lado que a empurrasse caso ela não quisesse cair, e que um dos policiais ao lado do ônibus, a amparasse se ela caisse. Fora esses pequenos problemas, as filmagens foram rápidas e fáceis.
Como o excelente diretor que é, Lumet sempre exige o máximo de seu elenco. Na cena em que o personagem Sonny fala com Leon no telefone, o diretor queria que ele logo em seguida falasse com a sua mulher também. Como são muitas as falas, Al Pacino ficou exausto, até porque teve que repetir algumas vezes. Na verdade esse era o objetivo de Lumet, cansar o ator ao máximo, para assim ele não saber exatamente o que estava fazendo. Segundo Pacino algumas cenas e passagens do filme eram simplismente insuportáveis de serem filmadas, devido ao cansaço tremendo que os atores sentiam em um ambiente tão abafado como era o local onde as filmagens internas aconteciam. Na verdade, o filme todo não foi gravado em estúdio, já que o diretor queria que houvesse uma entrosamento do local das filmagens (no filme, o banco) com a rua, onde várias cenas seriam gravadas. Então a locação ficou no Brooklyn, onde havia funcionado uma oficina mecânica. Os cenários, resposáveis por Douglas Higgins, deixaram o local idêntico a um banco normal.
Lumet também dava certas liberdades a um elenco novato e muito nervoso. Querendo que eles apenas se lembrem de que estão interpretando funcionários de banco, o diretor liberou-os para usarem as próprias roupas, tiradas de seus armários e a pedido de uma das atrizes, ele também liberou-as para improvisarem algumas falas, caso fossem necessárias, o que provocou algumas mudanças no roteiro de última hora. No assalto real, havia uma grande multidão ao redor da cena principal. Para mostrar isso no filme, o diretor chamou algumas pessoas que circulavam por lá naquele momento, assim como estudantes que matavam aula, caminhoneiros, donas de casa, etc. Ao todo, 200 pessoas se amontoaram em volta para servirem de figurantes. Mas logo depois, os próprios moradores do local, como outras pessoas que andavam por lá naquele momento, foram se reunindo ao grupo de figurantes. No final, mais de 1200 pessoas estavam presentes, e quando o personagem de Al Pacino aparecia, eles gritavam algumas palavras, por vezes de acordo com a orientação do diretor Lumet, outras sem a mesma.
Na cena em que Sonny é preso, as filmagens ocorreram de longe, pois o diretor optou pelo uso da lente teleobjetiva, para que assim não houvesse nenhum tipo de intervenção por parte de Lumet.
Deixando de lado os bastidores da produção, é hora de comentar sobre o elenco de 'Um Dia de Cão'. Obviamente o destaque de todos os atores é Al Pacino, em uma das melhores atuações de sua carreira. Provando ser um grande e magnífico ator, Pacino interpretou de forma correta, sem exageros e de forma brilhante e sensacional. Podemos dizer o mesmo do elenco de coadjuvantes, que apesar de alguns não terem experiência alguma em frente às câmeras, como os funcionários do banco, as tais liberdades que o diretor permitiu certamente fizeram efeito e todos eles estavam muito mais a vontade em seus respectivos papeis. John Cazale também está ótimo, seco e brilhante. Ele já havia trabalho anteriormente com Pacino nos dois primeiros filmes de 'O Poderoso Chefão', antes de falecer de câncer, em 1978. O novato Chris Sarandon também demonstrou ter talento como o travesti do filme. Na cena em que ele fala por telefone com Sonny (totalmente improvisada, diga-se de passagem), o ator mostrou ser grande e capaz de feito incrivelmente maiores. O fato é que a direção correta e liberal de Sidney Lumet ajudou e muito na preparação dos atores, que ficaram muito mais a vontades de expressarem seus talentos, e como no caso dos mais experientes (Pacino e Cazale), provarem e expandir seus talentos.
A escolha da atriz para interpretar a mãe de Sonny foi muito interessante. A atriz Judith Malina foi escolhida para o papel porque Sidney Lumet sabia que Al Pacino a tinha como um ídolo. Ela trabalhava no grupo vanguarda "Living Theatre". Malina já esteve no Brasil em 1971, enquanto ensaiava um peça em Ouro Preto. Porém, ela e seus companheiros de teatro foram presos e depois, expulsos do país. Eles foram acusados de ligação com o "movimento subversivo nacional", que era altamente condenado na época.
A parte técnica do filme também não deixa nem um pouco a desejar. A belíssima e simples fotografia de Victor J. Kemper fez de algumas cenas verdadeiras pinturas. A montagem de Dede Allen e Angelo Corrao, que foram indicados ao Oscar por esse trabalho, também é competentíssimo, com cortes de cenas certíssimos e deixando um filme tão complexo com pouco mais de duas horas de duração. É interessante notar que o filme não possui trilha sonora alguma, mantendo um clima mais tenso possível.
'Um Dia de Cão' talvez seja o filme mais corajoso dos anos 70. Além de retratar um assalto famoso, julgar a polícia americana, que na época já estava bastante desmoralizada devido a inúmeros escândalos já é uma atitude admirável. Além disso, é um dos primeiros filmes a retratarem a questão gay e adotar em parte a questão transsexual. Uma das falas mais ousadas do filme talvez seja a que Sonny dita em voz alta no seu testamento: "A Leon, a quem amo como nenhum homem jamais amou outro homem...". Realmente, foi uma escolha bastante corajosa, devido ao alto índice de preconceito que tinha nos Estados Unidos durante a década de 70.
Apesar de ter um ritmo acelerado, já que a história se passa toda em apenas um dia, o filme tem um tom um tanto melancólico e as cenas finais, apesar de serem as melhores, ajudam para que o filme se torne algo ainda mais melodramático e tenso. Quem espera um filme de ação, com perseguições e tiros vai se decepcionar. O barulho de uma arma disparando acontece somente duas vezes em todo o filme.
"Estou morrendo aqui". Esta fala é um exemplo do quão melancólico o filme se torna. Ele repete isso uma centena de vezes, e na verdade le não é nenhum psicopata e ninguém que poderia fazer mal a outra pessoa. É apenas um modo de conseguir o que quer, e em determinadas situações, ele pode conseguir ou não.
No artigo publicado por Kluge e Moore, eles comentaram abertamente que o assaltante tinha feições parecidas com os atores Al Pacino e Dustin Hoffman, por coinsidência ou não, quando Pacino estava prestes a abandonar de vez o papel antes de aceitá-lo, Hoffman chegou a ser chamado para substitui-lo, caso Pacino não realmente se recusasse a atuar no filme.
Uma outra curiosidade é que o assaltante verdadeiro, John Wojwicz assistiu ao filme 'O Poderoso Chefão' no dia do assalto, no qual, como já foi dito, Al Pacino e John Cazale trabalharam juntos. Ele também declarou, depois de conferir o filme, que poucas coisas foram fiéis à história original e que ele nunca havia cogitado a hipótese de abandonar o seu companheiro Sal. Ele elogiou as interpretações dos atores do filme, dizendo que se mantiveram fiéis aos personagens reais.
É altamente recomendado a todos aqueles que apreciam um filme diferente, com uma história ousada e um elenco brilhante, experiente e iniciante, na mesma proporção. Sidney Lumet se torna um dos diretores mais respeitados de sua época por dirigir esse filme. Um filme "do cão", no bom sentido.