7+ | Festival do Rio 2019
O 21º Festival do Rio quase não aconteceu, pois sentiu os mesmos problemas financeiros que afetaram o cinema e a cultura como um todo nesse conturbado ano de 2019 para o Brasil. Apesar disso, o evento transcorreu muito bem e sem maiores problemas. À exceção da censura ao crítico Bruno Galindo após pressão da equipe de A Interrupção, é preciso dizer. Mas, no geral, foi um ótimo festival. Bem organizado e tendo seu adiamento, ao que parece, impedido a disputa de exclusividade ocorrida com a Mostra de São Paulo nos últimos.
Assim, o Festival do Rio pôde contar com o melhor da cinematografia mundial em 2019. Alguns dos filmes e autores mais importantes do ano passaram pela Cidade Maravilhosa mais uma vez. Como você verá em nosso 7+ com os filmes prediletos do Cineplayers dessa edição da mostra cinema mais importante da cidade. Você também confere abaixo as listas individuais e os relatos meu, do Brum e do Carbone dessa cobertura para cada um, e um pouco de como nós fizemos a melhor cobertura do evento na história do site.
7. A Jaqueta de Couro de Cervo (Le Daim, 2019), Quentin Dupieux
"Quentin Depieux faz de seu novo longa-metragem uma experiência cativante de diversas maneiras: por sua comédia ímpar e idiota (e, para quem gosta, genial); por um ar familiar de suspense que mais que envolve, abraça o espectador; por cenas de ação e gore que concretizam de forma maravilhosa as suas ideias malucas; e por, além de tudo, fazer várias críticas bem-humoradas à sua própria arte, à produção cinematográfica independente, às interpretações pomposas de críticos a obras simplórias e às possíveis respostas cínicas de realizadores frente a leituras tão mais interessantes que seus próprios filmes e intenções. A Jaqueta de Couro de Cervo é o Hermes e Renato da fase O Proxeneta, Tela Class e Sinhá Boça. E esse Depieux no auge desponta como um dos autores mais destacados da tradicional cinematografia de seu país em 2019 — tanto pela singularidade, como pela estrita qualidade do que faz."
6. Vitalina Varela (idem, 2019), Pedro Costa
"Soterrados pelo luto que o Velho Mundo legou, Pedro Costa refaz sua trajetória extremamente masculina no cinema ao instituir uma mulher imigrante à reconstrução urgente do espaço habitado, espaço esse na qual o Estado se conformou em caminhar sobre os próprios restos. Será a voz feminina dissonante do estado das coisas que empreenderá o vento da mudança, ainda que em face do sofrimento extremo pelo qual passa e sob o qual reflete, ainda em vista da decrepitude clara que se abate sobre corpos e cenários. A imagem final é a síntese de um filme amedrontador em cada esquina mostrada, mas que compreende a necessidade de negar a prostração diante do medo. Da renovação, da revolução, do futuro. Mesmo que esse futuro seja o fim."
5. Uma Vida Oculta (A Hidden Life, 2019), Terrence Malick
"Ao questionar valores que ele mesmo sempre apregoou, Malick consegue cortar um ciclo e avançar em sua filmografia, com um olhar distanciado a respeito de temas caros a si. Com o auxílio de uma dupla de protagonistas esplêndida e um corpo de elenco nunca menos que impressionante em seus lugares, esse novo filme justifica o retorno da mitologia em torno de seu nome por voltar a avançar em construção filmográfica de maneira inovadora ainda tecnicamente, e ao mesmo tempo reafirmar um lugar de impacto cinematográfico com seu cinema que sempre ultrapassou o clássico ao criar pra si uma linguagem que muitos copiaram. Aqui, temos um Malick propondo Cinema na construção de mitos e na dissolução de verdades absolutas, ambas que se empregam inclusive na sua própria carreira."
4. Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu, 2019), Cèline Sciamma
"Câmeras leves e tecnologias modernas como a steadycam não combinam muito com a França do século 18, então a diretora passa a adotar uma postura mais clássica e um registro mais distanciado. Assim investindo no tempo e no espaço como ferramenta de imersão do público na conjuntura de suas personagens: duas mulheres, uma pintora e sua modelo, vidradas uma na outra em um casarão isolado à beira-mar. Os cenários se repetem, as situações, de certa forma, também, o quadro fecha e se fixa em seus olhares, os planos se alongam. Uma preparação arrastada que evoca a dificuldade de se consumar um romance proibido. E redundará em cenas de sensualidade extrema e singular, já que todo esse processo de sedução terá uma forma que reflete a sua essência: furtiva."
3. Jojo Rabbit (idem, 2019), Taika Waititi
"Nenhum outro artista receberia um voto de confiança tão grande — da indústria, do público, da imprensa, geral! — ao surgir com um projeto tão espinhoso como uma sátira sobre a Segunda Guerra Mundial, o Nazismo e Adolf Hitler. Ainda assim, é espantoso o que Taika Waititi consegue extrair de Jojo Rabbit (idem, 2019). Sem incorrer nas diversas armadilhas possíveis de seu argumento audacioso, como o melodrama cafona e a paródia de mau gosto. Assim, dentre as muitas referências visuais, temáticas e estruturais que o filme evoca, a que mais chama atenção é O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940). Justamente por ironizar de forma lúdica e "responsável" o horror da guerra, fazendo comédia a partir da visão de mundo absurda do opressor. O outro predicado de Waititi que faz jus ao clássico de Charlie Chaplin é a extrema habilidade de articular essas gags de uma forma cinematograficamente impecável."
2. Sinônimos (Synonymes, 2019), Nadav Lapid
"Lapid faz valer sua narrativa em três instâncias, tanto como peça independente que rememora os anos de 1960 em uma Europa de sonho, quanto como petardo político-social de denúncia e protestos contra o Estado israelense, e até como produto de fantasia obra de uma mente entediada. No acúmulo de possibilidades, o filme não faz qualquer escolha e aceita ser todas. Com um belo elenco dominado pelo desempenho avassalador de Tom Mercier e um trabalho de edição dos mais superlativos do ano, Synonymes é um caso cada vez mais raro no cinema, em que suas ferramentas e sua bagagem narrativa complementam uma experiência, mas não a encerram em si."
1. O Farol (The Lighthouse, 2019), Robert Eggers
"Experiência dos sentidos, assim poderíamos definir O Farol, novo filme de Robert Eggers. Por trás das chaves que o diretor emprega diretas do horror, é no mínimo imprudente encerrar suas características a convenções de gênero apenas, sendo esse um filme com muito mais substância a oferecer. Sem entrar em bobagens de teses que já nascem furadas sobre pós isso ou aquilo, a essência dessa produção a cargo de Rodrigo Teixeira é oriunda das bases do horror na História do Cinema: personagens encerrados em um ambiente progressivamente claustrofóbico duelam pela sanidade de um e de outro, ao passo que um horror diário e comum ganha contornos cada vez mais concretos. Ou não."
Bernardo D.I. Brum
"Muitos filmes e diretores prometiam nesse Festival e muitos dos colegas jornalistas do nosso e de outros veículos foram presença garantida nos maiores lançamentos: difícil foi ver alguém que você não conhecia na saída de filmes como O Farol, Vitalina Varela ou Jojo Rabbit. Mas e aqueles filmes que só passam no festival? Os primeiros filmes de diretores dos mais remotos cantos, do nordeste do Brasil ao interior da China? E os experimentos estéticos que vencem prêmios alternativos conceituados? Esse foi o recorte que resolvi aplicar esse ano, e a lista abaixo configura como o resultado do que, literalmente, foi explorar o "lado B" de um festival, as sessões menos competidas, os filmes que provavelmente não entrarão no circuito. Um experimento maluco? Bom, de qualquer forma deu seus frutos. Veja abaixo."
7+ do Brum
1. The Climb (idem, 2019), Michael Angelo Covino
2. Technoboss (idem, 2019), João Nicolau
3. Espírito Vivente (Vif-argent, 2019), Stéphane Batut
4. A Garota da Pulseira (La fille au bracelet, 2019), Stéphane Demoustier
5. Aqueles Que Ficaram (Akik maradtak, 2019), Barnabás Tóth
6. O Primeiro Adeus (Di yi ci de li bie, 2018), Lina Wang
7. Amazing Grace (idem, 2018), Alan Elliott, Sydney Pollack
Francisco Carbone
"Apesar de todas as ameaças de transtorno, de possível cancelamento, de diminuição de atrações e filmes, de datas mudadas, esperava-se um caos maior, emocional e/ou operacional, envolvendo a edição 2019. No lugar disso, um festival enxuto sim mas com um resumo do que será o melhor do circuito em 2020 e algumas pérolas que infelizmente não tem previsão de chegada por aqui, como os novos de Werner Herzog e Takashi Miike."
7+ do Carbone
3. O Farol (The Lighthouse, 2019), Robert Eggers
4. Uma Vida Oculta (A Hidden Life, 2019), Terrence Malick
5. Vitalina Varela (idem, 2019), Pedro Costa
6. A Jaqueta de Couro de Cervo (Le Daim, 2019), Quentin Dupieux
7. Primeiro Amor (Hatsukoi, 2019), Takashi Miike
Rodrigo Torres
"Esse Festival do Rio foi o mais inusitado de todos também para mim. Pela primeira vez desde 2012, quando comecei a cobrir o evento como crítico, eu não consegui credencial de imprensa. Por uma combinação de diversos fatores — das limitações do festival aos meus problemas com celular e tecnologia como um todo (meus amigos sabem). Mas esse contratempo resultou em coisas muito boas. Meu festival mais saudável em muito tempo, tendo visto menos filmes que o de costume, dormido mais e me alimentado melhor. Também aquele em que os produtores mais legais me deixaram entrar quando as salas estavam vazias (e até quando nem tanto). Amigas e um amigo de onde eu trabalhava (Laysa Zanetti, Vitória Pratini, Igor Lima e Sarah Lyra) me deram ingressos para sessões concorridas, e com o Pedro Tavares eu tomei umas com o Pedro Costa — a quem eu apresentei a Anitta ("descubra"). Junte tudo isso à parceria de profissionalismo e camaradagem ao lado de Francisco Carbone e Bernardo D.I. Brum e o resultado é essa cobertura maravilhosa, feita cos os melhores sentimentos possíveis."
Como comentei na matéria de cobertura do festival, sensacional o trabalho do site. Seleção de filmes do Festival foi muito boa, pena mesmo q eu só tenha conseguido assistir a um filme, mas vou usar essas listas como ajuda.