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Críticas

Katyn

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[ Andrzej Wajda reconstrói o fatídico massacre de Katyn na Polônia ]

A 2° Guerra Mundial é, sem dúvida alguma, o assunto mais abordado pelo cinema. Tanto na Europa como nos Estados Unidos. Mas em nenhum lugar do mundo o conflito lançou trevas tão devastadoras quanto na Polônia. O país que serviu de front tanto para a Alemanha quanto para União Soviética acabou sofrendo nas mãos dos dois países durante o conflito. Os poloneses ainda não apagaram da memória o genocídio sem precedentes a que foram submetidos. As cicatrizes permanecem abertas na lembrança dos sobreviventes. Dois deles, figuram no hall dos maiores cineastas europeus. Roman Polanski perdeu a família inteira na guerra. Com O Pianista ele transpôs indiretamente na tela os horrores que testemunhou nos campos de concentração. Cinco anos depois de Polanski ter ganho seu primeiro Oscar de direção com o filme, foi a vez de outro conterrâneo seu, exorcizar o sofrimento num comovente longa metragem.

Centrado numa falsa verdade histórica, o diretor Andrzej Wajda relata o massacre de mais de 20 mil oficiais polonês ocorrido na floresta de Katyn, que dá título ao filme indicado ao Oscar de Melhor produção estrangeira no ano passado. É aquela velha máxima de que a verdade é sempre contada pelos vencedores. E como em 1945, a União Soviética levou a melhor sobre a Alemanha, a Polônia foi anexada aos soviéticos, o crime de guerra recaiu sobre os alemães quando na verdade ele foi cometido por Stálin.

Tudo começa em 1939. Após a invasão da Polônia pelos nazistas, tropas russas ocupam o leste do país. Mesmo não declarando formalmente guerra, oficiais poloneses são mantidos sob custódia pelos soviéticos e enviados a campos de concentração. Um deles é Andrzej (Artur Zmijewski), que nega se a desertar o posto e fugir sua esposa Anna (Maja Ostaszewska) para honrar seu compromisso com o exército. Anna então se junta a outras mulheres polonesas na esperança de o marido retorne. Em 1943, são descobertas as covas de Katyn que logo são atribuídas aos nazistas. As poucas pessoas que sabem a verdade são silenciadas pelos soviéticos. A verdade sobre o massacre só é confirmada tempos depois através do diário de prisão de Andrzej.

Conduzido com sobriedade por Wadja, Katyn dedica-se a particularizar o sofrimento das famílias dos oficiais e de todos aqueles que se insurgiram contra a mentira. Mas a homenagem do diretor recai principalmente à sua família. O pai Jakub Wadja foi um dos oficiais mortos no massacre. A mãe Aniela, a viúva que amargou por anos a esperança de encontrar o marido vivo.

Entre tantas acusações que precisavam ser feitas, o diretor também acha um espaço no seu filme para criticar a religião. A cena é emblemática. Logo no início do filme, um padre reza ajoelhado sob uma cruz estirada no chão. O rosto de cristo está tapado por um casaco. Mais adiante, surge outra alfinetada na qual um padre –mais por medo do que por convicção- não permite que uma mulher coloque na lápide do irmão a verdade do massacre.

Com uma competente reconstituição de época e uma película de tom cinza que reforça a idéia de sofrimento dos poloneses, dá pra se dizer que Wajda não deixou de ser acurado com a parte técnica da sua produção. A plasticidade do desfecho é digno das melhores produções de Hollywood. E se na primeira hora o filme fica um tanto cálido, os trinta minutos finais tratam de incandescer o espectador.

Octogenário, ganhador de Oscar honorário e de vários Cannes, o cineasta poderia estar em casa cuidando dos cachorros, mas continua na ativa. Ainda nesse mês, Tatarak seu último filme, será lançado na Polônia. Se manter o nível, pode continuar assim até os cem…

http://blig.ig.com.br/planosequencia/

Críticas

Na Natureza Selvagem

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[Keruac à Go-Go]

Incrustados em espaços desabitados do planeta Terra, os últimos remanescentes da geração beat devem estar orgulhosos com Sean Penn. No seu quarto longa de ficção na carreira, o mutipremiado ator mostra que também tem talento atrás das câmeras ao contar com muita emoção e personalidade uma história real sobre um mochileiro que coloca o pé na estrada para viver a aventura de sua vida.

Depois de concluir seus estudos, o aluno e atleta Christopher McCandless (Emile Hirsch) abre mão de uma carreira promissora e do status de ter as melhores notas da turma para se aventurar numa jornada de auto-conhecimento. O jovem doa todas as suas economias - cerca de US$ 24 mil - para caridade, coloca uma mochila nas costas e parte para o Alasca a fim de viver uma verdadeira aventura. Ele escolha a região gelada justamente por ser o lugar que considera mais selvagem e de difícil adaptação no país. Ao longo do caminho, Christopher muda seu nome para Alexander Supertramp para não ser reconhecido pela polícia cujos pais colocaram em seu encalço. Durante a aventura se depara com uma série de personagens que irão moldar sua vida para sempre.

Baseado em artigo escrito em 1993 por Jon Krakauer, a comovente história real Chris McCandless virou livro antes de parar nas mãos de Sean Penn. Com belas imagens e uma montagem vigorosa – indicada ao Oscar na categoria-, Na Natureza Selvagem configura-se como um dos grandes filmes de 2008. Segurando as pontas do início ao fim do filme, Emile Hirsch provou ser uma grande promessa. Junto com o jovem, destacou-se também o veterano Hal Holbrook indicado a melhor ator coadjuvante. Ele interpreta o militar reformado Ron Franz, a última pessoa a ver Supertramp, antes de embrenhar-se no Alaska.

Penn mostra uma direção segura. Até demais. Esse excesso de confiança fez com que ele achasse que um filme com quase 2h30min de offs não ficaria cansativo. Mas ficou. Outra coisa que não passou pelo crivo da integridade foi os excessos a que o personagem do Emile Hirsch foi submetido.

Cenas onde ele fala com a maçã ou quando despeja riponguices de que não se apega em valores materiais e que procura algo pra motivar sua existência são histórias pra se contar pra vendedor de narguilé. Equívocos que impediram Na Natureza Selvagem de ter um resultado melhor.

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Poucas e Boas

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“Emmet Ray é o segundo maior violonista de jazz do mundo. Ele só é suplantado em talento por um belga de origem cigana chamado Djando Reinhardt, o qual ele não pode escutar sem ser levado as lágrimas. Também não o pode ver sem sofrer um delíquio. Ray também é fantástico, um gênio, só que não consegue se adaptar dentro do mundo real. Ele também é um jogador de bilhar, um cafetão e cleptomaníaco. Ele conhece uma jovem lavadeira muda que despreza em um primeiro momento, mas pela qual cai amoroso. Não aceitando se quedar a tal sentimento ele a abandona e acaba casando com uma jornalista que leva uma vida tão mundana como ele. Essa união está condenada ao fracasso desde o princípio. Com o fim do relacionamento ele busca a antiga amada e a encontra já comprometida. O filme termina com uma cena em que cada um dos que a narram tem uma versão distinta. Emmet Ray desaparece do cenário artístico lentamente, logo após destruir seu violão em um momento de angústia maior...”

Não é de hoje que Allen nos presenteia com uma obra por ano. Também é sabido por todos que seguem a sua carreira a predileção que ele tem pelos documentários (ou falso documentários) pontuados pela opinião de entendidos pela época e pelo retratado. Foi assim em “Um assaltante bem trapalhão”, “Noivo neurótico, noiva nervosa”, “A Era do Rádio” e “Zelig”. Ainda que esse filme não nos leve a gargalhada como em “Um assaltante bem trapalhão”, nem atinja a genialidade de “Zelig”, não deixa de ser uma obra desprovida de encantos. É um filme que cresce muito, à medida que o recordamos. Não nos laça de imediato.

O filme recebeu indicações aos oscar pelas atuações realmente competentes de Sean Penn que constrói um violonista que cativa pelo que tem de inapto e de Samanta Morton que cria uma Hattie (uma lavadeira muda) que lembra muito as performances das atrizes do cinema mudo.

A questão que me desperta seria: Quem é o retratado no filme. Ora, sabemos que Emmet Ray é uma criação da mente de Allen, levada as telas num desempenho correto de Sean Penn. Mesmo assim essa figura fictícia pode nos levar a crer (ou ver) que o verdadeiro retratado é Django Reinhardt, o cigano belga que se deixou influenciar pelo jazz e se imortalizou. O que Allen em suma fez foi refletir Django em solo americano (o qual fora por sua vez um reflexo do jazz em solo europeu). Aqui é necessário postar algo a respeito do jazz. Esse estilo musical (antes da chegada do rock) aglutinou a canção tradicional o legado cultural dos negros e ganhou o mundo. Em solo americano foram os judeus os primeiros a se apresentar perante o grande público já que era possível aceitar assim, em uma sociedade tão racista, a arte superior dos negros. No caso tupiniquim foi o chorinho (a forma é originalmente brasileira, mas o fenômeno possui semelhanças com o jazz) executado pelos negros e mestiços em cidades como Porto Alegre e Rio de Janeiro principalmente. O filme retrata com fidelidade a década de trinta nos EUA. A fotografia de Fei Zhao contribui muito para tornar tudo tão crível, além da presença de atores negros que dão sustentáculo ao retratado por Allen. Porém Allen não é tão simples para se findar de maneira tão rápida. Pode-se pensar também, sem medo de errar, que o próprio retratado é o diretor. Allen colocaria nas telas um de seus medos. Django Reinhardt representaria aqui Bergman ou Fellini( Emmet Ray seria o próprio diretor). É sabido que Allen tem uma autocrítica muito desenvolvida, além de sempre demonstrar admiração pelos diretores citados, que o fazem sempre sentir um diretor que fica a sombra daqueles. É a forma de se exorcizar aquela sensação de se saber incompleto.

Já afirmei em vários outros comentários que Allen mesmo nos dias de hoje permanece buscando novas formas de apreender o mundo e de mostrar novas vertentes de seu talento. Não é um diretor em decadência. É um gênio que busca novas formas de se expressar. E tal já se deu em várias épocas de sua carreira. Em suma uma obra que merece destaque e sobre a qual qualquer impressão longe esta de ser a definitiva

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Dragonball Evolution

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Mais uma adaptação de Quadrinhos chega às salas de cinema, dessa vez, porém, não é uma HQ americana, é um mangá, as histórias em quadrinhos do Japão. Apesar da origem nipônica de Dragon Ball – que teve seu nome mudado para Dragonball, no filme – a produção é ocidental, e, avaliando o histórico de produções orientais reproduzidas sob a óptica ociental , esse aspecto se torna assustador.

Dragon Ball é uma famosa série de mangás, criada po Akira Toriyama, lançada entre 1984, em 42 volumes. De enorme sucesso no Japão e no mundo, a saga foi transformada em anime – animações japonesas – e repetiu o sucesso nas telas. Repleto de elementos fantásticos, com forte influência dos mitos japoneses e chineses, o mundo de Dragon Ball é mágico. A obra de Akira Toriyama deve, acima de tudo, ser respeitada por tudo que representou e representa. E foi justamente esse respeito que faltou por parte dos produtores do filme.

Nos mangás, Goku é um garoto com rabo de macaco que fora achado na Terra por um velho senhor, que o criou e foi transformando aquele rude garoto em uma pessoa melhor, entretanto, acidentalmente Goku acaba matando seu avô adotivo. É aí que ele conhece Bulma, uma linda garota, que conta-lhe a respeito das Dragon Balls, esferas mágicas, que, reunidas, libertam um dragão capaz de realizar um desejo. Os dois saem a procura de tais esferas, participando, no caminho, de grandes aventuras.

O filme, no entanto, esquece toda a mitologia de Dragon Ball, esquece sua história original, que, sem dúvida, sofreria alterações na passagem às telas de cinema, mas, se houvesse respeito, mantendo sua essência, suas características centrais, mantendo aquela magia e inocência que tornou Goku e seus amigos sucesso absoluto. Isso, porém, não foi feito, e basta analisar a sinopse presente na novelização do roteiro para concluir que o resultado seria bem distante da obra original: "Goku pensava ser um estudante normal de colegial, até que descobriu possuir dons de artes marciais com todos os tipos de poderes malucos. Agora ele e seu novo grupo de jovens guerreiros estão numa jornada para achar as esferas antes que ela caiam em mãos erradas. Mas elas talvez já estejam! Goku deve combater o malvado e lunático Piccolo com todo seu poder para salvar o planeta Terra.".

Independentemente de ser uma péssima adaptação, o filme é ruim. O roteiro, escrito por Ben Ramsey é uma piada, a maneira como a história acontece é corrida e superficial, não temos tempos de conhecer os personagens e muito menos suas aspirações, alguns, de tão superficiais, chegam a ser inúteis à trama – é o caso de Yancha. Algumas informações assaz necessárias são ignoradas. A meneira como o vilão Lorde Piccolo – um dos mais ridículos do filme – foge de seu aprisionamento mágico é explicada com um “de alguma forma que eu não sei explicar”, vindo do Mestre Roshi, que, apesar de interpretado pelo talentoso Yun-Fat Chow, é um dos personagens que mais deixa a desejar.

Icônico na série, Mestre Roshi tem sua essência cruelmente deturpada, aquele ar de “velho tarado” é reduzido a apenas duas rápidas cenas. Justin Chatwin – o Goku – não tem carisma algum, característica tão forte no garoto com rabo de macaco, e fracassa nas cenas um pouco mais dramáticas. Se algum elogio pode ser feito ao elenco, esse vai às garotas. Emmy Rossum – a Bulma – e a linda Jamie Chung, intérprete de Chi Chi, o par romântico de Goku, apesar de prejudicadas pelo roteiro – assim como todo o elenco - , parecem bastante dedicadas, empolgadas com o filme.

O diretor James Wong faz de Dragonball Evolution um trabalho mais desastroso que o seu O Confronto, que, ao menos, possuía lutas interessantes. As de Dragonball, porém, são limitadíssimas, com efeitos pobres e cafonas, típicos de seriados televisivos, não proporcionam a diversão que as lutas do mangá/anime proporcionavam.

Todos esses defeitos foram claramente refletidos na bilheteria do filme, que em sua estréia no Japão, não chegou nem a liderar, ficando atrás de uma outra adaptação de anime, Yatterman, essa, porém, de produção nacional, e no restante do mundo o resultado não foi muito diferente.

Enfim, Dragonball Evolution, como adaptação, leva consigo pequenos elementos da obra original, os fãs devem encará-lo como um universo alternativo ao de Dragon Ball, assim como sugeriu o autor Akira Toriyama. Como filme, um completo desastre, corrido e sem espaço para um desenvolvimento aceitável. Como disse Érico Borgo, do site Omelete, “É o ocidente matando a cultura oriental.”

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Fabuloso Destino de Amélie Poulain, O

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Otimista, poético e diferente. Falo de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain - Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, no original. Filme francês lançado em 2001, sucesso de público na frança e uma das películas francesas mais vistas nos Estados Unidos, colecionou diversos prêmios internacionais, como o César de melhor filme e diretor, melhor produção e melhor roteiro da Academia Britânica, sem falar de suas cinco indicaçãoes ao Oscar de 2002. Tanto sucesso de público e crítica deu a Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain o status de filme cult.

A Amélie do título é uma jovem parisiense – vivida pela talentosa Audrey Tautou, que posteriormente viria a trabalhar em filmes como O Código da Vinci e Beijo na Boca, Não! – , filha de dois neuróticos, passou sua infância distante das outras crianças, vivendo em um fantasioso mundo particular. Crescida, Amélie mora só e trabalha em uma pequena lanchonete em Paris. Certo dia, ela acha uma extraviada caixinha de pertences, em seu apartamento, é aí que começa a aventura da garota. Quando consegue entregar a caixa ao verdadeiro dono, Amélie é possuída por um grande sentimento de alegria, sentimento este que a faz tomar a decisão de, a partir daquele momento, ajudar todos ao seu redor. O problema é que Amélie Poulain é muito tímida para isso, e tem de utilizar das mais divertidas e criativas maneiras para materializar seus planos.

O filme é dirigido e co-roteirizado por Jean-Pierre Jeunet – de Alien: A Ressurreição e Delicatessen –, que executa de forma majestosa o seu trabalho, de uma maneira bem diferente do tradicional. Aliás, todo o filme é recheado de elementos bastante peculiares, assim como suas personagem principal. Por exemplo, a existência de um narrador onipresente e onisciente que conta, de forma rápida e didática, as mais detalhadas informações possíveis, como o prazer sentido pelo pai de Amélie em tirar as ferramentas de sua caixa, limpá-la e, novamente, as guardar, ou a mania de Amélie em olhar para os rostos das pessoas enquanto estas assistem a filmes no cinema – essa mania eu também tenho.

O visual de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é divino, o ponto forte do filme, sem dúvida. O diretor de fotografia Bruno Delbonnel faz um trabalho incrível. Usando cores visualmente berrantes em toda a extensão da película – com grande utilização de verde e vermelho – sabendo, porém, balanceá-las. Segundo próprio Delbonnel, a maior inspiração para seu trabalho fora o pintor brasileiro Machado, grande utilizador de verde e vermelho em suas obras.

O roteiro nos presenteia com as mais divertidas situações. É maravilhoso seguir a saga de Amélie, seus planos mirabolantes para resolver a vida dos outros, mas ela, apesar de toda a sua boa vontade e determinação, não consegue ajudar a pessoa mais importante: ela mesma. A garota não consegue se declarar para o seu grande amor, Nino Quincampoix – representado pelo não muito conhecido Mathieu Kassovitz – mas, assim como aqueles que ela ajudou, alguém vai ajudá-la, e é aí que está a grande lição do filme, nesse espírito de solidariedade e ajuda em relação aos outros.

Um misto de comédia e drama, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é maravilhoso do começo ao fim, em nenhum momento perde seu ritmo ou cansa. Com sua demasiada originalidade, já se tornou um clássico moderno, somando, cada vez mais, adoradores. Tanto culto ao O Fabuloso Destino de Amélie Poulain se torna bastante compreensível quando o filme é visto.

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Vinhas da Ira, As

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Crises cíclicas do capitalismo e impactos nas condições de vida da classe trabalhadora

análise completa disponível no site:

http://www.telacritica.org/telacritica05revista.htm

“As vezes eles fazem coisas com você.

Eles o machucam até você se tornar um homem mau.

E o machucam de novo e você se torna pior ainda.

Até que não é mais menino nem homem, apenas malvadeza encarnada.”

(Ma Joad).

Introdução

Nessa sintética análise do filme “As Vinhas da Ira” (1940), em termos metodológicos, também consideramos a narrativa fílmica como uma totalidade semiótica com intensa capacidade de interação e produção de significados, que vão além de luz, som, roteiro e atuação. Se por um lado um filme não é apenas um complexo de técnicas aglomeradas, ele também não é auto-explicativo, pelo contrário, torna-se mais difícil compreender uma produção humana se não compreendemos o contexto social no qual foi produzido, pois, está repleto de significação social-histórica. O produtor também é produzido por determinada realidade e suas respostas podem ser múltiplas, tratam-se estruturas pré-postas que lhe exigem respostas e tomadas de posições. Nesse sentido, a arte é entendida aqui como emanação de potencialidade que se objetiva de variadas formas, seja na forma de pintura, literatura, esculturas, cinema, teatro, música, dança, ciências, entre outros.

A narrativa fílmica, por ser produzida por seres sociais de um período social determinado traz sempre à reflexão um complexo articulado, como sínteses de múltiplas determinações históricas à disposição do espectador, uma interpretação da realidade que é marcada universo humano-social, e que não pode furtar-se completamente disso. Por outro lado, a interpretação do espectador tende a ser marcada não apenas pelos elementos apresentados pela narrativa, mas também é influenciada pela realidade do espectador, que re-significa e interpreta os elementos que lhe são apresentados. Nesse sentido o espectador também é sempre sujeito atuante, o que faz dele um sujeito-espectador. Desta forma, um dos elementos centrais a ser observado na narrativa fílmica é a forma histórico-social nos quais aspectos das relações de hominidade são representados.

Por se tratar de abordagens distintas de elementos constitutivos das relações humanas, ainda que de variadas formas, em muitos aspectos a narrativa pode transcender a imediaticidade histórica de sua produção, podendo estimular a pensar não apenas o período em que se decorre a narrativa, mas também a própria realidade material e social do sujeito-espectador a partir de elementos concreto-objetivos recorrentes em nosso tempo presente. Ou seja, trata-se da interação de temporalidades distintas, a do tempo da produção da obra e a do tempo presente do sujeito-espectador. Esta confrontação temporal e social oferece ampla gama de aspectos e elementos que conformam e disponibilizam vias para a crítica das relações sociais.

Análise do filme

O filme “As Vinhas da Ira”, dirigido por Jonh Ford, é um excelente exemplo de obra de arte que se faz clássica pela riqueza de sua abordagem, principalmente por tratar de problemas sociais ainda atuais, que perpassam gerações durante o desenvolvimento das relações burguesas, tais como consciência de classes, superexploração do trabalho, formas de materialização da disciplina e violência na ordem burguesa. O filme foi baseado no romance de John Steinbeck, que têm o mesmo título. Servido-se largamente dos efeitos Claro e Escuro, o diretor em um intenso e envolvente discurso fílmico narra por meio do drama da Família Joad a história de famílias de trabalhadores rurais durante a Grande Depressão Econômica, que vai de 1929 até a primeira metade dos anos de 1930.

Rumo à Califórnia

Somou-se à Grande Depressão, fatores de ordem natural climático que geraram um período de baixa produtividade agrícola, com isso, muitos fazendeiros ficam endividados perdem as terras hipotecadas e vão à falência, pequenos proprietários e arrendatários são expulsos das terras onde vivem e trabalham, suas casas são demolidas por tratores, além disso, são contratados capangas e policiais pelos proprietários para garantir que as famílias abandonassem as terras onde viviam.

Embora não possamos subestimar a importância e os impactos das crises do sistema capitalista, é necessário observar que elas, não podem ser encaradas apenas como fenômenos eventuais, mas sim como parte intrínseca da dinâmica organizacional e da própria reorganização do sistema capitalista, que hora desencadeiam processos mais ou menos intensos e traumáticos. Como nos lembra Hunt: [...] Na primeira metade do século XIX, por exemplo, os Estados Unidos só tiveram duas crises econômicas graves (que começaram em 1919 e em 1937) e a Inglaterra teve quatro (que começaram em 1815, 1825, 1836, 1847). Na ultima metade do século, as crises ficaram mais graves e aumentaram para cinco, nos Estados Unidos (começando em 1857, 1866, 1873, 1884, 1894 e 1893), e seis na Inglaterra (começando em 1857, 1866, 1873, 1882, 1890 e 1900). No século XX, a situação ficou pior. Depressões cada vez mais freqüentes infestaram o capitalismo, tendo culminado com a Grande Depressão dos anos 30. (Hunt, 1981).

Diante da Grande Depressão e de seus impactos, a solução encontrada de imediato pelos grandes capitalistas e proprietários era a de interromper qualquer processo produtivo. Com isso os camponeses se tornam desnecessários, um peso que deveria ser expurgado. Ou seja, a crise atinge a todos, mas desencadeia impactos financeiros e de sobrevivência diferenciados em cada grupo social ou famílias, de acordo com suas posses.

Os proprietários agarram-se à propriedade aguardando o final da crise, para com isso entrar em um novo ciclo de acumulação. A “classe” trabalhadora, por possuir como forma de assegurar sua sobrevivência apenas sua própria força de trabalho, não pode simplesmente deixar de trabalhar durantes as crises, ou aguardar em suas casas até que a crise ceda.

Os trabalhadores despossuidos precisam continuar trabalhando, e vendendo sua força de trabalho continuamente, pois caso não o façam, por não possuir nenhuma outra forma de assegurar o básico necessário à sobrevivência do ser humano, enquanto seres naturais ficam expostos ao risco eminente da miséria, fome, e da morte. Então correm de um canto a outro, de Norte a Sul, em busca de quaisquer formas de emprego, porém, dada à forma com se organiza a propriedade, o sistema de lucro e o salariato, os que estão com a posse dos meios de produção podem recusar-se a qualquer investimento, ou mesmo, recusar-se a permitir que os sem-propriedade compartilhem dos meios de produção, que são também nesse sentido, meios de produção e reprodução da vida.

Para termos uma idéia aproximada de tal problemática considerar que: Entre 1929 e 1932, houve mais de 58.000 falências de empresas; mais de 5.000 bancos suspenderam suas operações; os valores de das ações da bolsa de valores de Nova Iorque caíram de 87 bilhões para 19 bilhões de dólares; o desemprego aumentou para 12 milhões, com quase um quarto da população sem meios de se sustentar; a renda agrícola caiu a menos da metade e o produto industrial caiu quase 50%. (HUNT, 1981).

As famílias pobres de Oklahoma, que tinham a posse da terra onde moravam, mas que não eram proprietários, como crise produtiva, financeira e imobiliária, ficam sem ter onde morar e trabalhar, ou seja, não tem mais como sobreviver nesta região. Assim muitas destas famílias se viram obrigada a migrarem para outras regiões dos Estados Unidos.

Se o lucro não é satisfatório não tem emprego

A família Joad, como muitas do Estado de Oklahoma migram para a Califórnia em busca de promessas de trabalho e meios de sustentar-se através da colheita de pêssegos. Tom Joad (Henry Fonda), o filho mais velho da família Joad, sai da prisão depois de quatro anos, e ao retornar para casa encontra sua região totalmente transformada pela seca e pela crise. Tom Joad reencontra a família as vésperas de uma migração em busca de trabalho. É ele quem leva sua família em uma pequena caminhonete, de Oklahoma para a Califórnia pela Route 66 (ironicamente as famílias percorrem a mesma rota dos conquistadores do Oeste).

A Califórnia, naquele momento surgia no imaginário das famílias de Oklahoma como uma esperança derradeira, pois prometia de muitos empregos, como diz o panfleto “muito trabalho na Califórnia. Precisa-se de 800 colhedores”, a esperança de encontrar salário e estabilidade, frente à dirupção de toda uma organização social, que implica também a dissolução de formas de vida, deu impulso para que as famílias pensassem a possibilidade de se restabelecer em outro lugar.

A Califórnia é vista aqui como uma chance de recomeço, um lugar mais próspero com novas oportunidades. Mas como mostra o filme, não seria tão fácil abandonar a terra onde estas famílias viviam a gerações. Pois a terra é mais do que o meio de onde as famílias tiram o seu sustento, é nela onde as famílias desenvolveram seus laços sociais e todo um universo de significados, com formas específicas de pensar, compreender e agir sobre a realidade, desta forma, a terra é mais do que o local onde se vive. Deve-se levar em conta, além do apego a terra, os vínculos de amizade e os vínculos familiares que são esgarçados mediante tal processo. O capitalismo dilacera os laços comunais, arranca os camponeses da terra onde viveram por gerações.

A família Joad, como os outros trabalhadores agrícolas retratados no filme, ao perder a posse das terras, onde podiam cultivar e comercializar seus produtos mediante parceria com os proprietários das terras, passa por um processo de proletarização, com a conseqüente e característica perda total do controle sobre o que produzem. A terra que cultivavam era também sua única fonte de renda, era nela onde toda a família trabalhava e conseguia seu sustento diário. Com a migração para a Califórnia, as famílias de Oklahoma deixam de ser proprietários do que produzem e passam a depender da oferta de trabalho e de salário para sobreviverem. Os agricultores são convertidos em força de trabalho, pois deixam de produzir para si mesmos e passam de uma classe para outra, e com isso passam a depender de serem contratados como assalariados para comer e beber e morar.

Durante a chegada à Califórnia, a primeira impressão não transmite bom presságio, pois a família Joad defronta-se como inúmeras outras famílias que migraram para Califórnia em busca de melhores condições de vida, mas que não conseguiram emprego, e estão agora em grandes acampamentos improvisados slum (favelas), em condições precárias de sobrevivência, sem nem ao menos ter garantido lugar onde morar e o que comer. Os grandes proprietários da Califórnia podem ainda tirar proveito de tal situação. Pois com o amplo contingente de trabalhadores despossuidos a disposição dos donos dos meios de produção, os grandes proprietários, que monopolizam a produção e o comércio, podem fazer baixar ao mínimo possível os salários dos trabalhadores.

O capitalismo predatório não tem limites, todos são fontes de mais-valia, é o que se pode observar ao longo do filme. Na Califórnia mesmo as crianças e os idosos são recrutados para a rotina extenuante e baixos salários. Toda família Joad se vê obrigada a entrega-se à colheita dos pêssegos a fim de contribuírem com a renda mínima necessária para prover a alimentação de todos seus membros. A busca desenfreada do capitalista pelo lucro e acumulo para o benefício da burguesia agrária, lança as famílias camponesas em uma situação de proletarização, diante da concorrência obrigatória pela sobrevivência, reduzindo o homem a busca cotidiana da realização de suas necessidades básicas, comer, beber e dormir.

Outro aspecto importante que pode ser observado é que com a reorganização do capitalismo, que obriga a reorganização das famílias dos trabalhadores, abre-se também a possibilidade para uma nova tomada de consciência sobre a realidade, trata-se de um processo de re-significação da realidade, movido pelas transformações da realidade material, tal desdobramento pode ser observado no filme sobre diversas instâncias. Como por exe. no caso do jovem Tom Joad, que começa fazer novos questionamento a si próprio a nova realidade que o cerca e ainda em muitos momentos Tom Joad ousa se incitar contra esta realidade posta que subsume sua família e sua classe. Isso também pode ser observado, de maneira ainda mais evidente no caso do ex-pastor Casey, que, aos poucos, passa a substituir a centralidade depositada na crença religiosa, pela investigação das causas materiais que determinam a realidade material a sua volta.

Isso porque é impossível separar a realidade material da forma como ela é produzida, pois as forma de produzir mercadorias (independente de serem pêssegos, laranjas ou algodão), são também formas de produzir a realidade material. Como já destacava Marx, “um modo de produção ou estágio industrial determinados estão constantemente ligados a um modo de cooperação ou um estágio social determinados, e que esse modo de cooperação é, ele próprio, uma “força produtiva”; decorre igualmente que a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determinam o estado social” (MARX, 1998, p. 24). Também para Gramsci, complementando a análise de Marx, os “métodos de trabalho são indissociáveis de um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida; não é possível obter êxito num campo sem obter resultados tangíveis no outro” (GRAMSCI, 1999, p. 266).

A forma como esta estruturada a realidade social é a base da sociabilidade, na lógica do capitalismo que busca-se submeter os sem-propriedade a está estrutura. Porém, dizer que o modo como uma realidade material este é estruturada é a base da sociabilidade é diferente de dizer que é ela quem determina formas de pensar e agir de determinados grupos. A classe hegemônica busca submeter os sem-propriedade, os trabalhadores, aos seus imperativos, porém os despossuidos constantemente estão em luta contra tal estrutura.

A estrutura, embora seja uma base pré-posta, não determina os sujeitos. Exemplo de tal rejeição aos imperativos do capital são as posturas de Tom Joad, do ex-pastor Casey e de muitos outros trabalhadores que se unem contra a exploração imposta pelos grandes proprietários em “As vinhas da ira”. E ainda de forma mais trágica o que se passa com Muley Graves, que passa a refugiar-se na ex-casa abandonada, recusando-se a migrar para a Califórnia. Algo semelhante acontece com o avô William James Joad que embora em um primeniro momento demostre-se empolgado com a migração: “Espere até eu chegar lá. Vou comer laranja quando quiser”. Num segundo momento, na hora da partida, e de abandonar a fazenda, o avô Joad desespera-se agarrando a terra, e diz : “Esta é minha terra e eu pertenço a ela”. Os impactos do choque são de tal amplitude que o avô falecerá. Isto evidencia que os proprietários, em busca do lucro, lutam para conferir determinda trajetória de desenvolvimento para a realidade social. Porém não o fazem sem a intensa resistência dos trabalhadores, que compreendem e, em diversas circunstâcias, buscam negar a ordem imposta à força.

Porém, um elemento importante que dificulta o processo de organização e de negação/superação das condições de pobreza e de privação em que a classe trabalhadora é mantida, é que a melhora de suas condições de vida, o fim da superexploração dos trabalhadores, choca-se com os objetivos da burguesia, que é favorecida pela ordem do capital, e por isso a burguesia luta, por meio de uma infinidade de instrumentos para “conservar” as coisas como estão. Ou seja, a riqueza e prosperidade da burguesia é parte constituinte da miséria de milhões. Com isso os objetivos da burguesia tornam-se opostos às necessidades históricas da classe trabalhadora.

Para que o capitalismo mantenha seu vigor e organicidade, como modo de produção dominante, assegurando sua própria reprodutibilidade enquanto modelo de organização social, deve-se garantir que mantenha, em intensidade e extensão, a ordem das coisas como elas estão, isso para que se assegure que o desenvolvimento social siga determinado sentido. Mas, conforme destacamos no caso dos trabalhadores em “As Vinhas da Ira”, tal prerrogativa não se realiza com facilidade, pelo contrário, pois os trabalhadores, enquanto classe para si (e mesmo como sujeitos “isolados”) em luta diária e também de tempos em tempos se contrapõe à burguesia em luta intensa. Por isso é necessária a burguesia um grande exercício em busca de desenvolver capacidade de controle dos corpos e mentes e da geração de mais-valia. Ou seja, mesmo a relação capital-trabalho alterando-se historicamente, com o movimento da sociedade, trata-se de assegurar o nexo principal do capitalismo, que seja formas eficientes de dominação-produção-de-consenso e reprodução da mais-valia. Não se consegue manter a estrutura do capital sem uma grande dose de violência contra os trabalhadores, individualmente ou em grupo.

Foucault em “Vigiar e Punir” é um dos autores que mais desenvolverá a discussão sobre a importância da utilização do poder para formar corpos e mentes em busca de uma disciplina específica. Suas formulações complementam, em determinada medida, a perspectiva elaborada por Marx, Gramsci e Althusser. Foucault destaca que as pessoas não se rendem aos imperativos do sistema produtivo apenas pela identificação com seus objetivos, ou mesmo conduzidas por necessidades imediatas, e nem ainda, apenas por força da ideologia dominante, mas também e principalmente, por que sucumbem frente às múltiplas formas de coerções que lhe são impostas. É por meio de uma série de mecanismos que se torna possível o controle. Foucault destaca que a burguesia, para conseguir a cooperação dos trabalhadores, precisa servir-se de coação calculada que torne possível direcionar e controlar ações sociais.

A partir da dominação e adestramento dos corpos é que se desenvolvem técnicas de gestão de construção de disciplina eficientes que buscam a formação da docilidade-utilidade para fins específicos dos interesses da burguesia. A disciplina se dissemina e é disseminada pelas instituições sociais, Estado, escolas (que incluem as escolas técnicas e de arte), igrejas, conventos, universidades entre tantas outras. As instituições tratam de disseminar e desenvolver, por meio de uma série de mecanismos, as políticas de coerção. É importante destacar que as relações capital-trabalho não se dão no campo da plena harmonia, onde sujeitos livres entram em livres relações comerciais, como defendem os liberais. Existe além das necessidades materiais, e do “consenso” uma intensa relação de poder que intenta enquadrar os homens, como forma de criar uma disciplina e com isso buscam manter determinada formação social, ou a ordem da coisa como estão. Um dos obstáculos ao rompimento destas formas de dominação é que estas formas de coação também modificam-se como o movimento da sociedade. Cada modo de produção tem suas próprias necessidades e por isso desenvolvem em tal proporção as técnicas de coerção, dominações e produção de consensos. Tom Joad sentiu na pele a violenta reação burguesa, e Casey pagou com a própria vida por ter buscado descobrir o que estava errado.

Violência contra os sem-propriedade

A violência dos proprietários dos meios de produção pode ser entendida, grosso modo, pela existência de grupos que querem conservar as formas de organização social e a submissão de determinadas classes, ao mesmo tempo em que podem existir classes ou grupos que queiram transformar esta mesma realidade e definir novas formas de relações sociais. Com a migração, a família Joad entra em novas relações de trabalho. Com isso, deparam-se novos graus de exploração, que os colocam ao nível da subsistência. Segundo as regras de tal organização social do trabalho, o próprio homem (des-possuído de meios de produção) torna-se uma mercadoria “tão mais barata quanto mais mercadorias produz”. A des-possessão dos meios de produção força os trabalhadores de Oklahoma a adentrarem às novas formas de relações de venda de sua força de trabalho.

Sendo que um dos pilares que sustentam a subordinação do homem aos imperativos do capital é a existência e manutenção da propriedade privada. Quando os personagens chegam à Califórnia entram em outras relações entre proprietários e não-proprietários. Para Marx, a forma como os homens organizam a propriedade e o processo produtivo influencia todas as outras esferas sociais, como o Estado, direito, religião etc. Tal organização social define como os sujeitos devem se relacionar com a propriedade e seus proprietários, eles devem agir sob determinado sistema de regras.

Porém o fato é que nem todos os trabalhadores aceitam tal prerrogativa passivamente, muitos deles a questionam e a enfrentam. Mas ao contrariar os interesses dos proprietários dos meios de produção, os trabalhadores estão questionando o “calcanhar de Aquiles” do sistema capitalista. O que dificulta o processo de transformação radical da realidade são justamente os objetivos da burguesia, que é favorecida pela ordem das coisas como estão (do capital), e por isso esta classe (que também não é homogênea, mas é dominante) luta, por meio de uma infinidade de instrumentos para “conservar” as coisas como estão. Sem exercer coação/repressão sobre a classe trabalhadora não haveria propriedade privada e nem mais-valia, essa coação/repressão se materializa, principalmente, como forma de objetivação dos interesses dos proprietários dos meios de produção.

Os meios de produção tornaram-se propriedade absoluta de determinadas pessoas, ou grupos, que podem também ser chamados de classe, os meios de produção são protegidos pelo braço armado do Estado, pelo sistema jurídico e pela segurança privada, que devem, entre outros, assegurar que o “direito” à propriedade privada e à compra e venda de força de trabalho permaneça intacto. O imenso poder aglutinado pelos proprietários dos meios de produção confere-lhes o “direito” de impor suas próprias regras aos não proprietários. São os homens detentores das propriedades, por meio das instituições que lhe representam, que definem a forma como os sem-propriedade devem se relacionar com os com-propriedade. Tal lógica gera, além do imenso poder pessoal, a obrigatoriedade da venda da força de trabalho dos que não possuem propriedade. Com isso, o trabalhador deve se submeter ao poder do capitalista e da propriedade privada. Ora, não é esse caso dos proletarizados de Oklahoma?

De acordo com tal lógica, quem não possui meios de produção (que são também meios de reprodução da vida orgânica) é obrigado a vender sua força de trabalho, pelo preço que os donos dos meios de produção determinam (sozinhos ou em grupo). Ora trata-se então de uma intensa relação de poder que limita a liberdade genérica dos que não possuem meios de produzir e reproduzir sua vida. Todo esse sistema colabora para a submissão física (e psíquica) dos que não possuem propriedade aos interesses dos que possuem! Através desta estruturação os donos dos meios de produção podem valer-se de seu extenso poder sobre os homens des-possuídos e sobres seus corpos, impondo-lhes disciplina da produção oferecendo-lhes em troca apenas o que comer. Isso é o que garante aos proprietários a extração de mais-valia dos homens não-proprietários.

Com isso os objetivos da burguesia tornam-se antagônicos ao exercício pleno da liberdade humana, e do exercício de sua potencialidade enquanto seres genéricos. Mas os trabalhadores de tempos em tempos se organizam enquanto a classe e se contrapõem à burguesia em luta intensa. Por isso a burguesia necessita de um grande exercício em busca de desenvolver capacidade de controle dos sem-propriedade. A vigilância é necessária para evitar que as pessoas desenvolvam respostas que não interessam a determinada instituição ou formação social, pois “se pudessem, os trabalhadores fugiriam do trabalho como se foge de uma peste!”. Nesse sentido, a história do desenvolvimento do capitalismo é também marcada por uma trajetória de violência e sangue. No filme há diversas passagens que reafirmam o poder da propriedade frente aos trabalhadores. Ainda no acampamento a beira da estrada, quando um dos trabalhadores duvida do agenciador, a reação é imediata: “É algum criador de caso?”, e este é obrigado a fugir. Tais elementos são importantes para entendermos o porquê da morte de Casey, e também a surra e perseguição pela qual passou Tom Joad.

Qualquer resquício de consciência de classe deve ser apagado, mesmo que isso possa custar vidas. E é tomado de assalto por tal realidade, e o ímpeto de dar resposta a esta realidade que Tom Joad, em meio aos seus questionamentos formulados durante os confrontos com o poder da propriedade privada, percebe a generalidade dos obstáculos impostos pela propriedade privada e a importâncias da organização, resistência e luta contra os proprietários, são lutas e investidas que se dão por toda parte. A partir de tal apreensão da realidade Tom Joad declara:

Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram. Eu também estarei lá.

“As Vinhas da Ira”, em uma construção impressionante de Jonh Ford, elucida aspectos importantes da trajetória de desenvolvimento do capitalismo, também por isso, o filme traz elementos que transcende o período histórico no qual foi produzido, tratando de elementos constitutivos da sociedade de classes, como consciência de classe, superexploração da força de trabalho, e violência característica histórica da lógica burguesa.

Bibliografia

ALVES, G. As Vinhas da ira. In: http://www.telacritica.org/VinhasDaIra.htm. Visitado em 25/09/2007 às 16:55.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir; História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 24ª Ed. 2001.

HUNT, E. K., “História do pensamento econômico”. Rio de Janeiro, Campus, 1981.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1999.

KOSIK, K. Dialética do concreto. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1973.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Editora Boitempo: São Paulo, 2004.

______. A Ideologia Alemã (Feuerbach). Martins Fontes, São Paulo, 1998.

MOURA, A. Neoliberalismo, precarização do trabalho e a desconstrução da classe operária no Brasil 1990-2005.

Monografia defendida em 12/12/2007. UNESP: Campus de Marília

Alessandro de Moura,

é graduado em Ciências Sociais na UNESP

e bolsista PIBIC-CNPq.

(2007)

Críticas

Laranja Mecânica

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A tela foi preenchida por um vermelho primário que servia de fundo para as grandes letras brancas que diziam Produced and Directed by Stanley Kubrick. Ouviu-se a voz de Gene Kelly entoando os primeiros versos da canção Singin' in the Rain, servindo um pouco para me anestesiar de tudo que acabara de assistir. Laranja Mecânica havia terminado. Eu abri um sorriso. Sentia-me muito bem e feliz, o que talvez seja um pouco estranho. Afinal, passei um pouco mais de duas horas assistindo a covardes atos violentos, um governo egoísta e manipulador, um método de reinserção social para [ex-]criminosos unicamente desumano [unicamente?], um sistema familiar falido, um quadro cruel do futuro que nunca me pareceu tão atual e fui bombardeado por questões e sensações que questionam minha moral.

Alex é mau por natureza – e por opção. Ele tem acesso à escola, pais que, pelo menos inicialmente, se mostram preocupados com suas atitudes e não é desprovido de cultura, mas gosta de sair pelas ruas sujas de um futuro caótico para roubar, espancar a quem der na telha, invadir residências e violentar seus moradores, estuprar mulheres e lutar contra gangues rivais. Alex personificava o estado vil daquele tempo. Mas o cerne é: nosso humilde narrador fazia tudo isso por puro prazer e satisfação pessoal - o que, tenho que confessar, deixa-o extremamente fascinante.

Ele violenta um casal em seu lar enquanto canta alegremente Singin’ in the Rain e eu me pego rindo. Eu adoro quando ele invade a casa uma mulher e a ataca com uma escultura em forma de pênis. Acho justo quando ele bate em seus drugues e faz um corte na mão de um deles apenas para mostrar liderança. Não me importo quando ele chuta deliberadamente um mendigo deitado na rua, bêbado, sem nada ter feito. Kubrick transformou Alex num paradoxo, um jovem sem freios para o mal mas que me instiga desde o primeiro take. Como eu poderia me divertir com uma cena contendo a violência gratuita que me amedronta cotidianamente? Por que eu compraria os desejos de um criminoso repulsivo que ri naturalmente enquanto agride suas vítimas? Acredito que não deveria achar graça, mas Laranja Mecânica me deturpa.

O segundo ato se inicia com a prisão de Alex, dando início à principal discussão da obra. A superlotação nas cadeias e suas deficiências [algo que visualmente não é perceptível, sinto dizer, e caso essas informações não fossem ditas pelos personagens, eu teria tido uma boa impressão do sistema carcerário] e nosso narrador já está lá há dois anos. Ao descobrir sobre uma nova técnica ainda em fase de experimentação chamada Ludovico, a qual o governo criara para acabar com criminalidade - e ganhar a empatia do povo para a próxima eleição -, Alex se submete ao tratamento, já que assim conseguiria a esperada “liberdade”.

E liberdade é exatamente o que não consegue ao fim do tratamento. O governo transformou Alex numa laranja mecânica, com inclinação total para o bem, chegando a nem ser capaz de se defender – algo que no estado em que o mundo se encontrava, era primordial. Mas mais do que primordial, é o direito que temos como humanos, direito de escolha, seja lá a que tendência for. Ele não poderia mais sair à noite e fazer o que tanto gostava. Nem ao menos se divertir à maneira que preferia. Ele virou um robô e a partir deste instante é colocado na posição de vítima do Estado. Logo, não somos a favor disso e lutaremos pelo seu direito de fazer o mal, right-right?

É aí que me pergunto até que ponto essa é uma política totalmente desumana. Fiquei imaginando os criminosos de hoje sendo submetidos à técnica Ludovico. E digo sem remorso: eu adoraria o resultado. Desta forma, vale mais lutar pela moral de qualquer ser humano ou usufruir de um tratamento pouco [ou nada] ético para conquistar uma sociedade segura?

Já para o governo – e para quem quer alcançá-lo -, o que realmente importa é seus interessantes. Assim, o terceiro ato é tão magistral quanto o primeiro e chega a ser assustador por sua verossimilhança. Após sobreviver a sua tentativa de suicídio, Alex agora está no hospital, onde recebe a visita do Ministro do Interior, o mesmo que o atestou apto para o tratamento Ludovico. Se antes nosso narrador era tratado como cobaia e não havia recebido a mínima preocupação do Estado, agora o Ministro o chama de “amigo” e dá comida em sua boca [isso não está no livro, vale dizer], atitude a qual representa a total disponibilidade do governo em servi-lo e agradá-lo, para assim recuperar sua credibilidade com a sociedade após todos os inoportunos ocorridos a Alex. Ele entende a mensagem e quando questiona se a população compactuaria com a mudança ideológica do governo, o Ministro não hesita em dizer: “A opinião pública está sempre mudando”. E o filme é de 1971.

Caso alguém pergunte sobre o desfecho, a verdade é que: "Termina com um final feliz. Ele está curado e volta a ser mau. Ao se imaginar estuprando uma mulher, a alta sociedade aplaude. Era essa a sua vontade, afinal".

Apesar das complexas questões que Laranja Mecânica lança ao espectador e por estas estarem inseridas num roteiro irretocável que também funciona por sua narração bem construída e fluida, com reviravoltas e elementos que me incitam durante todos os 136 minutos de filme – que no fim das contas acabam parecendo apenas 30 -, tudo poderia dar errado se caíssem em outras mãos. Quiçá nem seria das piores coisas, mas, com todo certeza, estaria bem aquém do material concebido por Stanley Kubrick.

Depois da leitura do livro, é de se contemplar ainda mais o apuro técnico e o estilo inconfundível presente no filme. O texto de Burgess é econômico ao descrever a ambientação e as características dos personagens - na maior parte, ele é desprovido de qualquer detalhamento dos espaços onde se desenvolvem a história de Alex. Portanto, meus irmãos [preciso usar isso de novo], quando Laranja Mecânica se inicia ao som do soberbo tema criado por Wendy Carlos, toda a magnitude visual que seus olhos apreciam é produto da mente de Kubrick. É como um prelúdio, anunciando tudo o que está por vir.

Do olhar de Alex [e não ousaria limitá-lo com adjetivos], a câmera nos revela em uma única tomada, vagarosamente, numa elegância estética da linguagem cinematográfica do diretor, todo o ambiente com uma composição simétrica dos objetos e atores - estáticos - em cena, como nos grandes quadros renascentistas, mas com uma aparência inquietante e perturbada, a qual, ao percebê-la, não consigo evitar um sorriso de orelha a orelha. Não consigo exprimir com exatidão o que sinto, contudo, é como se minha paixão pelo cinema tivesse uma ligeira justificativa.

Na cena seguinte, o diretor utiliza a câmera da mesma forma – de um pequeno quadro, aos poucos compõe um grande plano -, causando um visual magnífico com as sombras dos atores imergindo em cena. Reparem que a fonte da forte luz utilizada é revelada sem o menor problema: há um poste de luz no meio da rua e ele não está ali para cumprir uma função cenográfica, mas sim fotográfica. Uma iluminação semelhante é eficiente também na seqüência seguinte, no balcão abandonado, na qual a luz é assumida e modificada sem pudores por Kubrick, a fim de se obter o resultado visual que desejava. Original e o melhor possível, eu diria.

A elegância da câmera de Stanley Kubrick é a mesma de suas obras anteriores. Planos-seqüência, zoom preciso, enquadramentos incomuns e uma câmera que muito expressa a situação atual dos personagens. Nota-se, por exemplo, como a câmera permanece imóvel durante a primeira visita de Alex e seus drugues à casa do escritor [toda a ação é manifestada pelo atores], contrapondo-se com a agitada tomada que acompanha a segunda visita do nosso narrador ao local, quando ele se encontra roto, abandonado e, principalmente, “curado”. A extensa tomada de câmera na mão que nos leva ao meio do mato onde Alex será agredido contrapõe-se a todas as outras, sempre em linha reta e lentas, usadas na primeira parte do filme. Ou seja, o diretor emprega a câmera na mão somente após o tratamento de Alex, nos momentos em que é posto na posição de vítima, sendo uma tentativa de aproximar o espectador do novo estado nefasto que o personagem se encontra e, sobretudo, mudar a estética predominante do primeiro ato.

Há um relacionamento perfeito em Laranja Mecânica entre música e imagem, a sintonia genuína do cinema. Ao som de música clássica, em especial as de Ludwig Van [como Alex preferia dizer], Stanley extrai um lirismo de cenas de sexo e ultraviolência, por mais improvável que isso pareça. O ménage à trois acelerado se harmoniza brilhantemente ao som da conhecida trilha de fundo, uma cena de sexo a uma maneira nunca vista até então, ressaltando a originalidade de Kubrick em transformar uma passagem simples do roteiro em imagens incomuns e antológicas. Uma seqüência em câmera lenta contendo a agressão de Alex a seus drugues, a pancadaria no balcão abandonado e qualquer outra de mesmo teor se resultam no sublime com a trilha que as preenche.

Ainda faltava comentar sobre o figurino – que já virou um ícone do filme junto com a maquiagem de Alex -, a atuação do Malcolm McDowell – com suas caras, expressões, voz, trejeitos construiu um personagem repugnante e apaixonante, extremamente dúbio e um dos meus favoritos do cinema, sua interpretação é metade do filme – e do Patrick Magee, o escritor – geralmente não muito comentado em textos sobre a obra, mas acho sua interpretação bastante visceral –, e algumas outras cenas, mas chega. Abstenho-me em continuar escrevendo o inequívoco.

Que, ao menos, tenha ficado claro o motivo de achar Laranja Mecânica o melhor filme de Stanley Kubrick, o melhor da década de 70 e um dos melhores de todos os tempos. Right-right-right?

Críticas

Rei da Comédia, O

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O Rei da Comédia é um daqueles filmes que mereciam maior reconhecimento e visibilidade vindos do grande público. Porém, a expectativa pela volta da parceria De Niro-Scorsese após Taxi Driver e Touro Indomável e o desejo de ver o consagrado humor caricatural de Jerry Lewis em ação talvez tenha levado o público a um estranhamento e a uma desilusão ao assistirem ao filme.

Nem De Niro nem Lewis fazem personagens semelhantes aos que já haviam feito e que os consagraram junto ao público. Jerry Lewis, apesar de ser um comediante no filme, não nos faz rir, e se mostra uma pessoa triste fora da TV. Robert De Niro, ao invés de personagens fortes, faz um frágil aspirante à comediante, que têm na busca pelo sucesso o seu grande sonho.

A comédia, que o título do filme prenuncia, também não é aquela de gargalhadas fáceis, para pessoas em busca de entretenimento e do riso fácil. Há, sim, partes em que é possível rir bastante, mas o filme em geral provoca no espectador um sorriso prolongado, que nos leva a refletir sobre os meandros do humor e do culto aos famosos.

Realizado em 1982, talvez o filme tenha se antecipado ao culto às celebridades e à vontade cada vez maior de pessoas que querem conseguir os seus “quinze minutos de fama”, colocando o sucesso como um fim, não importando o meio que se faça para chegar até ele (vide Big Brother).

Quem tenta constantemente alcançar a fama no filme é Rupert Pupkin (De Niro), que vê em Jerry Langford (Lewis), tudo aquilo que queria alcançar na esfera social (sucesso, status...). Porém, ao contrário do que aparenta ser na TV, Langford se mostra, fora das telinhas, uma pessoa solitária, triste e amargurada, com um grande vazio existencial, sendo inclusive incapaz de retribuir o carinho com que o público o trata. Desse modo, já se constata o mundo de falsidades em que vivemos, que privilegia a aparência e o status em detrimento da essência e da verdade, principalmente após o surgimento e o crescimento do culto às celebridades, que nos leva a adorar pessoas que mal conhecemos e que muitas vezes procuram parecer com algo totalmente diferente do que realmente são.

Após armar um encontro com Langford, Pupkin tenta convencê-lo a dar uma chance para ele aparecer na TV com seu número de comédia. Contrariado com a saia-justa, o apresentador diz que verá o que pode fazer, e pede à Pupkin para que ligue à sua secretária. Porém, após constantes negativas da produtora do programa a ele, fica claro que ele não conseguirá aparecer no programa, até porque Rupert Pupkin nunca tinha feito sequer uma participação em público antes.

Após alguns devaneios, nos quais se imagina conversando intimamente com Langford, Pupkin se convence de que não conseguirá o que quer (a participação na TV) por bem, e assim arma, junto com outra fã do apresentador, uma tentativa de sequestrar Langford em troca de uma aparição na TV...

Martin Scorsese nos mostra com este filme uma situação que hoje em dia já se tornou comum: o desvirtuamento do sucesso, que deixou de ser uma conseqüência de algo que uma pessoa faz e passou a ter um fim em si mesmo. O personagem Rupert Pupkin, não visa ser um comediante para fazer o que gosta, mas sim para ter o sucesso que o comediante interpretado por Lewis tem. Caso outra pessoa tivesse o sucesso de Langford e fizesse outro tipo de trabalho, é provável que Pupkin adquirisse esta mesma obssessão por ela.

Ou seja, não importa qual seja o meio que se alcance o sucesso, mas somente que ele seja alcançado, mesmo que durante poucos minutos.

Com excelentes interpretações de Robert De Niro e Jerry Lewis e um humor negro bem peculiar de Scorsese, O Rei da Comédia é um filme que deve ser visto(ou revisto), por estar à frente de seu tempo.

Críticas

Cidade de Deus

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Trecho I: O livro

Sandro Cenoura mandou todo mundo se entocar, [...] estava com medo, não tinha pulso para comandar a quadrilha. A polícia estava dando em cima, os jornais todos os dias faziam matéria sobre Cidade de Deus, seu nome sempre vinha estampado na primeira página.

Escrito por Paulo Lins, editado em 1997.

Trecho II: A música

Cidade de Deus é o maior maior barato

E te pergunta, pergunta brigar pra que? (pra que?)

Se você for lá uma vezinha só, é,

Você nunca mais vai esquecer.

Rap da Cidade de Deus, por Dj Marlboro e composição de MC Cidinho e MC Doca

Trecho III: A análise

Essa crítica será dividida em capítulos, assim como o filme, a fim de facilitar a leitura e a elaboração por parte deste que vos escreve. Em várias ocasiões será possível acompanhar também trechos do roteiro escrito por Bráulio Mantovani, comparando-o com as cenas vistas no filme e sempre sublinhado. Nunca é demais lembrar que essa análise é destinada única e exclusivamente àqueles que assistiram ao filme, determinado que tal conteúdo revela detalhes que podem prejudicar o prazer de assistir ao longa.

PARTE I

Capítulo 1:

1981: Pega a porra da galinha!

Abrimos com a imagem de um FACÃO sendo afiado.

CARACTERES em superposição: 1981

Ouve-se o murmúrio de VOZES alegres, vozes CANTANDO um samba acompanhado de um BATUQUE. Não vemos as pessoas. Mas os sons

deixam claro que se trata de um ambiente festivo.

A letra do samba tem como tema: comida.

MÃOS NEGRAS amarram com um barbante a PERNA de um GALO.

O galo é imponente e vistoso. Alternamos o galo --incomodado por ter a perna amarrada -- a imagens que sugerem a preparação de um almoço:

ÁGUA FERVENDO numa enorme panela.

O galo parece reagir à imagem anterior.

Começando pelo fim e começando de maneira antológica. A corrida atrás da galinha se tornou uma das cenas de maior sucesso de Cidade de Deus, o filme brasileiro dirigido por Fernando Meirelles, indicado a quatro prêmios no Oscar e considerado por muitos a melhor produção nacional de todos os tempos. E não à toa. O impacto que o filme causa naqueles que o assistem é simplesmente impressionante. Não há dúvidas de que o realismo, por mais frio e chocante que seja, não deixa de ser grandioso quando visto a partir dos conceitos cinematográficos, e trágico e cruel, quando visto a partir do senso humanista e social. 'Cidade de Deus' pode ser visto das duas maneiras, sendo que uma não prejudica a outra de forma alguma. Ou seja, você pode assistir ao filme buscando conhecimentos cinematográficos ou até mesmo uma base para uma análise mais profunda do longa, ou você pode assisti-lo simplesmente em busca de diversão, querendo ver palavrões, cenas de sangue e sexo, ou pelo menos assistir a um bom filme para variar. Não importa, sinceramente. Seja da maneira que você ver o filme, você vai se impressionar, vai sentir, vai entender. Enfim, você vai gostar, de uma maneira ou de outra, a não ser que você não aprove tal gênero para contexto de filme nacional, onde só a favela e a violência parecem fazer parte do dia-a-dia do brasileiro. Na verdade, a violência constante, mortes seguidas, estupros, assaltos e mais e mais assassinatos, tudo isso é a realidade da favela de Cidade de Deus.

Antes de dar continuidade, é bom uma rápida explicação sobre o termo "Cidade de Deus". Sim, é o nome do título do livro de Paulo Lins, mas é também o nome da localidade da zona oeste do Rio de Janeiro. O que um dia foi somente um conjunto habitacional sem luz, asfalto e saneamento básico, hoje é um bairro bem mais desenvolvido, embora nos termos sociais e étnicos, não tenha evoluido tanto assim. Desde a chegada de seus primeiros moradores no final da década de 60, mas precisamente no ano de 1966, a violência já tomava conta das ruas da Cidade de Deus. E é justamente nesse ponto que a história do filme de Meirelles ganha vida por si só.

Antes de voltar no tempo e começar o relato da narração em off do personagem Buscapé (Alexandre Rodrigues), o filme tem o seu início no ano de 1981, no bairro já dominado pelo bando de Zé Pequeno e pelo tráfico. Depois da corrida atrás da galinha, na já comentada e antológica cena, Buscapé começa a relatar toda a sua história enfocando a Cidade de Deus como pano de fundo pra muitas subtramas excelentemente bem roteirisadas.

Capítulo 2:

A Cidade de Deus nos anos 60 e a história do Trio Ternura.

Zé Pequeno avança em direção a Busca-Pé.

Busca-Pé está apavorado. Barbantinho, paralisado.

Zé Pequeno pára de repente. Todos os bandidos apontam suas armas para alguém que está atrás de Busca-Pé.

Busca-Pé olha para trás e vê uma PATRULHA de 6 policiais.

À frente da patrulha está o detetive Cabeção -- nordestino e malencarado.

Busca-Pé ainda na pose de goleiro desajeitado. A imagem congela.

BUSCA-PÉ (V.O.)

Na Cidade de Deus, não dá pra saber o que é

pior: encarar os bandidos ou a polícia. É

um bangue-bangue sem mocinho. E sempre foi

assim... Desde que eu...

FUSÃO PARA:

3 EXT. CAMPINHO - DIA 3

Um grupo de garotinhos jogando futebol. Entre eles estão os meninos Busca-Pé e Barbantinho. A idade dos garotos varia de 8 a 10 anos.

CARACTERES em superposição: ANOS 60

O MENINO BUSCA-PÉ está jogando como goleiro. Seus gestos são idênticos aos do jovem Busca-Pé tentando agarrar o galo na cena anterior.

A bola vem na direção dele. E passa por entre as pernas do menino, que se revela um frangueiro.

BUSCA-PÉ (V.O.)

(...) me conheço por gente.

Como o próprio Buscapé (ou Busca-Pé, a sua escolha), que sonha um dia em ser fotógrafo, relata em sua narração durante a projeção do filme, quando ele e sua família se mudaram para a Cidade de Deus, logo os bandidos mais conhecidos e temidos do local se fizeram chamar por Trio Ternura, cuja especialidade era assaltar o caminhão de gás que passava constantemente por lá. Pertenciam a esse trio, Cabeleira, Marreco e Alicate.

BUSCA-PÉ (V.O.)

O Trio Ternura não tinha medo de ninguém.

Nem da polícia... Eles achavam que a Cidade

de Deus era deles. Mas tinha um monte de

bandido que achava a mesma coisa. Naquele

tempo, a Cidade de Deus ainda não tinha

dono.

Cabeleira era o líder do trio e Marreco era o irmão de Buscapé. Sempre colado nos três, estava Dadinho, menino da mesma idade de Buscapé, mas muito mais bandido do que qualquer um poderia imaginar. Sonhava em um dia ser igual ao Cabeleira e tinha uma fome de matar impressionante para um moleque de aproximadamente 10 anos de idade. Diz-se que, assim como um psicopata, bandido que nasce bandido não sente remorço em fazer as pessoas sofrerem, não pesa na consciência o matar, o roubar, o estuprar. E Dadinho é a prova mais do que perfeita desse retrato de bandido, e mais tarde nenhuma poderia restaria quando o moleque Dadinho se tornasse o temido Zé Pequeno, dono de várias bocas de fumo da Cidade de Deus. Mas nisso falaremos depois.

Junto com a história do Trio Ternura, podemos contar também a História do Ceará, mas nesta não seria apropriado a inclusão de trechos do roteiro. Diálogos referentes ao sexo, bananas e traição. Tudo isso pode parecer de extremo mal gosto, mas não quando falamos do filme 'Cidade de Deus', onde nossos palavrões entram como música nos nossos ouvidos, de tão bem montados e inseridos no roteiro que foram. Enfim, a história do personagem Ceará envolve basicamente um marido, sua esposa e Marreco, irmão de Buscapé. O marido Ceará é tido como frouxo, que não consegue agradar a mulher e sempre dá parte dos bandidos para a polícia corrupta que rodeia a Cidade de Deus. A mulher, que apanha de seu esposo Ceará desconhece, segundo sua vizinha, os "prazeres da vida" e pretende arrumar um amante para se vingar do marido. É aí que entra em cena Marreco, que participa de uma das cenas mais divertidas do filme.

Capítulo 3:

Buscapé e seus 16 anos

Quando Buscapé completa seus 16 anos, o filme passa para a sua segunda parte, em meados dos anos 70. Nessa época, ele é apaixonado por Angélica, vivida pela linda Alice Braga. É também por aí que ele passa a conviver com o mundo do crime, do tráfico, mesmo não querendo viver a vida como um "traficantisinho de merda". Nessa segunda parte, nos é apresentada toda a história de Zé Pequeno e como ele chegou a ser o principal dono das bocas de fumo da Cidade de Deus (sim, chegou a hora de falar dele). Sem rodeios basta dizer que Zé Pequeno, quando ainda era Dadinho tinha vocação para a bandidagem, matava por diversão, como eu disse, igual a muito psicopata por aí. Com esse tipo de "diversão", a Cidade de Deus passou a ser mais tranquila, sem muitas mortes e quase sem assalto, uma vez que Pequeno matava todos aqueles que insistiam ou pelo menos aparentavam ser seus inimigos. Só havia um que parecia atrapalhar os negócios de Zé Pequeno, e era justamente aquele que possuia um outro grande número de bocas de fumo, o Sandro Cenoura. Zé Pequeno, com a ajuda de seu amigo de infância Bené, pretendiam conquistar todas as bocas da Cidade de Deus, mas Cenoura atrapalhava e Pequeno só não avançava por temer um contra-ataque por parte do adversário e sua trupe.

Na festa de despedida de Bené, que queria sair do mundo para viver com a amada de Buscapé, Angélica, Zé Pequeno arranja briga com um até então, desconhecido Mané Galinha e sua namorada. E mais tarde, isso serviria de motivo para que se iniciasse uma verdadeira guerra dentro da Cidade de Deus entre os dois bandos que dominavam o local.

FUSÃO PARA:

Voltamos à mesma ação que deu início ao flash-back, vista agora de um outro ponto de vista.

Vemos a cara de pânico de Neguinho.

BUSCA-PÉ (V.O.)

Foi assim que boca-de-fumo dos Apês ficou

na mão do Neguinho. Mas isso também não foi

por muito tempo...

Uma vez mais, ouvimos a voz aguda e ameaçadora:

ZÉ PEQUENO (OFF)

Quem foi que falou que essa boca é tua?

NEGUINHO

Qualé, Dadinho? Tu...

Finalmente revelamos o dono da voz: Dadinho -- agora com 18 anos e com o nome de Zé Pequeno.

Atrás dele estão BENÉ -- mesma faixa etária -- e TUBA -- um pouco mais jovem e com jeito de bobo.

ZÉ PEQUENO

Dadinho o caralho! Meu nome agora é Zé Pequeno, tá entendendo?

EFEITO: close de Zé Pequeno em still.

Capítulo 4:

A Guerra das Bocas

Zé Pequeno e sua mania de provocação e superioridade foram a gota d'água para o início da guerra entre as duas principais bocas de fumo da Cidade de Deus, e isso já foi dito anteriormente. Depois de matar o irmão e o avô de Mané Galinha e ter estuprado a sua namorada virgem, Galinha decide entrar para o bando do Cenoura, querendo acabar com o chefe da outra boca.

GALINHA

Que assaltar loja!? Não sou bandido não! Não vou roubar nada não! Meu negócio é pessoal. É com o Pequeno.

CENOURA

Mermão! Ele estrupou tua mina, matou teu irmão e teu avô, metralhou tua casa... E tu já passou teleguiado dele, morou? Se tu não é bandido, rapa fora!

Em meio a uma guerra sangrenta, vemos uma realidade chocante aparecer na nossa frente. A realidade das favelas atuais do Rio de Janeiro há mais de vinte anos atrás, tudo era tão ruim como é hoje e é absolutamente amedrontador ter que acompanhar todas as cenas de violência que decorrem no filme. Mas o mais incrível é que tudo é belissamente bem retratado, primando pelo bom gosto até em cenas fortes, contendo assassinatos e palavrões como nunca antes visto.

Capítulo 5:

O Começo do Fim

Não seria errado dizer que não é surpresa pra ninguém que a maioria, a grande maioria dos personagens de 'Cidade de Deus' morrem nesse final. Também não seria errado e nem surpresa dizer que Buscapé conseguiu realizar o seu sonho de virar um fotógrado profissional, trabalhando como um repórter fotográfico de um jornal carioca. É nesta última parte que temos uma sacada simplesmente genial do roteirista Mantovani e do diretor Meirelles. O trecho vem logo abaixo:

161 INT. CASA DE BUSCA-PÉ - DIA 161

Plano fechado de Busca-Pé junto a uma mesa sobre a qual estão duas fotos: uma de Cabeção recebendo o dinheiro de Zé Pequeno e outra do cadáver de Zé Pequeno. Barbantinho está ao lado dele..

BUSCA-PÉ

Se entregar essa foto pro jornal, eu consigo o emprego e saio fora daqui pra sempre. Mas se eu entregar essa outra aqui... Aí, cara, eu vou conseguir muito mais. Eu vou conseguir prestígio, vou ganhar uma puta grana, vou ficar famoso...

BARBANTINHO

Mas se essa foto sai no jornal, o Touro, mais cedo ou mais tarde, vai te encontrar...

BUSCA-PÉ

O que que eu faço?

Na parte do roteiro inserido logo acima, vemos o momento logo após Buscapé conseguir tirar várias fotos. Em uma série, vemos Zé Pequeno entregando propina para os policiais, para não ser preso. Nesta sequência, ele está na companhia dos meninos da Caixa Baixa (que sonham em um dia tomar todas as bocas da Cidade de Deus). Em seguida, os moleques de 10 anos atiram furiosamente em Zé Pequeno, deixando-o morto e caído lá. Buscapé registra todos esses momentos, e na hora de mandar para a publicação, não sabe o que faz, se denuncia o tráfico da polícia carioca ou se mostra a foto de Zé Pequeno morto. Decide pelo mais usual e mais fácil, evitando ser perseguido depois pela polícia.

PARTE II

Depois de analisar tanto a história do filme, agora é hora de uma rápida crítica a respeito da produção artística de Cidade de Deus. Na verdade, o queria seria do filme sem a sua implacável montagem de um Daniel Rezede inacreditavelmente competente? E o que seria da imagem do filme sem a fotografia criativa e colorida de César Charlone? O queria também sem uma escolha musical extremamente bem sucedida por parte de Antônio Pinto e Ed Côrtes? Aqui, também temos a participação de Walter Salles, escondido pelo cargo de produtor do filme.

Bem, vamos por partes. Daniel Rezende conseguiu o feito inédito de ser o editor mais jovem a receber uma indicação ao Oscar? Seu trabalho beira à perfeição, por muitas vezes a sua montagem conta a história por si própria, em lances criativos e muito bem trabalhados por uma mão de ouro de Fernando Meirelles (indicação ao Oscar merecidíssima). César Charlone também não fica atrás, até porque recebu uma indicação ao prêmio mais importante da indústria do cinema na categoria de Melhor Fotografia. Por ora usando um tom mais avermelhado (cor de terra, alaranjado), outras vezes primando pelo branco (principalmente em cenas notunas) e o verde, como forma de ilustrar a cidade do Rio de Janeiro e os seus locais tranquilos, o azul para retratar o mundo da favela à noite e o tráfico ainda à ativa e o tom quente que habita as cenas de praia, onde o Sol bate com força na pele negra dos personagens que suavizam a imagem de brancos, sem contraste algum. A escolha de imagens e cores, a posição das câmeras, Charlone não poderia ter feito um trabalho melhor. Antônio Pinto e Ed Côrtes, como eu já disse, determinaram canções muito boas para o repertório de 'Cidade de Deus', entre alternações de Raul Seixas com Cartola, o filme não usa de canções de funk para divertir e entreter o espectador. Não, o roteiro, interpretações excelentes e a edição de Rezende já conseguem fazer isso sozinhos. A trilha prima pelo bom gosto, mesmo. O samba da mais alta qualidade, canções de Bossa Nova, tudo é de uma beleza sonora incontestável.

O mesmo pode-se dizer de um roteiro perfeito de Bráulio Mantovani, ao qual não cesso em elogios. Os flashbacks, efeitos de transição, diálogos, tudo é feito da maneira mais sensacional e criativa possível, fazendo com que mais de duas horas de duração passacem voando, e mais uma vez, a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado veio e muito a calhar.. E Meirelles soube conduzir cada minuto com astúcia e competência, e soube inclusive, com andar um elenco de mais de 200 crianças selecionadas das favelas do Rio de Janeiro excelentemente. Todos os protagonistas, sem nenhuma excessão, realizam trabalhos excepcionais, e nisso são incluidos, lógico, Alexandre Rodrigues e o Zé Pequeno intepretado pelo ótimo Leandro Firmino da Hora.

Enfim, não há mais onde por tantos elogios. Cidade de Deus é sim uma obra-prima de valor incalculável e acho o melhor trabalho já feito e filmado em solo brasileiro em toda a história do nosso cinema. Grandioso e muito bem estruturado, um verdadeiro primor, onde tudo se encaixa e nada escapa às lentes de profissionais competentes ao extremo. Prova mais do que concreta de que o Brasil sabe e tem potencial o bastante para fazer filmes ainda melhores que este.

Desde moleque, eu sempre quis ser fotógrafo, só que o destino me colocou aqui: na Cidade de Deus. Naquele tempo, eu pensava que os caras do Trio Ternura eram os bandidos mais perigosos do Rio de Janeiro, mas alguém roubou o lugar deles. O Zé Pequeno sempre quis ser o dono da Cidade de Deus...

Críticas

0,0

Ed Wood é uma bela e sensível homenagem a um homem que fez da vida um sonho, talvez por isso, o filme combine tanto com o lirismo que Tim Burton transmite em seus filmes. É você dar arte aquilo que é discriminado, nesse sentido, Burton carrega o filme de humor negro, constrói uma boa caracterização de seus personagens, e transmite todo o clima da época através da fantástica Fotografia em preto-e-branco, além da excepcional Direção de Arte. Tanto Johnny Depp,como Ed Wood, quanto Martin Landau, em sua consistente interpretação de Bela Lugosi - feito que lhe rendeu o Oscar de melhor ator coadjuvante.

Talvez a grande marca do filme seja realmente o humor por trás da produção de qualquer filme de Ed Wood, algo sem intenção, horrível para a época, mas que conseguiu virar um cult com o passar dos tempos. Grande parte disso deve-se ao carisma do diretor.

Importante também no filme é a relação de Ed com Bela Lugosi, ator em decadência e viciado em drogas, que acaba tendo uma chance de se reerguer com os filmes do excêntrico Ed Wood.

Deep interpreta com afinco e talento todas as bizarrices de Ed Wood, mostrando-se um grande ator tanto nos instantes em que revela um Ed de gostos bizarros ao se vestir de mulher - embora gostasse delas -, quando tem de passar um Ed Wood que ajuda o decadente Bela Lugosi.

Martin Landau, por seu turno, é o grande destaque do filme, roubando as cenas muitas vezes, faz-nos perceber que ele é o grande eixo de motivação até, de Ed nos primeiros filmes, aquele que transmite a confiança que Ed carecia para seus filmes indiretamente, apenas por algum dia ter sido um grande astro.

A capacidade narrativa dos roteiros de Tim Burton, esse escrito por Rudolph Grey e Scott Alexander revela-se regular. Algumas vezes acarreta perda de ritmo, enquanto no final tudo fica muito bem resolvido. Não há uma visão detalhada da reação aos filmes de Ed Wood. Todavia, a direção de Tim Burton revela-se perfeita em gerir na medida exata essa biografia de Ed Wood. Tanto pelo fato de tratar Ed Wood com uma franqueza irônica: Ele a todo o momento sabe que fala de um diretor ruim de doer, mas em nenhum momento serve a denegrir a imagem do mesmo, tratando tudo com grande humor.

Tecnicamente Ed Wood é uma das grandes marcas na filmografia recheada de bons exemplos de Tim Burton. Bela Fotografia em preto-e-branco, trilha sonora sinistra que situa bem o clima desde o início do filme. Direção de Arte caprichada, tirando o melhor de cada cenário, tudo extremamente criativo, com classe.

Ed Wood foi um diretor de filmes bizarros, ruins, um personagem emblemático da fábrica de sonhos que era Hollywood. As mãos talentosas de Tim Burtom conseguiram com extrema qualidade prestar não somente uma bela homenagem a um estranho diretor, mas a toda a sétima arte, capaz de dar bons frutos como Orson Welles, e de diretores bizarros como Ed Wood - só para constar, Ed era grande fã de Welles, pelo qual buscava se inspirar por ser Diretor, Ator, Produtor e Roterista, cada um em seu lugar, vemos no filme que ambos foram importantes para o cinema. Ed para mostrar o limites até onde um filme poderia ser ruim e Welles por revelar ao mundo do cinema uma de suas grandes obras: Cidadão Kane.

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