Especializou-se em épicos bíblicos e em papéis rústicos, viris, em razão de seu porte físico
Um dos maiores canastrões do cinema americano, Charlton Heston ficou conhecido, na sua longa carreira de 60 anos, além da canastrice e filmes ruins nas telas, pelo conservadorismo, sua devoção às armas de fogo e ao Partido Republicano no plano pessoal. Nos quase 100 filmes em que apareceu, “interpretou” Moisés, Ben-Hur e Michelangelo (!), em geral em longuíssimos e kitsch épicos históricos em Cinemascope, que tanto fizeram sucesso na década de 70. Heston foi o ícone desse tipo de cinema. Morreu aos 84 anos em decorrência da mal de Alzheimer.
Seu porte atlético e cara de cavalo lhe garantiram toda sorte de papéis rústicos, de homens que usavam a força e que não precisavam de muita inflexão para transmitir sentimento – e Heston sempre esteve ladeado de muitos efeitos especiais. Ele fez Buffalo Bill, piloto de aviação, capitão de navio e até comandante de espaçonave intergalática, sempre com esforços que os críticos chamavam ironicamente de “graníticos” ou “de mármore”.
O sucesso teve início quando Cecil B. de Mille o convidou para ser Moisés no épico bíblico Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), então o filme mais caro já feito, com três horas e meia de duração, cheio de efeitos especiais, como a abertura do Mar Vermelho. Catapultado ao estrelato, Heston nunca abandonaria o filão.
Quatro anos mais tarde faria Ben-Hur (idem, 1959), outro épico bíblico, em que cura a mãe e a irmã, portadoras de hanseníase (na época, ainda chamada pejorativa de lepra) apenas evocando aos céus uma abençoada chuva que tira a peste das familiares. O filme venceu 11 Oscar, recorde só igualado por Titanic (idem, 1997) e O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei (The Lord of The Ring - The Return of The King, 2003), incluindo o de melhor ator para Heston. No entanto, Ben-Hur entrou mesmo para a história pela corrida de bigas no final e pela homossexualidade sugerida pelos roteiristas (entre eles, Gore Vidal) entre o personagem de Heston e Stephen Boyd, que lutariam na cena famosa – Heston nem ficou sabendo que o personagem era gay nem nunca admitiu isso, ficando furioso quando mencionavam.
Mas Heston fez bons filmes. Orson Welles o dirigiu em A Marca da Maldade (Touch of Evil, 1958), na qual fez o papel de um investigador de narcóticos na fronteira do México com os EUA. Um clássico noir, o filme foi uma de suas menores bilheterias. Outro épico figura entre os melhores trabalhos: El Cid (idem, 1961), sobre um centurião que mata milhares de mouros na Espanha do século 11, além, claro, de Agonia e Êxtase (The Agony and the Ecstasy, 1965), de Carol Reed, na qual fez Michelangelo. As brigas que teve no set com Rex Harrison ficaram famosas, com o ator inglês o acusando de ter um ego por demais inflado. Heston respondeu: “Já interpretei três presidentes, três santos e dois gênios. Se isso não criar um problema de ego, nada o fará”.
Cinturão bíblico
Nascido Charlton Carter em 1923, em Evanston, Illinois, onde aprendeu a caçar. Charlton ganhou o sobrenome do padrasto depois que sua mãe se divorciou e casou-se novamente e se mudaram para Chicago. Lá, começou a estudar teatro na High School e, com a ajuda de uma bolsa da Northwestern University, formou-se ator.
Em 1944, casou-se como uma aluna do curso de teatro. No mesmo ano, alistou-se na aeronáutica, onde trabalhou com rádio-escuta por três anos. Na volta da guerra, os Heston mudaram-se para Nova York na tentativa de achar emprego como atores. Heston conseguiu o papel do tenente em Antonio e Cleópatra, na Broadway. Como o teatro não lhe oferecia muita oportunidade, tentou a televisão. Numa versão de Jane Eyre para a tela pequena, chamou a atenção do diretor Hal B. Wallis, que o convidou para o primeiro filme, Cidade Negra (Dark City, 1950). Dois anos depois, De Mille o chamou para O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952), um tremendo abacaxi vencedor do Oscar de melhor filme.
Fez um oficial da marinha em 55 Dias em Pequim (55 Days at Peking, 1963), de Nicholas Ray, um general em A Batalha do Nilo (Khartoum, 1966). Em 1965, voltou à Judéia de Ben-Hur interpretando João Batista em A Maior História de Todos os Tempos (The Greatest Story Ever Told, 1965), de George Stevens. Ainda na linha de interpretar personagens duros, fez três westerns (entre eles, Da Terra Nascem os Homens [The Big Country, 1965]) e o vilão Cardeal Richelieu em Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers, 1973). Em 1968, fez Planeta dos Macacos (Planet of Aples, 1968), um de seus papéis mais populares, na qual também fez a primeira das quatro sequências.
Política
Charlton Heston foi de início filiado ao Partido Democrata, sempre fazendo campanha, no entando, pelos candidatos conservadores. Foi um dos grandes apoiadores de Martin Luther King, tendo participado da histórica caminhada pelos direitos humanos em 1963, na capital Washington. Foi também presidente do Sindicato dos Atores, de 1966 a 1971.
Com a chegada de Ronald Reagan ao poder em 1987, um antigo amigo, Heston bandeou-se para o Partido Republicano e passou a militar contra o que chamava de "derrocada dos valores americanos". Em 1996, engajou-se na campanha política de 50 políticos republicanos e tornou-se um dos mais verborrágicos críticos de Bill Clinton.
Eleito em 1998 presidente da Liga Nacional do Rifle, tornou-se porta-voz da campanha a favor do indivíduo armar-se, que valeu a Heston uma involuntária e constrangedora aparição no documentário Tiros em Columbine (Bowling for Columbine, 2002), de Michael Moore, na qual seus adversários mais irônicos diziam se tratar de sua melhor performance no cinema. Pela sua dedicação aos valores dos imigrantes pioneiros (orgulho, independência e valor), o presidente George Walker Bush condecorou Heston com a medalha da liberdade.
Sua última aparição foi numa ponta na refilmagem que Tim Burton fez de Planeta dos Macacos (Planet of Aples, 2001), maquiado de símio.