Pode ser que o visual alucinógeno (potencializado pelo investimento pesado feito pela Disney) e a atmosfera obscura abram espaço para sabermos que aquilo se trata de um trabalho do diretor, muito embora, por mais que a criatividade estética seja sua maior marca enquanto realizador, não é possível sentir um toque artístico mais expressivo na narrativa e nem no campo técnico do filme. Isso se deve à ausência de artesanato presente em seus últimos trabalhos (afinal, ele era quase como o diretor de arte das produções), o excesso de CGI e outras técnicas fizeram com que Burton ignorasse o fator pelo qual sua filmografia se distinguia das demais: a sensibilidade extraída do exagero – estético e textual. Mas esse erro não cabe unicamente a Alice no País das Maravilhas, mas também a algumas de suas produções na última década, passando do igualmente problemático Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 2001) ao excêntrico A Fantástica Fábrica de Chocolate (Charlie and the Chocolate Factory, 2005), onde sente-se por parte de Burton um deslumbramento pelo aparato técnico mais pesado, que, eventualmente, ofusca um pouco as inspirações expressionistas tão bem empregadas em filmes anteriores.
Apesar disso, ainda se fazia visível na adaptação do livro de Roald Dahl um quê de diferenciação dos produtos comerciais de Hollywood, já que mesmo sendo um de seus trabalhos mais burocráticos, havia ali um Burton ainda abraçado com ambiguidades e estranhezas de seu cinema (o que faz com que Alice, pelas possibilidades do material original, tenha um resultado tão insosso), com um humor macabro e influências do estilo gótico e do cinema alemão da década de 1920/30. São elementos que aparecem vez ou outra aqui, mas completamente desarticulados, fora do tom. Tudo se limita a uma repetição de cacos, desde a discutível presença de Johnny Depp na pele de um estranhíssimo personagem (se trata nada mais que uma colagem dos tipos que o ator já interpretou, somado aos seus trejeitos já conhecidos, ao contrário de Helena Bonham Carter que rouba todas as cenas em que aparece com sua Rainha Vermelha) até a estética pesada, que parece não atender outra função que não a de decorar um blockbuster.
Problemas à parte, ainda é possível desfrutar de Alice no País das Maravilhas o entretenimento prometido a princípio, quando os personagens tresloucados e os painéis que dão cor ao mundo imaginário ainda eram frutos da expectativa. Não posso negar a curiosidade que alimentava quando o filme ainda era material de pôsteres e trailers, e chegava a inevitável questão sobre o que Tim Burton, cineasta de grande domínio imagético, iria fazer com os textos obscuros e insinuativos de Lewis Carrol – mais propriamente, como seria a união do universo desses dois autores. E, mesmo que a resposta não tenha sido de todo satisfatória, sobra o lúdico, a diversão eficiente dentro das produções comerciais hollywoodianas, e os esporádicos momentos em que o cineasta (que aqui está mais para um empresário que para um autor) faz notar o seu talento.
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