“A Sociedade Começou na Grécia, e terminou nos Estados Unidos.”
O Brasil é carnaval. O Brasil é Tarsila do Amaral. O Brasil fugiu da seriedade e consumiu o que sobrou. O Brasil não tem narrativa. O Brasil é um clímax. O Brasil é continental. O Brasil é arte, é arteiro, e só ele é luxo e lixo. O Brasil é alucinógeno, é Seixas e Anchieta ao mesmo tempo. O Brasil não tem limites, mas tem fronteiras. O Brasil é mil, quando perde a linha mas não esquece Pixinguinha. O Brasil não é política, é corrupção. É banana, Caetano, Gil e Belchior. O Brasil tem vinte anos: Quer sair da casa dos pais, mas não sabe como. O Brasil não é uma contradição. O Brasil é um erro do primeiro mundo, e uma vitória do terceiro. É o que os Estados Unidos quer ser, mas está ocupado trabalhando no escritório com terno e gravata. É o que a Terra deseja ser! Mas a Terra não tem mais vinte anos. Chegou a hora do Brasil chamar o mundo de chato, e não mais querer ser ele quando crescer.
A Idade da Terra é a síntese do cinema do maluco tão sinônimo de Cinema Novo quanto Godard de Nouvelle Vague; a síntese por ser a antítese, a cura pelo avesso, pelo excesso, e a explicação pluralista da filmografia iconoclasta e transcendental do artista das massas – espaguetes e canelones, só se for. O protagonista do filme é o Brasil, multifacetado, tal qual o de Barravento, Câncer, ou Deus e o Diabo que orgulhosamente se sustentam, todos, sobre a base do que é real nesta terra fértil, base revestida pelo surrealismo jamais lenitivo, banhado desde Cabral pelas águas do Atlântico sempre presentes nas obras de Rocha. Mas Rocha é brasileiro porque não nasceu para explicar, e feito Sócrates, morreu sem pagar seus impostos ideológicos para com os obstáculos menos coloridos ou mais reacionários. A Idade da Terra é, não é, e pode ser, a resposta imortal da cultura popular e invariavelmente expressionista do Brasil para o antes e o durante da ditadura militar, sendo que o depois vem a ser a consequência explosiva do fator atemporal do Cinema, voltado para suas obras de seleta e rara relevância e comunicação com o inferno e o paraíso da criação dos Lumiére.
Até e principalmente hoje, a essência exagerada e verborrágica deste filme de Rocha é sempre celebrada por inúmeras companhias de teatro itinerantes Brasil afora, a começar devido o talento e a audácia do cineasta em ser capaz de filmar as epifanias dos oprimidos com a identidade visual das grandes forças transgressoras do audiovisual mundial, como o movimento do neorrealismo italiano, no clássico “Roma, Cidade Aberta", de Rossellini. Um verdadeiro gênio do cinema não é apenas o que faz o melhor filme da sua carreira logo na primeira tentativa: É o que consegue retratar períodos fatídicos da humanidade de uma forma única e inesquecível na tela. Essa é a salvação do cinema, e sempre será.
Muito antes e na mesma década da Nova Constituição Federal Brasileira de 1988, os gritos de Tarcísio Meira e o manifesto naturalista de António Pitanga, o Cristo Negro, já indicavam no Cinema o que o povo nas ruas tinha entalado nas gargantas – e ainda tem, em junho de 2014, por motivos semelhantes. A Idade da Terra tem energia jovial para tratar de temas antigos, o que é sempre bem-vindo. Por ser interpretativo até demais, é um daqueles “filmes do pode ser”: Pode ser acerca do nível de maturidade de uma sociedade sob o véu vermelho da religião, ou sob a pressão de assumir as rédeas de uma evolução nacional em busca de uma liberdade que pode ser, no fim das contas, a libertinagem presente no DNA verde e amarelo, aquém ou além da ordem e do progresso, em um cruzeiro onde as verdadeiras estrelas nunca podem brilhar enquanto vivas.
Não é apenas quando a figura alegórica e exclamativa do Cristo Negro pisa e atravessa a estrada de asfalto que corta a relva baixa em Brasília que o passado e o futuro se encontram, ao som da flauta e berimbau típicos dos filmes do cineasta. É notável como Rocha conseguia seguir uma linha de raciocínio em meio a tantos argumentos aleatórios, anarquia e revolta, a preço de fazer, contudo, o filme ser longo e editado a serviço da repetição quase exaustiva de mensagens e euforias, projetadas numa paleta de cores de dar inveja a Buñuel, um dos grandes ídolos eternos de Rocha, como este mesmo afirma ser em seu espetacular livro O Século do Cinema, da editora Cosac Naify. O cineasta, fotógrafo oficial de toda uma geração, era lúcido o bastante para proibir seu legado de também ser, permitindo, portanto, que seja alucinado o bastante para integrar, e não complementar, o coletivo social já completo. Completo, sim, mas que ainda não percebeu a própria autossuficiência nacional. Se é cedo ou não, o que importa no caminho do progresso não é a sua idade, mas sua maturidade.
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