Você pode gostar de um filme simplesmente por ele ser bom e possuir qualidades abraçadas por você ou também quando você se vê tocado pessoalmente por ele. Locke, produção britânica independente, me chamou a atenção pelos dois motivos. Filme minimalista que se desenvolve através de poucos elementos, extremamente sensorial, te convida a pegar carona com Ivan Locke e compartilhar com ele poucos minutos de um pesadelo da vida real, munido de uma estética reminiscente do filme Enterrado Vivo, e comparar os dois filmes sobre este posto de vista seria viável aqui. Só que Locke oferece uma aura muito mais humana e não apenas uma questão de instinto de sobrevivência e de estar diante da morte e lutar pela vida mas de saber lidar com os problemas e tomar a decisão certa para assim administrá-la. E tudo numa maldita noite.
Soa perfeitamente real e verossímil. Esqueça Hércules ou tantos outros heróis poderosos e musculosos. Aqui está um homem que sabe como ficar sozinho, que tem plena convicção das besteiras que fez e procura da forma mais branda possível resolvê-las ainda que seja facilmente perceptível olhando dentro dos seus olhos que seu mundo caiu, e que todos os edifícios que construiu durante a vida está desmoronando dentro de poucos minutos. Um verdadeiro guerreiro. Um homem perfeitamente comum. Por isso fica fácil sermos projetados para dentro daquele carro e ficarmos ali de espectador, intrigados com as guinadas que a vida pode dar no mais mortal dos homens.
O roteiro do diretor Steven Knight reserva momentos sufocantes que afeta o espectador aos poucos. Seu início é vago e pouco elucidativo. Não entendemos o que se passa. O personagem não entra no carro, ele já está lá desde o início, e digo logo, até o final. Os telefonemas são as jogadas certeiras que o diretor usa pra situar o espectador aos acontecimentos. Há apenas um personagem em cena e o carro e a pista são os cenários. Ideia muito bem-vinda para um cinema esgotado de criatividade nos dias de hoje. Percebe-se facilmente que Knight não está preocupado em vender seu filme, ou ganhar o espectador com fórmulas baratas, mas experimentar com o minimalismo um texto forte e orgânico. Por isso Locke não se enquadra num filme que conquista rápido. Ele tem apenas menos de 90 minutos pra contar uma história em tempo real e ao mesmo tempo fisgar o espectador. Durante uma Premiére no Reino Unido, Steven Knight afirmou queria fazer algo completamente diferente, em um espaço confinado, sobre um cara cuja vida muda durante o curso de uma viagem, e que ele nunca deixe o carro.
SPOILER >>
Assim sendo, o diretor coloca o personagem em situações extremas, extremas mesmo, e ele tem apenas ligações telefônicas para resolvê-las. Ivan Locke é um homem comum, gerente de obras que está prestes a enfrentar o maior desafio dos seus 9 anos de carreira. Tem uma família atenciosa de dois filhos e uma esposa. No carro, descobrimos que ele está indo para o parto de uma amante que ele conheceu meses atrás e a deixou prenha. Como lidar? Locke não se acovarda e decide enfrentar as consequências, até porque não havia mais para onde correr. Além de não poder estar em casa e assistir a um jogo importante com a família, ele não poderá gerenciar a maior entrega de concreto da Europa para a construção de um gigantesco edifício, o que leva à sua demissão. Se nada poderia piorar, ele conta a verdade sobre a traição para a esposa e no hospital, a amante está em trabalho de parto prematuro e extremamente delicado com o cordão umbilical enrolado no pescoço da criança. Ivan teve a chance em vários momentos de voltar atrás, mas a cada momento que olhava no retrovisor tinha a certeza que estava agindo corretamente, não caindo na hipocrisia de cometer os mesmos erros do pai, que por sinal, é um belo modo de encorajar o personagem usado pelo diretor. É como dizem: "Quer me animar, diga-me que não vou conseguir"
Sobre o final, a qual muitos se queixaram por ele ser vago e sem um término definitivo, eu achei mais que digno. É preciso ver Locke com um olhar humano, você não está apenas assistindo uma história filmada, mas também uma história comum de pessoas como nós que vivemos constantemente reféns de problemas adquiridos por escolhas erradas. Seria muito injusto da parte de Knight entregar um final aprazível onde todos os extremos se resolvem. Ele deixa somente algumas parcelas resolvidas. Nada está completamente terminado. O caminho ainda é árduo pra trilhar e enfrentar após sair do carro. O bebê nasceu. Ok! O filho diz que está esperando o pai para rever o jogo, e a chegada dos concretos está segura. Aparentemente tudo está amenizado mas acredito que não terminado.
Não gostei tanto quanto vcs, mas o texto ficou muito bom mesmo, e o Hardy, sem palavras .. já é um dos grandes. Parabéns, Anderson.
Vlw Nilmar 😉
Cara, belíssimo texto! Até então não havia notado a metáfora do diálogo do filho dele sobre o gol, embora tivesse pensado na hora de que devia haver um porquê para aquela fala do filho. E você comentou o final... eu o entendi como uma bela metáfora, metáfora contida no choro da criança. Algo como o nascimento de uma vida, uma nova forma de ver a vida, pois a vida do Ivan, na teoria, começara novamente (Se a esposa realmente não quiser ele de volta, e se ele não voltar mesmo ao emprego)
Agora que vi seu comentario cara. Pois é, eu fiquei tão hipnotizado com o filme que via mensagem em qualquer diálogo hehe.