Uma comédia romântica deliciosa de um dos diretores mais vitoriosos do cinema. Como Roubar Um Milhão de Dólares foi um dos últimos trabalhos de William Wyler, e talvez o mais subestimado de todos.
Os cinéfilos hão de concordar comigo. Poucos prazeres da vida são tão apreciáveis quanto assistir a um filme de Audrey Hepburn. Ela, considerada um verdadeiro símbolo de elegância, foi eleita recentemente como a mulher mais bela do século 20. De fato, quem tem a imagem da atriz na cabeça sabe que a sua beleza estonteante fora sempre intensificada pelo charme, com o qual Hepburn sempre fez questão de mostrar. A eterna "Bonequinha de luxo" faz em "How to Steal a Million", uma de suas participações mais interessantes e carismáticas no cinema. Talentosa e linda, Hepburn interpreta Nicole, uma parisiense filha de um famoso colecionador de arte, o senhor Charles Bonnet (Hugh Griffith). Em sua primeira aparição no filme, Audrey está linda, charmosa, muitíssimo bem vestida. Enquanto dirige, ela ouve no rádio uma notícia de que um quadro do pintor Paul Cézanne acabara de ser leiloado em Paris. Segundo o locutor, a obra fazia parte da coleção Bonnet e foi arrematada por mais de 500 mil dólares. Tinha tudo para ser uma excelente novidade, não fosse o pequeno detalhe do pai de Nicole ser um talentosíssimo falsificador de obras de arte. Se existe alguma verdade por trás de todos os quadros e esculturas que Charles Bonnet falsificara, é que eles são tão perfeitos que somente os exames mais específicos e detalhistas poderiam identificar vestígios de fraude. Mas o único problema de toda a situação é que forjar obras é crime. E pelo visto, por mais que Nicole insista em lembrar o pai sempre que pode, este parece não dar a mínima importância para o risco de ser descoberto e preso.
Mas o caso fica ainda mais crítico quando Charles decide doar sua Vênus de Cellini, falsificada pelo avô de Nicole, para a exposição de um conhecido museu em Paris. É bem verdade que a escultura fora muitíssimo bem copiada, uma vez que ninguém jamais desconfiou de nada, mas expô-lo para o público é tão arriscado quanto deixar um técnico analisar a obra em detalhes. Na noite de inauguração da obra no museu, no entanto, Nicole ficou em casa sozinha na companhia de seu livro. Enquanto lê a Alfred Hitchcock's Mystery Magazine, a jovem escuta ruídos vindos da sala. Apavorada com a ideia de ser um ladrão que acabara de invadir sua casa, Nicole desce as escadas cautelosamente e flagra um homem de terno, alto, bonito e de olhos azuis com o quadro (forjado) de Van Gogh nas mãos. É Simon Dermott (Peter O'Toole), detetive particular contratado para verificar se existe falsificação nas obras da coleção de Bonnet. Nicole, evidentemente, pensa que ele é um ladrão, o que o próprio Simon acaba por confirmar. Apontando uma arma para ele, assustada e confusa, ela acaba sem querer dando-lhe um tiro. Passado o susto, ela decide não chamar a polícia (publicidade para o caso aumentaria os riscos do pai ser descoberto), e resolve fazer-lhe um curativo no braço, onde a bala passou de raspão. Cria-se então uma interessante relação entre os dois. O ladrão sendo atendido pela dona da casa a qual ele invadiu não é lá algo que o espectador pudesse esperar. Muito o menos o que viria a seguir. Nicole, penalizada por ter dado um tiro acidental no pobre ladrão inexperiente, se vê obrigada a levá-lo para casa, ou melhor, conduzi-lo até o hotel Ritz, onde Simon está hospedado. "Você é um ladrão bem chique, não acha?", comenta ela enquanto dá a partida no carro. Agora, o mais improvável acontece quando Nicole está para pegar o taxi de volta para casa. Simon arranca-lhe um beijo, completamente inesperado, que deixa a jovem zonza. Não é preciso dizer que a relação dos dois, embora desse indícios de terminar por aí, viria a desenrolar no principal conflito do filme, o tal roubo de 1 milhão de dólares.
No dia seguinte, os Bonnet recebem a visita de um funcionário do museu, que trouxera alguns papeis referentes à Vênus de Cellini, os quais o antigo proprietário precisaria assinar. Sem saber, Charles acaba autorizando um exame técnico da obra, a fim de validar o seu seguro de um milhão de dólares. Essa é a última coisa que poderia acontecer, uma vez que qualquer análise mais detalhada da escultura denunciaria a falsificação que nela foi feita. Preocupada com o futuro do pai, que certamente pegaria muitos anos de prisão, Nicole toma uma decisão drástica. Ela vai ao encontro de Simon e pede-lhe que não fizesse perguntas. Ela sonda o "ladrão" e pergunta se ele poderia ajudar-lhe num roubo. Por motivos os quais o espectador ainda desconhece, Simon aceita, depois de uma muita insistência, roubar a Vênus de Cellini do museu. O único, mas essencial detalhe, é que a escultura está extremamente bem protegida. Será preciso traçar todo um plano, isento de falhas, para conseguir chegar perto da obra. E Simon e Nicole estão dispostos a ir até o fim para roubar a peça de arte de um milhão de dólares, nem que pra isso eles precisem ficar mais tempo do que imaginavam na companhia um do outro.
Não quero ficar nem mais um minuto sem falar dos dois protagonistas. Peter O'Toole e Audrey Hepburn, os eternos Lawrence na Arábia e Bonequinha de luxo, respectivamente. Dois símbolos da elegância em Hollywood. Dois grandes intérpretes. Aqui, no auge de suas carreiras, O'Toole e Hepburn formam um dos casais mais carismáticos do cinema. A atuação de ambos extrapola quaisquer expectativas, e quem sai ganhando é o espectador. É um prazer ver dois grandes e admiráveis nomes do cinema juntos em cena.
Mas "Como Roubar um Milhão de Dólares" tem outros pontos que merecem destaque. O mais importante deles é, sem dúvida alguma, o diretor William Wyler. Ele, que foi um dos cineastas mais premiados de todos, comanda este filme com experiência nítida, e fez de tudo para extrair o melhor de cada um dos intérpretes. Se Hepburn e O'Toole já foram consagrados por outros papeis no cinema, Hugh Griffith, que interpreta Charles Bonnet, não fica muito atrás. Sua figura caricata e simpática, que lembra muito a de um homem desequilibrado, já havia emplacado com Ben-Hur, filme pelo qual ele ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Anos depois, ele seria indicado mais uma vez na mesma categoria, pelo filme As Aventuras de Tom Jones. Wyler, conhecendo seu talento, fez um ótimo trabalho com o ator, o mais cômico do elenco. O resultado é um personagem esquizofrênico, divertido e inusitado. Outro que faz uma participação pra lá de especial no longa é o ator Eli Wallach. Pra quem não sabe quem é, Wallach esteve recentemente em O Amor Não Tira Férias, como o roteirista aposentado Arthur, amigo de Iris, personagem de Kate Winslet. Aqui, o ator fez um excelente trabalho, e também merece destaque.
Mas Wyler utilizou mais do que sua experiência para guiar o elenco. O diretor optou por manter as câmeras afastadas, um presente e tanto para o diretor de fotografia Charles Lang, que pôde criar enquadramentos mais sofisticados. Desta forma, Wyler evitaria muitos cortes entre as sequências, o que valorizaria a interpretação do elenco em geral, uma vez que eles teriam que decorar um número maior de falas.
O cineasta ainda escolheu trabalhar com o até então desconhecido compositor de trilhas sonoras, John Williams. Wyler queria músicas suaves, outras vibrantes e divertidas. E ele teve o que queria. Este foi um dos primeiros trabalhos do compositor, que mais tarde se tornaria famoso pelas trilhas de Missão Impossível, Guerra nas Estrelas, Tubarão e Jurassic Park.
Para terminar, é preciso dizer que Como Roubar um Milhão de Dólares é um dos filmes mais divertidos da década de 60. Uma comédia romântica charmosa, deliciosa e muito divertida. Vale muito por causa da química entre Audrey Hepburn e Peter O'Toole, mas vale também porque trata-se de um dos trabalhos mais inusitados de William Wyler, um digno colecionador de Oscars.
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