Por trás do “feio”, um camaleão.
Os predicados são muitos: foi um dos três protagonistas do famoso faroeste de Sergio Leone, Três Homens em Conflito. Um dos atores da primeira leva do famoso Actors Studio, onde foi colega de Marlon Brando, Sidney Lumet e Montgomery Clift. Atuou ao lado de lendas como Charles Bronson, Marilyn Monroe, Clark Gable, Henry Fonda, Gregory Peck, James Stewart, Peter O’Toole, Audrey Hepburn e Al Pacino. Foi dirigido por Elia Kazan, John Ford, Don Siegel, John Sturges, Henry Hathaway, John Huston, William Wyler, Francis Ford Coppola, Clint Eastwood, Roman Polanski, entre outros gigantes. Percorreu uma trajetória que começou lá na Era de Ouro de Hollywood, passando pelas mudanças sofridas pelo cinema americano entre os anos 1960 e 1970, sobrevivendo pelas décadas de 1980 e 1990 e ainda na ativa dos anos 2000 pra frente, sem nunca deixar a peteca cair.
No entanto, não são todos que conhecem Eli Wallach pelo nome. Provavelmente você já deve ter visto um filme com ele, seja um fã do cinemão clássico ou um espectador desinteressado de filmes ocasionais. Mas não é surpresa que ele tenha passado quase que despercebido pela grande maioria durante todos esses anos, visto que, no cinema, Eli Wallach foi bastante relegado.
Nascido em 7 de dezembro de 1915, na cidade de Nova York, Eli Wallach era filho único de um casal de imigrantes judeus poloneses. Ainda novo se formou na Universidade do Texas, e recebeu o título de mestre em artes no conceituado City College of New York. Também veio a estudar na Neighborhood Playhouse School of the Theatre, se especializando no famoso “método”, ou “sistema”, criado pelo diretor russo Constantin Stanislavski, uma técnica que aposta em atuações mais próximas da realidade, que se contrastavam com aquelas mais artificiais do cinema clássico hollywoodiano.
Na Segunda Guerra Mundial, Wallach serviu como sargento e segundo-tenente, em hospitais militares ao redor do mundo, como Havaí, Marrocos e França, onde promovia espetáculos para pacientes, evidenciando sua aptidão para o meio artístico.
Não demorou muito para chegar à Broadway, em 1945, e seis anos depois recebeu um prêmio Tony por sua atuação como Alvaro Maggio, na peça de Tennessee Williams, A Rosa Tatuada – o mais prestigiado troféu de sua carreira como ator, e provavelmente o auge de seu reconhecimento. O preço a pagar foi caro, visto que para aceitar o papel, teve de rejeitar a participação no filme de Fred Zinemmann, A Um Passo da Eternidade (1953), e seu personagem ficou para Frank Sinatra, que acabou ganhando o Oscar de melhor ator coadjuvante e solidificando sua carreira no cinema. Nesse meio tempo, Wallach conheceu nos palcos sua esposa, a atriz Anne Jackson, com quem foi casado até sua morte e com quem atuou em diversas peças ao longo da vida.
Não à toa, Elia Kazan viu seu potencial com o texto e Williams e o convidou para sua estréia no cinema, na adaptação de uma peça do dramaturgo, Boneca de Carne (1956), pelo qual recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante. Logo em seguida aceitou seu primeiro grande vilão no cinema, em O Sádico Selvagem (1958), de Don Siegel. O elegante assassino, conhecido como Dancer, seria o primeiro de uma série de vilões que com o tempo fariam de Wallach um ator marcado por papéis de antagonistas. Seu desempenho chamou a atenção de John Sturges, que o escalou para viver o bandido mexicano de Sete Homens e Um Destino (1960), famosa refilmagem do clássico de Akira Kurosawa adaptada para o Velho Oeste.
Seus próximos papéis de destaque foram em Os Desajustados (1961), de John Huston, e A Conquista do Oeste (1962), de John Ford. No primeiro, Wallach atua ao lado de Clark Gable e protagoniza uma famosa cena em que dança com Marilyn Monroe. Na época, os produtores apostavam numa química explosiva entre Marilyn e Gable, ou talvez com Montgomery Clift, para atrair o público, mas foi uma surpresa quando a atriz pareceu se interessar muito mais pelo porte rústico e bruto de Wallach do que nos outros dois almofadinhas, o que resultou num entrosamento muito forte entre os dois. Já no filme de Ford, co-dirigido por Henry Hathaway e George Marshall, Wallach conseguiu se destacar em meio a um gigantesco elenco de estrelas.
Wallach continuou em ascensão por ser constantemente escalado para diversos papéis, porém poucas vezes conseguindo atuar como protagonista. Entre os títulos mais memoráveis dessa fase estão Os Vitoriosos (1963), com Albert Finney, George Hamilton e Jeanne Moreau; a aventura da Disney O Segredo das Esmeraldas Negras (1964); o épico Lorde Jim (1965), com Peter O´Toole; e a charmosa comédia romântica de William Wyler, Como Roubar Um Milhão de Dólares (1966), ao lado da musa Audrey Hepburn.
No mesmo ano do filme de Wyler, Wallach finalmente conseguiu protagonizar uma grande produção, o faroeste Três Homens em Conflito, no papel de Tuco, o “feio”. Em sua autobiografia, Wallach muito elogia a produção, em especial o colega Clint Eastwood (que viria a dirigi-lo futuramente), critica a total falta de segurança durante as filmagens e o aparente descaso de Leone perante isso, e ainda afirma que só foi descobrir que ele era o feio do título original quando assistiu ao filme pronto. Seu próximo projeto, para a televisão, foi o curioso papel de Mr. Freeze no seriado Batman, um personagem que também foi encarnado por Otto Preminger e George Sanders.
A visibilidade que ganhou neste bom momento de sua carreira garantiu a Wallach uma boa safra de filmes no fim da década de 1960 e por toda a década de 1970, como O Ouro de Mackenna (1969), faroeste estrelado por Gregory Peck e Omar Sharif; Licença Para Amar Até a Meia-Noite (1973), com James Caan; Crazy Joe (1974), com Peter Boyle; e O Fundo do Mar (1977), uma aventura de terror de Peter Yates, estrelada por Jacqueline Bisset e Nick Nolte.
Estreou nos anos 1980 com o filme derradeiro de Steve McQueen, Caçador Implacável (1980) e ao longo da década conseguiu papéis bastante interessantes, em filmes como A Canção do Carrasco (1982) e Querem Me Enlouquecer (1987), com Barbra Streisand, Richard Dreyfuss, Leslie Nielsen e Maureen Stapleton. Já nos anos 1990, se consagrou com o vilão do capítulo final da trilogia de Francis Ford Coppola, em O Poderoso Chefão III (1990). No mesmo ano, ainda estrelou com Harvey Keitel A Chave do Enigma (1990), dirigido por Jack Nicholson, mais conhecido por ser a continuação do filme Chinatown (1974), de Roman Polanski. Após isso, foi ficando com papéis cada vez menos importantes, em filmes não tão lembrados.
Nos anos 2000, já considerado lenda viva do cinema, Wallach é escalado para produções de diretores importantes, como Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood; O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski; e Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (2010), de Oliver Stone, embora não tenha recebido um papel importante em nenhum desses três filmes. Nesse meio tempo, ganhou o que talvez seja o mais singelo reconhecimento de sua importância e carreira na bela comédia romântica O Amor Não Tira Férias (2006), de Nancy Meyers, no qual interpreta um amargo e esquecido roteirista da Velha Hollywood - o mais próximo de ser seu papel mais autobiográfico, lhe permitindo lembrar seus tempos áureos, ao lado de Kate Winslet e Jack Black.
Em 2010, Eli Wallach recebeu um Oscar honorário, sendo chamado na ocasião de ‘camaleão por excelência’. Mais uma prova de que seu reconhecimento no cinema veio tarde, embora seja um dos nomes mais sólidos do teatro americano. Nada que o incomode, visto que o ator por diversas vezes afirmou que sua carreira no cinema era apenas “um meio” para se sustentar como ator, sendo os palcos o seu verdadeiro lar, e onde encarnou seus maiores desafios. Embora nunca tenha recebido o valor que merece, foi maior do que uma boa parte dos grandes de sua geração e agora sentimos sua perda, aos 98 anos, de causas ainda não reveladas. Que sua morte sirva para chamar a atenção, nem que só por um tempo, para a carreira de um dos maiores atores do cinema americano, que fará falta para aqueles que conseguiam enxergar seu brilho “feio” em meio ao glamour das outras estrelas que por tantas vezes o ofuscaram.