“Gostei” – Esse foi meu pensamento após sair da sessão de Jogos Vorazes. E no minuto em que coloquei o pé para fora da sala de cinema fiquei ansioso para rever o filme. O motivo era que antes de começar a assistir o longa estava com uma expectativa assustadoramente alta, já que tinha acabado de ler o livro um dia antes e tinha gostado muito. Por isso, uma dúvida surgiu na minha cabeça: Será que minhas expectativas tinham me cegado? Não tinha achado o filme perfeito, mas parecia ter chegado bem perto. Exatamente por isso eu queria revê-lo: Para poder analisar a produção com minha cabeça menos eufórica e mais calma. Quando cheguei em casa e liguei o computador li críticas e resenhas que destruíam o filme de todas as formas possíveis, e isso me fez ficar mais curioso ainda. E após três meses, eu, finalmente, revi Jogos Vorazes e tenho que admitir: Gostei tanto quanto da primeira vez.
Adaptado á partir do romance escrito por Suzanne Collins, The Hunger Games se passa num futuro pós-apocalíptico onde a América do norte foi divida em treze distritos, que são liderados por uma capital. Após uma tentativa frustrada de revolução comandada pelo distrito 13 (que é completamente destruído), a Capital os jogos que servem de título para a história. Que resumidamente se consiste em vinte quatro adolescentes (um casal de cada distrito) numa arena que são obrigado á lutar até a morte, até o momento que reste apenas um vencedor.
A direção de Gary Ross acaba sendo o ponto mais controverso, ao meu ponto de vista: Abusando de uma granulação exagerada e, por isso, interessante, o cineasta acaba limitando cenas violentas em função de diminuir a classificação indicativa (algo que obviamente renderia mais lucro, além de abrir a possibilidade do público alvo poder ir aos cinemas assistir o filme), não que Jogos Vorazes não tenham cenas pesadas: Um momento em especial é brutal e tratado por Ross de forma crua e, mesmo que a violência não seja totalmente explícita ela é presente. Isso é uma consequência da câmera trêmula e inquieta de Ross que trata o filme como se ele fosse uma produção de baixo orçamento, e isso é impressionante já que Jogos Vorazes é vendido como o novo sucesso adolescente, e essa espécie de séries costuma se sair muitíssimo bem nas bilheterias.
Por isso, os efeitos especiais mais escancarados acabam não sendo completamente convincentes (as chamas que acompanham os protagonistas durante o desfile de apresentação e as criaturas que surgem no fim de terceiro ato). Por outro lado, Jogos Vorazes conta com cenas empolgantes e que levam o espectador a torcer por um final feliz. As sequências de ação e correria que se passam na arena são ótimas e muito bem encenadas, conseguindo imergir o público de uma maneira inacreditável, e aquelas que focam ou na tensão (eu dei um pulo assustado, as duas vezes que assisti, em um momento em particular) ou no drama dos acontecimentos (como não se emocionar com um momento tocante que acontece no fim do segundo ato?) são bem sucedidas. Além disso, a trilha sonora passa longe de seguir padrões de blockbusters aguardados, investindo em canções mais sutis e acordes que não elevam qualquer emoção que o longa tenta transmitir – o bom é que isso acaba sendo um ponto positivo, já que Ross consegue transmitir o necessário apenas com o visual e os efeitos sonoros.
Da mesma forma, The Hunger Games é extremamente bem sucedido ao fazer uma comparação devastadora entre os dois lugares que se passam os primeiros sessenta minutos de projeção: O início, no distrito 12, transborda uma miséria e decadência completa, já que tanto a direção de arte (casebres caindo aos pedaços, barro e terra por todos os lados) quanto o roteiro (‘É Real?’ – Questiona a protagonista ao pegar um pão) constroem um locam melancólico onde nenhum de seus habitantes parece ter momentos felizes. Á partir daí, começamos a assistir o desfile exagerado e extravagante que ocorre na capital, onde as pessoas andam com roupas coloridas e cheias de acessórios desnecessários, cílios gigantes e cabelos de várias cores, e é bom notar também o momento em que Katniss é arrumada por uma equipe: A garota causa uma certa repulsa apenas por ser “normal”.
Além disso, a forma com que os jogos vorazes são tratados pela população da capital é interessantíssima, já que todos parecem ignorar o fato de que nos outros distritos pessoas morrem de fomes todos os dias. E como se isso não bastasse, os jogos são tratados como algo para se comemorar e aplaudir. E é por isso que as críticas á nossa sociedade funcionam tão bem, já que o roteiro faz uma comparação de nós, como cidadãos da capital que ignoram os mais pobres; e as óbvias mensagens sobre reality-show e a falta de conforto que causa á seus participantes, e mesmo assim, uma grande parte das pessoas fica envolvida com o programa.
Mudando um pouco de assunto, tenho que comentar sobre as reviravoltas e os acontecimentos que acontecem ao decorrer dos jogos: Ao meu ponto de vista, a separação dos tributos em pequenos grupos é algo natural e que enriquece ainda mais a narrativa, já que é o causador de cenas que causam uma impressionante preocupação no espectador. E as pequenas mudanças de regras também não me incomodaram, muito pelo contrário, a grandiosidade que aparecerá nos capítulos seguintes precisava desse final e dessas reviravoltas, sem nenhum tipo de mudança.
Jogos Vorazes ainda é muito bem sucedido na transição da obra literária para ás telonas: Completamente fiel ao texto original de Collins, o roteiro consegue montar o universo sem parecer forçado e o script ainda escapa de uma armadilha mortal: O livro é narrado em primeira pessoa pela protagonista, por isso vemos tudo á partir de seu ponto de vista, e felizmente, não temos nenhuma narração em off, mesmo que a história ainda fique focada em Katniss e nunca nos outros participantes (o que não é algo ruim, mas pode acabar incomodando algumas pessoas). E as pequenas alterações feitas pelo roteirista são boas e até acrescentam novos e interessantes elementos á narrativa (no livro, por exemplo, não temos os diálogos do Presidente Snow com o responsável pelos jogos, nem as cenas que se passam na sala de ‘edição’, muito menos a revolta dos habitantes do distrito 11 diante as ações da personagem principal). Infelizmente algumas coisas acabam ficando um pouco mais rasas do que no romance: A tragédia envolvendo o pai de Katniss não é tão explorado; o passado de Katniss e Peeta não é explicado com muita eficiência e a conclusão perde um pouco de sua força (aliás não estamos dentro da cabeça de Katniss para poder ouvir seu plano).
Outro ponto que merece destaque é a composição corajosa e fascinante de Jennifer Lawrence, que analisa as camadas psicológicas de Katniss e ainda a transforma numa figura imponente e que sempre coloca os outros á cima de si, além disso, o roteiro não ajuda a garota em momento nenhum (e quando essa ajuda chega é por causa de outra ação da garota). Jogos Vorazes ainda se separa de outras franquias adolescentes ao incluir um romance crível e impactante: Diferente do que se espera, Katniss não ama nenhum garoto, ela é quem atraí Peeta e Gale. Seu relacionamento com Gale acaba sendo um pouco insatisfatório, já que no livro os dois eram tratadas como quase irmãos (eu prefiro dessa forma), não incluindo olhares de decepção do garoto ao ver sua ‘amada’ beijando outro. Porém, a dinâmica de Katniss e Peeta é excelente, já que o filme consegue estabelecer e desenvolver os sentimentos de um pelo outro: Ele a ama, ela se importa com ele mas não o suficiente para amá-lo.
Se apresentando uma surpresa inteligente e com personagens complexos, Jogos Vorazes pode sim ser considerado o substituto de Harry Potter (mesmo não tendo o mesmo número de livro/filmes), mas fazer uma comparação entre os dois é algo ridículo. O fato é que eu ainda não tenho certeza se minha ansiedade me atrapalhou novamente (já que estava esperando o dia em que eu poderia vê-lo mais uma vez), e por isso: Não vejo a hora de ver Jogos Vorazes uma terceira vez...
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário