O diálogo para com uma plateia naturalmente oposta ao que se debate numa tela de cinema é um dos maiores desafios que um cineasta pode encontrar, não importa qual tipo de carreira ele esteja a construir. Demanda precisão, subjetividade diante de uma polêmica que vende e atrai curiosidade, é a regra artística do “muita calma nessa hora”. Porém, curioso mesmo é que o diálogo permanece sendo interpretativo como qualquer outro, não só pra existir, mas para sobreviver e fluir rumo à proposta que esteja em torno. É o que importa em um filme, não é mesmo? O não-entendimento total de quem vê, mas o de quem faz e protege as melhores cartas debaixo da manga. Se Fellini me faz lembrar que Cinema é luz, em todos os sentidos, então quem somos nós para definir o que se exibe e o que se esconde nas sombras de uma projeção, ou ainda na intenção de um cineasta? Pergunta retórica à parte, o segredo revelado a seguir está em conseguir extrair palavras do sentimento, que por sua vez deriva das imagens do filme em questão, e se desconstrói na mera lembrança do amor selvagem e puro de dois cowboys em tempos pré-Feliciano.
O pensador indiano Bhagwan Shree Rajneesh estabelece que todo desejo, sem exceção, é miséria por ser uma fantasia ligada ao futuro, e assim sendo, seres humanos alcançam a satisfação plena vivendo e vivenciando o estágio presente do tempo, sem frustrações ou expectativas senão o agora. Filosofia pé no chão que Ang Lee, famoso na época por conseguir fama e prestígio americano com um regular épico oriental (O Tigre e o Dragão), feito que Kurosawa concretizou só a partir de Ran no final do século XX, traduziu em um dégradée emocional através de suas marcas, o detalhamento estético e singelo de sempre, aqui mais necessários do que nunca, em uma fábula explícita e sensorial de ambos elementos extremos. O que de mais óbvio e sacana aconteceria com dois homens inseguros sobre si mesmos em isolamento progressivo da grande sociedade? Lee responde que no lugar natural das coisas não repousa segredos ou jardins a serem podados, nem nada para se esconder enquanto tudo permanecer em harmonia à mãe-natureza. Simples, assim.
O realizador não prova isso com os belos panoramas que promovem a vegetação palco do entrelaçamento sensível de duas almas na vastidão rústica do oeste dos Estados Unidos, mas começa a sugerir o tom com a trilha sonora de Gustavo Santaolalla; melodias de violão e violino contidas, notas sugestivas que quando estão prestes a atingir picos de som voltam rápidas a prezar pelo silêncio, como o romance captado pela câmera que narra tudo com uma roupagem reflexiva, dai o título que alguns espectadores cedem ao filme como sendo o melhor romance da década. Será?
Pretensões de lado, fato é que Lee confere equilíbrio ao seu mundo de liberdade justamente expandindo a história adentre um universo maior e fechado em si, mascarado e frio: Cheio de adversidades antinaturais, onde quase nada flui e tudo parece ser mecanizado, racionalizado demais! Essa é uma das razões para o beijo de reencontro entre Ennis Del Mar (Heath Ledger, já imortalizado antes de ser o Coringa) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal, a bicha passiva, mas de paixão também primitiva) ser espetacular – seja pelos nossos olhos, seja pelos olhos da esposa inevitavelmente traída de Ennis, Alma (Michelle Willians, a melhor atuação do filme). Um desses raros turbilhões feitos para seus atores brilharem, mas que vão muito além disso.
Embora suas perspectivas mereçam ser degustadas, é de se notar por exemplo o farto uso de metáforas em O Segredo de Brokeback Mountain à partir de pequenos signos lineares ligados à seu contexto, como o fato de Ennis e Jack serem contratados para trabalhar ordenhando ovelhas, porque não se “vingando” de uma gente, através dos bichos, que ordenhou seus sentimentos a vida toda até suas almas se encontrarem sem rédea alguma, senão pelo limite de seus desejos. Se o Osho Rajneesh estava correto em afirmar que o topo da montanha da realização pessoal se estaciona no hoje, o ponto de vista tão bem cozinhado de Ang Lee em sua obra-prima poética e lenitiva aos males desse mundo, acaba por ser o mais autêntico e real possível, em um produto com alma, coração e mitologia que exalam do que contém, inclusive cuja força poderia ser a mesma caso fosse conduzido por personagens heterossexuais. E que brinca com o sentimentalismo e o efeito 3D emocional que certos fluxos sensoriais trazem à tona durante toda a experiência.
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