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Críticas

Cineplayers

A mais nova colaboração medíocre entre Tim Burton e Johnny Depp.

5,5

O escritor Seth Grahame-Smith foi descoberto pelo grande público norte-americano em 2009, quando, a partir de uma ideia do editor Jason Rekulak, acrescentou zumbis à história clássica de Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005) e inventou o que já é considerado um novo gênero literário, o mashup. O sucesso literário do autor logo atraiu o interesse de Hollywood, que antes mesmo de levar Orgulho e Preconceito e Zumbis (Pride and Prejudice and Zombies, 2013) e o best-seller subseqüente do autor, Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros (Abraham Lincoln: Vampire Hunter, 2012), aos cinemas, o contratou para roteirizar Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), adaptação à série homônima de TV da década de 60, conferindo a Tim Burton a direção do longa-metragem.

A equipe designada pela Warner Bros. para a realização do projeto sempre pareceu muito coesa. A peculiar história de uma família que descende de um vampiro, adaptada pelo escritor que transformou a mesma figura mitológica em caça do 16º presidente dos Estados Unidos, não poderia contar com melhor diretor que o responsável pelos bem-sucedidos Os Fantasmas se Divertem (Beetle Juice, 1988), Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990) e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (Big Fish, 2003), onde alia tão bem o sobrenatural e o fantástico a personagens reais e contemporâneos, artista cuja influência gótica serviu organicamente inclusive em Batman (Idem, 1989). No entanto, a ponta de decepção ao término da sessão deflagra a falta que faz um roteirista com experiência na função para realizar um trabalho de fato consistente, que se equiparasse às obras citadas.

No argumento escrito pelo mesmo Seth Grahame-Smith ao lado de John August, colaborador frequente de Tim Burton, Barnabás Collins (Johnny Depp) e sua noiva, Josette Dupres (Bella Heathcote), são amaldiçoados pela bruxa Angelique Bouchard (Eva Green), amargurada por seu amor não correspondido pelo jovem herdeiro de Colinwood. Assim, Barnabás vê sua amada morrer e, transformado em vampiro e acusado de crimes que não cometeu, é condenado pela população que tanto o amava ao cárcere dentro de um caixão. Libertado após 200 anos de confinamento, Barnabás se vê na condição de recuperar o prestígio financeiro de sua tradicional família e viver um novo amor com a governanta Victoria Winters (a mesma Heathcote, claro), ambições que provocam a ira de uma rival centenária.

O tom afetado de Johnny Depp na composição do protagonista reproduz a seu modo a típica figura vampiresca – no caso, o modelo é a clássica e sinistra cortesia eternizada por Bela Lugosi em Drácula (Dracula, 1931) -, servindo bem à comédia sem, felizmente, voltar a parecer um espectro de Jack Sparrow, como ocorreu nos enfadonhos A Fantástica Fábrica de Chocolate (Charlie and the Chocolate Factory, 2005) e Alice No País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010), duas de oito colaborações do astro com o cineasta californiano.  Grahame-Smith e Burton apropriam-se desse trunfo e apresentam o que de melhor tem o filme: a exploração do choque de culturas entre o eloquente vampiro britânico do século XVIII e a sociedade pós-hippie da colorida década de 70. Os mesmos realizadores, porém, também pecam pelo excesso, destinando tanto tempo de projeção a inteiros diálogos e cenas inúteis ao desenvolvimento da trama que esse é severamente prejudicado.

A família Collins, privilegiada por figurino e direção de arte que a tornam visualmente fascinante, é tão mal explorada que certa atitude repulsiva de Roger (Jonny Lee Miller) gera tamanha indiferença no espectador que cabe a Burton conferir à cena um componente irônico através de sua inconfundível mise en scène. O diretor também acerta em cheio ao referenciar aquele cenário familiar estereotipado com o gênero Farsesco, elemento que contorna o pouco tempo em tela daquele núcleo, possibilitando apresentá-lo com situações caricatas, e de quebra justifica a óbvia frase de efeito que evidencia a metáfora de vampiros e lobisomens que apenas representam os conflitos de uma família desajustada comum.

Problemas no roteiro e referências - a obras do próprio Burton e a de outros cineastas - também marcam a participação de duas atrizes com atuações de destaque: a exótica Bella Heathcote, cujo visual faz de si A Noiva Cadáver (Corpse Bride, 2005) em carne e osso, compõe sua Victoria Winters com notáveis firmeza e personalidade, sendo injustamente preterida quando o foco é todo voltado para Barnabás; e Eva Green como uma bruxa devidamente sensual e ameaçadora, verdadeira femme fatale prejudicada por um desfecho anti-climático, embora se saia muito bem na desafiadora cena que traz à tona a comédia de horror A Morte Lhe Cai Bem (Death Becomes Her, 1992).

Em uma avaliação mais objetiva, pode-se dizer que Dark Shadows é um passatempo esquecível, tão irregular que sobrevive por alguns bons momentos proporcionados por Johnny Depp e uma ou outra sacada que tenha sobrevivido aos expositivos vídeos de divulgação, como não foi o caso da hilária presença do andrógino Alice Cooper. De qualquer modo, referências bem colocadas (a trilha sonora de Danny Elfman é intercalada por hits dos anos 70 e o filme ainda conta com a participação especial de um ator familiar ao universo) não podem ser suficientes diante a tanta falta de capricho no material, bruto, como que “finalizado” às pressas por um estúdio ávido pela imediata arrecadação nas bilheterias, ciente de que o lucro pode se sustentar por ações de marketing e reputação dos envolvidos, não necessariamente pela qualidade do produto que ganha as telas – e é uma pena perceber que alguns trabalhos de Tim Burton contribuem para a consolidação dessa tese.

Comentários (16)

@raissamcastro | terça-feira, 26 de Junho de 2012 - 18:07

Muito boa a crítica do colega. E em muito compartilho o mesmo pensamento. Somos levados à sala de projeção ansiosos por mais uma dobradinha Burton-Depp, mas dependendo do grau de expectativa, o filme acaba decepcionando ou deixando a desejar. Exagerado no drama e uma linha muito abrupta separando momentos cômicos dos mais trágicos, onde vc fica se perguntando se é pra rir ou pra chorar, como na cena que se sucede ao encontro de Barnabas com os hippies; achei desnecessário e gerador de uma grande confusão o desfecho da cena com o início leve/descontraído que ela teve. Mal aproveitados tbm os personagens, principalmente o da Michele Pfeiffer e da própria Helena Bonham Carter, histórias que poderiam ser melhor exploradas, e outros totalmente descabidos como o da Chloë Grace Moretz, um clichê de última hora. Enfim, o filme deu a deixa pra uma possível continuação, mas não me deixou com o "gostinho de quero mais" para ir ao cinema assistir. Uma pena.

Samuel Nascimento | sexta-feira, 06 de Julho de 2012 - 22:05

Parabéns pela estréia e otima critica!

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 15:33

Eu gostei bastente do filme, mas posso estar sendo tendencioso, pois sou fã incondicional de Deep, Burton, Helena Bonham Carter e a Michelle Pfeiffer é uma deusa!!!! Mas concordo que o filme tem seus problemas e não são poucos. Acho, por exemplo, um filme muito longo, que se arrasta entre segundo e terceiro ato. Achei também que a mocinha do filme está deslocada no contexto geral. Não se sabe o que ela faz exatamente no filme ou se realmente é a mocinha do filme. Acho que a personagem nem deveria estar no filme e não sentiríamos sua falta. Mas no geral gostei.

Walter Prado | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 16:00

\"Acho que a personagem nem deveria estar no filme e não sentiríamos sua falta.\"

Claro que deveria, ela é tão bonitinha.

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