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Críticas

Cineplayers

Pastiche do Oeste.

3,5

A linha entre elegante homenagem e pastiche grosseiro é tênue, e pode ser medida por bom senso, bom gosto, enfim, pela qualidade íntegra da obra que se propõe a tal. Exemplo recente é o Tabu (idem, 2012) de Miguel Gomes, a imprimir uma linha narrativa temática e visualmente inventiva, a despeito das inúmeras semelhanças com o homenageado homônimo Tabu (Tabu: A Story of the South Seas, 1931), de F. W. Murnau. E se esse tributo a um clássico for realizado de maneira óbvia e em forma de paródia, falhando miseravelmente neste propósito por não ser bem-sucedido enquanto um faroeste, comédia ou aventura de cunho unicamente comercial? Bem, aí o resultado é O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger, 2013).

John Reid (Hammer) é um burocrata que retorna da capital para o Velho Oeste, onde seu primeiro contato é com Rebecca (a bela Ruth Wilson), cuja aproximação imediatamente denuncia uma tensão amorosa. No entanto, o casal nunca existiu; ela é esposa de seu irmão mais velho, Dan (James Badge Dale, competente) um homem destemido que lidera os policiais rurais do Texas de sua cercania e é o completo oposto do almofadinha John. A subtrama melodramática que envolve esse triângulo amoroso se desenrola durante todo um “ato preliminar” (muito longo para ser um prólogo, muito inócuo para compreender o que realmente consiste no primeiro ato da história) que acompanha o protagonista desde o momento em que conhece Tonto até sua transformação em ranger, e é bem distinto em claras referências ao western Rastros de Ódio (The Searchers, 1956). Eis a primeira bola fora de Gore Verbinski.

Na tentativa de emular um épico grandioso, o diretor alcança um filme grande, apenas. A trama evolui com morosidade e não transforma em conteúdo sua longa duração. Se, em Rango (idem, 2011), Verbinski acertava enquanto homenagem e paródia, western e comédia, e, durante bem aproveitados 107 minutos, explorava organicamente referências temáticas e visuais e desenvolvia protagonista e narrativa com coesão e maturidade, aqui ele esgota 2 horas e meia em um filme sem identidade própria, tomando pra si a abordagem crítica do clássico de John Ford sem jamais ampliá-la. Talvez fosse um modo de legitimar seu filme como um western, ou quase.

Essa apropriação também é feita de maneira excessivamente expositiva, até mesmo vulgar, como ao travestir mercenários de índios – fato este que nem surpreende, uma vez que a postura da Disney em relação a seu público já tivera sido estabelecida nos primeiros minutos de projeção: Will, um garoto de olhar inocente e trajado de caubói, é o interlocutor de Tonto, narrador da história (abordagem que torna qualquer similaridade com Pequeno Grande Homem [Big Little Man, 1970] mais que mera coincidência) . Logo nota-se que nós somos o pequeno Will, um menino curioso, entretido com a história de um velho nativo americano e que a todo tempo faz perguntas para o pleno entendimento das histórias que ouve. Tal artifício é a personificação do ato de subestimar o espectador, além de permitir flashbacks e saltos que facilitam o desenvolvimento da narrativa.

A despeito da obviedade impressa no subtexto, é positivo perceber que o estúdio se proponha a refletir sobre o nascimento da nação americana em um filme comercial. O valor que a sociedade americana dispensa ao índio é muito bem ilustrado por um octagenário (ou nonagenário!) Tonto explorado como mera atração de um parque temático. No início do extenso clímax que toma o filme, um vagão batizado "Constitution" surge desgovernado, ameaçando atropelar a todos, enquanto o "Liberty" mantém Rebecca refém. Eis um exemplo de elegância digno de John Ford, reprisado apenas no modo como o diretor de fotografia explora a beleza e a imensidão do Monument Valley.

O breve e positivo furto da consciência histórica e política dos westerns clássicos aponta para um caminho (de sobriedade pontual e superiores criatividade e sutileza) pelo qual o filme poderia ter se saído melhor sem afetar sua verve comercial - muito pelo contrário, seria algo a conferir profundidade a uma experiência escapista. Como Rango comprova, o pastiche só é ruim quando adotado de maneira preguiçosa, e Disney, Verbinski e o produtor Jerry Bruckheimer não têm a mínima intenção de disfarçar que pretendiam reprisar a "fórmula infalível" de Piratas do Caribe. No entanto, o tiro sai pela culatra e a única herança da franquia bilionária é maldita: seu desgaste.

Isso porque a recepção positiva de Piratas do Caribe: A Maldição de Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003) deve-se, em grande parte, à magnífica composição de Jack Sparrow. Além de os filmes subsequentes terem ficado progressivamente inferiores, Johnny Depp esgotou o personagem em si e em outros de seus trabalhos, inclusive no completamente distinto O Turista (The Tourist, 2010). Como Tonto, não é diferente, e o piloto automático com que o ator conduz sua mais nova caracterização afetada (em português claro, irritante) é maximizado pela ausência de um ator competente que lhe sirva como "escada". Armie Hammer não peca por falta de esforço, porém mostra-se um ator limitado sempre que exigido, seja como ator cômico, seja enquanto astro de ação (ele é meio desengonçado, talvez por sua estatura), ou até mesmo por sua incapacidade de convencer na transição do advogado almofadinha para um justiceiro valente.

Em se tratando de elenco, aliás, é penoso perceber que também Helena Bonham Carter esteja mais preocupada com o cachê do que em exercitar seu grande talento em um papel equivalente. Barry Pepper é outro ator subaproveitado, ao passo que Tom Wilkinson e William Fichtner, especialistas na arte de compor antagonistas, interpretam Cole e Butch Cavendish com os pés nas costas.

A péssima estrutura de O Cavaleiro Solitário redunda em um filme estranhamente dividido em quatro atos, cansativo, que investe muito em supostas frases de efeito, humor pueril e influências indiscriminadas (por se tratar de uma aventura genérica, a sequência final em ferrovias pelo deserto gritam As Loucas Aventuras de James West [Wild Wild West, 1999] a todo momento), quando, na verdade, poderia ter estendido a última e bem encaixada gag por toda a adaptação, focando em levar a série original ao cinema de acordo com os novos tempos. Assim, não haveria o risco de incorrer em pretensão ou heresia ao fazer referências pobres e paródias nada inspiradas de Rastros de Ódio.

Comentários (12)

Rodrigo Torres | quinta-feira, 18 de Julho de 2013 - 20:12

Sweeney Todd é um bom filme com muito boa atuação do Depp, mas... Vale lembrar que não fui eu que disse que ele não fez nada bom e bem após o primeiro Piratas do Caribe (apesar de serem pouquíssimos os exemplos).

João Vitor G. Barbosa | quinta-feira, 18 de Julho de 2013 - 20:15

Não achei que foi você, Rodrigo. Não acho certo também dizer que o Depp não fez nada de bom após "Caribe". Gostei até de Em Busca da Terra do Nunca, acho a atuação dele muito boa lá.

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