Não há nada mais profundo do que a consciência do ser humano. Ainda mais quando é moldada por traumas de infância, a fase adulta tende a ser um complexo conflito interior. Esse é o caso de Dennis, um homem visivelmente perturbado por seu passado cruel, que vai morar em uma pensão (ou hospício) situada na rua onde passou a infância, com o objetivo de se curar para poder voltar a usufruir de sua existência. Ele ainda se lembra do tempo de quando sua mãe foi brutalmente assassinada pelo próprio pai, carregando cada vez mais mágoas desde então. Mergulhar numa mente que nem a de Dennis é perigoso, tanto que muitas vezes seus pensamentos se enganam com as próprias ilusões que criou.
Cobrando uma atenção elevada, passamos a aceitar essa estranha proposta de viajar nas teias de uma cabeça perturbada. Tornando cada minuto num choro baixinho, de ar sinistro, David Cronenberg resolveu fazer de seu primeiro filme da década de 2000 uma obra cercada de mistérios e tristezas, diferenciando-a, em partes, do resto de sua filmografia mais radical. Contando com as tradicionais ótimas atuações para personagens esquisitos, como o bom desempenho de Fiennes e, principalmente, a performance inacreditável de Miranda Richardson em representar dois papéis tão diferentes, tanto que ela rouba o filme para si, é um longa com as marcas de seu autor, mas contidas numa valorização da delicadeza e do vazio nem sempre acertada.
Quem gosta do Cronenberg explícito e altamente metafórico, vai sentir uma grande falta. Deixando de lado o escatológico (apesar das mortes e dos espermas esvoaçantes) e parte de suas alegorias a respeito do mundo e ser humano, o diretor optou por uma pegada bem mais leve, valorizando o silêncio e a calma tanto para os pequenos detalhes ganharem destaque, tomando de exemplo os gemidos do protagonista, como para originar uma sensação de vazio, de que algo que se espera está ausente. Tudo não deixa de ter um ar de bizarrice, porém, bem mais controlado para um diretor que já apresentou pessoas com fetiches de batidas de carro e armas que disparam dentes.
É também um dos mais sentimentais filmes de seu autor, contando com a ajuda do silêncio e da boa caracterização do personagem de Ralph Fiennes para contar aquela história de infância afundada em tragédia. A atmosfera, composta de cenários espaçados, com cores mortas e luminosidade fraca, de palavras em escassez e sentimentos cada vez mais reprimidos, é bem estruturada, mesmo que não chegue a ser ótima, já que chega a cansar no marasmo e na repetição em alguns momentos. Nem tudo no filme tem sua devida explicação e nem o começo faz questão de facilitar alguma coisa, mas tudo que é essencial para o entendimento da trama vai ganhando significados posteriormente.
Quando todas as revelações já foram feitas, percebe-se que não se trata de uma obra muito complexa (e nem tão interessante como outras da filmografia do diretor), mas sim de um jogo de ilusões muito subjetivo... (INÍCIO DO SPOILER) Pelo que minha percepção montou, Dennis nutria um grande sentimento de amor pela mãe, mas um sentimento incestuoso, que ultrapassava uma relação normal entre pais e filhos. Isso fica visível quando percebemos a reação de Dennis aos carinhos e beijos do pai com sua mãe, ficando triste e abalado por não tê-la só para si. Perdendo-a para outro homem, passa a enxergá-la como uma prostituta hostil, a fim de reprimir seus sentimentos machucados. Tudo o que contradiga essa possível explicação seria totalmente ilusão da cabeça de Dennis, inclusive seus dedos sujos de terra quando observa um certo quadro, desejando fugir da realidade. Outra coisa que facilita a compreensão da trama é a construção gradual da usina (?), nos situando no vai e vem dos tempos. (FIM DO SPOILER)
Acredito que “Spider – Desafie Sua Mente” tenha nascido num período de pouca inspiração de seu diretor, adaptando a história de Patrick McGrath num estilo bem mais experimental do que autoral. Mesmo que consiga instigar o espectador a resolver seus mistérios e criar um ambiente todo frágil e melancólico, é uma obra que nunca conquista totalmente, anda para trás justamente na hora de mergulhar sua trama em um novo patamar de complexidade e experimentações, ficando no lugar-comum dos filmes que não conseguem ultrapassar suas propostas de tramas aparentemente intrincadas. Digamos que é um filme bem menor do diretor, mas que ainda vale muito uma conferida pela atmosfera de tristeza, que acolhe em suas revelações e dores boa parte da atenção de quem assiste.
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