III SINISTRO FEST - CEARÁ SINISTRO - 12/10/2024
PRIMORDIOSO DIA CEARENSE
III SINISTRO FEST (Foto: Ted Rafael)
A conjuntura a termos de caldo cultural em ebulição do estado do Ceará, permite uma gama de elementos a propiciarem a produção dos mais variados filmes que perambulam subgêneros diversos. A massacrante maioria deles constituída a toque de caixa, com orçamentos quando não curtos, quase que imaginários o são. O que não impede a experimentação dos processos como um todo. Filmes constituídos também por uma maioria de alunos recém saídos dos cursos de formação em cinema no Ceará, o que demonstra a ânsia de uma produção que está deveras pulsante. Obviamente que os filmes carregam os vícios de uma pós-adolescência de rebeldia e falta de apuro técnico nalguns projetos, mas são construídos com muita vontade. Inclusive com a crueza das propostas e formatações de algumas fitas, tragam um frescor interessante. Cinema do Ceará na pista. Como crítica ao processo como um todo, fica por conta da exibição dos filmes cearenses na Sala Seu Vavá dia 12 de outubro, mesmo que tenha havido a sapiência da mudança de local de sexta para sábado – por conta de um comício na sexta-feira fora do espaço do cinema (na Praça do Ferreira) que causara uma diminuição de público por conta da dificuldade de perambulação da multidão. A Sala Seu Vavá comporta 45 pessoas é um local bem arrumado e muito decente para as exibições, sala na qual gostei um bocado, porém o tesão era pelo cinema cearense sendo exibido na sala principal do cinema São Luiz Severiano Ribeiro. Dito isso, a exibição dos filmes cearenses lotou a sala e deixou até algumas figuras do lado de fora, coisa que não aconteceria na imensa sala maior. Alguns desses filmes já haviam sido citados anteriormente nos outros textos dessa cobertura do III SINISTRO FEST 2024, porém vi aqui a oportunidade de citar todos eles pelas minhas famigeradas palavras. A resistência do cinema cearense feito por uma galera jovem e ansiosa para produzir merece seu espaço. Textos por Ted Rafael.
Crayon (Divulgação)
Crayon (Crayon, 2024). [Brasil 13min]. De Juno, Becca Lutz. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Artista trans limpando o rosto de frente ao espelho. Desenhos as paredes, que acabam ganhando vida ao se animarem. Rabiscos. Animado que persegue e fica de frente ao personagem principal e único humano. Uma personalidade escondida? Um refúgio. Os desenhos servem como um escape do artista, obviamente que a questão da sexualidade é presente – principalmente por sobre a gravidade da homofobia que perpassa o país –, porém o filme não aposta didaticamente nisto, dando a entender de forma até orgânica que esta sexualidade citada pode trazer a reboque um isolacionismo social concatenado por parte de vários grupos, o que acaba por se juntar (e justificar a posteriori) à descobertas e escolhas dos corpos, que acabam por desembocar na arte. A frustração como forma de impulsionador para a construção dos desenhos. Há talvez uma tentativa de promoção catártica do encontro entre criador e criatura que não tem o impacto devido, mas tem na curiosidade do formato a atenção que procura, para além da importância da temática ressaltada, obviamente.
O Feliz Aniversário Do Meu Pai.(Divulgação)
O Feliz Aniversário Do Meu Pai (O Feliz Aniversário Do Meu Pai, 2024). [Brasil 18min]. De Aparecido Santos, Tiago Maia. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Porra-louquice. Comédia. Reclamação. Loucura e seboseira leve com a comida. Uma figura inventa de fazer uma homenagem ao pai tergiversando com a câmera de forma a registrar estes momentos de falta de ternura (só presente a doentia) e pura esculhambação. No meio do caminho descobre-se que seu pai espancava sua mãe, e o sujeito usa isso como ensinamento moral de seu progenitor como algo a ser ressaltado, o que implica como influência óbvia na psicopatia demonstrada até ali. E o investimento num humor ácido ao mesmo tempo que melancólico, que perpassa desde a escatologia, masturbação insidiosa, e num abraçar ao masoquismo [tudo isto numa única cena]. Trash nível máximo. Sujeito estraçalhado mentalmente. Bizarrices. Tortura. Música do avesso. O avesso das coisas como proposição narrativa e criativa que se desperta com a falta de preocupação dum tradicionalismo estético ao mesmo tempo que a putaria de sua temática carrega o peso do esculhambo opcionado. É na anarquia do contraditório que a fita se propõe. E este esquema é salutar na sua crueza de sentidos e nesse despreocupar abusivo.
Quando Meus Lábios Sagrados Disseram Palavras Secretas (Divulgação)
Quando Meus Lábios Sagrados Disseram Palavras Secretas (Quando Meus Lábios Sagrados Disseram Palavras Secretas, 2024). [Brasil 19 min]. De Ariza Torquato, Briar, Kaye Djamillá. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Sítio no interior. Santuário religioso na casa. Moça vendo TV. Rezas esquisitas. Iluminação com as velas em destaque. Porco? Sacrifício animal. A avó mata o porco. Aqui um material que brinca por sobre os mais variados tropos do cinema de terror/horror mais tradicional, incidindo por sobre filmes de exorcismo. Corretinho na sua proposta, usa desses símbolos para vender seus próprios esquemas. Música alimenta a tensão. Fotografia em vermelho sangue. Óbvio e funcional. Algumas boas composições dos planos, com acertos no encaixe dos objetos e personagens em cena, na qual são bem preenchidos e denotam uma preocupação estética nas relações de poder entre os personagens. Ainda há espaço para experimentos e lisergias leves, como na participação de sujeitos fantasiados num determinado batismo. O clima engendrado é interessante, mesmo que não haja um direcionamento específico para um determinado findar. E isto não é ruim, pelo contrário. Se desobrigar de uma finalização é interessante para uma obra que estava preocupada em exercer um trabalho de utilização de clichês clássicos. Moça possuída por alguma marmota. Avó olha pra câmera.
O Verbo (Divulgação)
O Verbo (O Verbo, 2024). [Brasil 20 min]. De Juliana Craveiro, Lucas Souto. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Moça em casa nos afazeres domésticos. Lisergia dalgumas imagens. Debate sobre alienígenas. Sua suposta existência. Deus existe? Um cinema jovem que busca vender suas ideias através de sua própria inquietude adolescente. E se o caráter de semiamadorismo explode na tela, isto tem função de acordo tanto com a realidade material e técnica da produção quanto do tesão em se fazer cinema e compor um projeto que tenha uma crítica pulsante, mesmo que juvenil. E esta se refere ao exacerbo religioso por sobre a jovem protagonista que é levada a templos pela mãe à força, nisso há o debate da existência de civilizações mais avançadas e que a preponderância da existência ocidental da figura de Deus é metamorfoseada pelas escolhas dos autores. Reza. Igreja. A mãe enchendo o saco. Abdução. Civilização superior.
Ártemis (Divulgação)
Ártemis (Ártemis, 2024). [Brasil 18 min]. De Victor Emanuel Borges, Maria Tamires. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
De começo temos logo o estabelecimento do espaço de tensões – a Ditadura Civil Militar Brasileira (1964-1985). Inclusive com uma citação via rádio acerca de um "suicídio" após interrogatório. Vladimir Herzog? Referência? Uma família se refugia numa casa interiorana e tem contato com aquele ambiente mais escondido, assim como passar a se relacionar com um objeto específico da casa: a Estátua de Ártemis. A estátua passa a influenciar a galera. O pai principalmente. Hélio. Ártemis sussurrando. Fotografia escura. Amarelada. Tom sépia. Tom de velharia encaixa com a proposta de isolamento e com a obviedade de um filme de época. Compõe o clima. Usa dalgumas artimanhas pra se chamar a atenção de Hélio por conta da filha. De forma grosseira, seja na encenação ou narrativa. Tem em sua construção um elenco curto pra segurar sua tensão crescente – apesar da dureza de uma interpretação ou outra –, que acaba por desembocar em inseguranças, desesperos e paranoias que culminam num final chocante e sacrificial. Se formata ao fim a coerência da escolha da tonalidade citada de suas imagens.
Enquanto As Velas Estão Acesas, Meu Coração Está Em Chamas (Divulgação)
Enquanto As Velas Estão Acesas, Meu Coração Está Em Chamas (Enquanto As Velas Estão Acesas, Meu Coração Está Em Chamas, 2024). [Brasil 3 min]. De Gabriel Oliveira. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Casal conversando. Convite do portuga. Paquera. Poesia com o fogo. Humano. Tesão? A passagem do tempo da cera da vela. Transformada pelo fogo. Um curtíssimo de 3 minutos que serve como exercício de encenação dentro de uma égide acerca de uma simbologia das relações enquanto fogo. Usa de sua iluminação quente o remeter das velas e de um tesão que pode ser processado em breve.
Seis Léguas E Pouco (Divulgação)
Seis Léguas E Pouco (Seis Léguas E Pouco, 2023). [Brasil 24 min]. De Miro Faheina. 11/10. Sessão 16h30. Sala Seu Vavá.
Pacajus. Conversas e causos de terror. Imagem desfocada, sempre com o foco no fundo ou no meio, e não nos personagens (apesar de acertá-los aqui e ali). Parece-me um problema de falta de resolução técnica mesmo, mas mesmo que acidentalmente acaba por ser mais um elemento adiante, já que estamos num bar rodeado de bêbados e um deles resolve contar uma escabrosa estória cambaleante. Pode ser também um devaneio meu fundamentado numa reclamação técnico-elitista? Absolutamente. A falha existe e me fez ser perceptível. Mas foda-se. Aliás, a imagem foca quando o velho conta uma estória. Vamos para o Ceará 1938. Não mantém a narração em off como se tanto faz em materiais desta envergadura narrativa (boa escolha). Deixa a estória correr por si mesma. Misticismo local. Mistério. Animais mortos e sangue. O cachorro ataca? A escuridão. Desespero. Homenagem a Pedro Doido, de Pacajus. Um filme sobre um sujeito que contra a estória destes outros, algo que faça parte das lendas e mitificações locais, que é levada a cabo aqui com vontade. Tradicional e objetivo. Tendo uma boa gestão de tensão dividida e ainda propiciando uma pequena surpresa ao final de sua desembocadura. Funciona.
Texto parte da cobertura III SINISTRO FEST 2024.
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