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III SINISTRO FEST 2024 - DIA 003 – 11/10/2024

III SINISTRO FEST. Foto: Ted RafaelIII SINISTRO FEST. Foto: Ted Rafael

A representação do fantástico – como já passei por cima em outros momentuns – parte de variados pressupostos, e dentro destes há o diálogo crítico por sobre o universo apresentado, seja por uma escolha (também muito crítica) de personagens mudos num universo barulhento, ou um drama em choros e gritos frente ao descalabro, ou então a constatação do apocalipse humano onde as próprias criaturas humanas são piores do que figuras zumbis que eles ajudaram a formatar. O Fantástico e o terror/horror são espaços de fatídicas disrupções e anseios sociais de classe a respeito do que a contemporaneidade oferece e pressiona. O trabalho. A exploração. O controle. A desesperança. E é nesse espaço do absurdo como possibilidade estética que os autores propalam suas aspirações a respeito do que querem tergiversar e com ampla liberdade de exploração de tempos e espaços, afinal o aporte crítico merece um respaldo pelo abuso. Quem é abusador tem de ser abusado tenazmente. Participação de Nathan Ary

Factory Drop (Factory Drop, 2024). De Petja Pulkrabek. Foto: Divulgação.
Factory Drop (Factory Drop, 2024). De Petja Pulkrabek. Foto: Divulgação.

Factory Drop (Factory Drop, 2024). [Alemanha 15min]. De Petja Pulkrabek.

Operariado fabril em exploração bruta. Encenação dura. Som grosso. Campo de concentração. Fordismo e nazismo agarrados. Cores frias. Eterna repetição. Rotina. A repetição como via crucis exploratória de uma turma que não tem espaço para descobrir sua própria legitimidade como seres humanos em busca duma liberdade. E um mínimo foco de resistência que seja vem através da quebra do padrão. Uma das caixas produzidas é jogada ao chão. Se para tudo. Interrupção de produção. A mínima desordem o caos. Nisso aparece a oportunidade para a música. A música como alavanca. A arte como quebradora dos esquemas. Como catalisadora de liberdades. A descoberta de que não só existe algo a mais do que aquele desespero opressor, mas que estão de fato sendo estraçalhados e que há formas de resistir ao menos. A opressão do capataz, e a reação da resistência. Revolta e fuga da fábrica. Encontro dos operários com a elite opulenta. Controlam a fábrica. Hedonismo do abastado. Outras cores. rosa e roxo. O filme é frontal, objetivo em sua crítica econômica e política e usa do exagero para obter vulto em discurso antissistema, e quando que a exploração trabalhista também não é um exagero? O filme versa sobre isso se utilizando de tropos já conhecidos historicamente como campos de concentração e produção em massa, exatamente para passar sua mensagem da forma mais clara possível. São escolhas óbvias e funcionais que se encontram com uma opção um pouco mais inusitada: uma fita sem diálogos. Nisso a importância dos sons maquinários antes e da música – trilha sonora eletrônica joia inclusive. Este fato inclusive serve de apontamento de formas diversas de resistência, mas como o operariado é calcado para ser acometido de um silêncio obrigatório para com o jugo do patronato. A mensagem é frontal e aponta para determinados tropos históricos, mas jamais se mantém a eles univocamente como momento específico de descalabro, o discurso é por sobre a exploração capitalista com a marreta dos meios de produção.

Por Ted Rafael

Através do Vale da Estranheza (Através Do Vale Da Estranheza, 2024). De Leon Barbero. Foto: Divulgação

Através do Vale da Estranheza (Através Do Vale Da Estranheza, 2024). [Brasil 22 min]. De Leon Barbero.

Empresa. Excesso de labor. Imagem avermelhada. Computadores. Alucinações? Sujeito vai pra casa? Não consegue sai do ambiente de trabalho. A alienação do sujeito que vive exclusivamente de um serviço a ele imposto tem em sua concepção um desesperador círculo vicioso que não propõe uma saída, mas uma manutenção dos arredores insidiosa, que não dá espaços para fuga. Tanto que ele não consegue sair da companhia na qual está ligado. Desalento. O filme aponta determinadas repetições de planos para corroborar este discurso, como quando há planos em portais. Portas. O que tem no centro a cercar. O sujeito no meio. O centro é o personagem e os arredores da imagem é composto por maquinário e fiações de computador. Sintomático o sujeito trabalhado e caindo no sono ao redor desse maquinismo. A câmera teima nessas escolhas para deixar clara sua concepção crítica. O aspecto de desesperação desse funcionário contrasta com a tranquilidade exploratória dos empregadores que trazem mitos de oportunidade e importância para os sujeitos apontando que o caminho de permanência na corporação. é de grande vulto e importância. Um ardil óbvio e pertencente ao capital, que dentro de suas fases tem num esquema de taylorismo social da equipe de recursos humanos um discurso bonitinho e ensaiado para tratar o trabalhador como uma peça sagaz daquelas fiações, mas como algo que não passa de mais uma forma de controle.

Por Ted Rafael

预兆 | Indera (预兆 | Indera, 2024). De Woo Ming Jin. Foto: Divulgação
预兆 | Indera (预兆 | Indera, 2024). De Woo Ming Jin. Foto: Divulgação

预兆 | Indera (预兆 | Indera, 2024). [Malasya 1h44min], De Woo Ming Jin.

Em que níveis a história e a política falam sobre um lado de um fato histórico em um filme? Por que exatamente o Incidente de Memali, onde, em 1985, em uma vila de um distrito da Malásia, polícia e cidadãos acusados de fundamentalismo se enfrentam e causam diversas mortes, se faz presente em uma história de perspectivas espirituais tão moralistas e ocidentais? A força repressora do estado está praticamente em uma sequência apenas e os moradores do vilarejo não passam de suporte para as manifestações sobrenaturais mais básicas que um cinema destituído de vida pode mostrar. Não há, em suma, nada muito diferente de um folk horror norte-americano totalmente alheio às singularidades das forças da natureza, a quem é tão dependente. Uma bruxa má e mãe rígida, um espírito que se manifesta pelos traumas (que tanto vendem histórias iguais no mundo do horror), a punição por uma escolha feita no passado e sacrifícios humanos sem muito critério para além da mira nas crianças e sua facilidade de gerar uma empatia vazia. Uma relação com o espaço, o peso histórico e as imagens, completamente morta, como qualquer fantasma que se enfie na tela sem muito saber o porquê.

Por Nathan Ary

预兆 | Indera (预兆 | Indera, 2024). De Woo Ming Jin. Foto: Divulgação
Al impenetrable (Al impenetrable, 2023). De Sonia Bertotti. Foto: Divulgação

Al impenetrable (Al impenetrable, 2023). [Argentina 1h28min]. De Sonia Bertotti.

Sujeitos acampados na mata para gravar um programa de TV sobre uma comunidade indígena local, e no que incidem as dificuldades desse povoado. Brincadeira com as imagens. Acelerações de imagens ainda como efeito de edição, usados na conflagração de tensões. Gravação de entrevistas sobre lendas e explorações. Indígenas envolvidos. Planos zenitais do todo. Os brancos são perseguidos. Na noite uma câmera na mão incessante – uso de imagens infravermelho. Lembra a exasperação em A Bruxa de Blair (Blair Witch, The, 1999). Acabam por se perderem. A nomenclatura do local ser impenetrável, já dava indícios da desgraça. Um Sol de rachar. Elemento de tensão bem usado. Um aumento do desespero. A paranoia da culpabilidade. Cansaço. Esperanças soltas em qualquer coisa que possa significar salvação longínqua. Câmera em movimento, e exagera. E mostra um quê de metalinguagem. Com efeitos de problemas na gravação aparecendo. Desde as entrevistas ao começo. Árvores cortadas. O filme vai se arvorando no apontamento dos culpados de forma a não os mostrar frontalmente, tratando o significado de sua existência como algo misterioso e talvez sobrenatural, mas buscando manter um clima calcado numa sobriedade que será devidamente demonstrar em sua constatação futura em breve. Foram filmar uma comunidade e se lascaram. Todos sumiram. Boa atmosfera de angústia. Segurada pelo trio de atores que consegue lidar decentemente com o crescimento de um desespero coletivo que os faz tensionarem entre si culpabilidade e mesquinhez via exasperação.

Por Ted Rafael

Párvulos (Párvulos, 2024). De Isaac Ezban. Foto: Divulgação
Párvulos
(Párvulos, 2024). De Isaac Ezban. Foto: Divulgação

Párvulos (Párvulos, 2024).  [México 1h59min]. De Isaac Ezban.

Sujeito sem perna. Gororoba com minhocas. Perna protética mostrada. Matou o cachorro pra comer. Preto e Branco como opção condicionante da dureza daquele universo. Bom uso do som. Matou o sapo do irmão pra comer. Criação de ratos. Só alegria. Irmãos na mata. Comendo o que aparece. Existem grunhidos de criaturas no porão. Os pais deles? Sim. Zumbificados por uma relação entre vírus e vacina. O ômega vírus. Um uso na pandemia do corona vírus – Covid-19 – como referência, nas relações desespero coletivo. Mas sem um grande aprofundamento na questão, nem seria necessário visto o caminho percorrido por este material. Alimentam os pais zumbis. Os zumbis querem trepar. Sim, também tem isso. Usa de um senso de humor esquisito para sustentar sua lógica distópica avassaladora, ainda mais por ter crianças como partícipes diretas do protagonismo que carrega. É um filme de zumbi sem vergonha de sê-lo e nem de apontar algumas referências óbvias como Dia dos Mortos (Day of the Dead, 1985) e A Mosca (Fly, The, 1986) em determinadas situações. O bom é que o filme abraça o humor tanto quanto um gore caprichado, que faz com que haja uma quebra interessante quando surge. Como quando as crianças saíram à caça de carne humana para os pais zumbificados. Esta atmosfera num já citado preto e branco traz o tom certeiro de estranheza que este tipo de produção merece, inclusive com usos de lentes grandes angulares para distorção em determinadas sequências de movimentos de câmera que ajuda a validar esquisitice.

Por Ted Rafael

 Texto parte da cobertura III SINISTRO FEST 2024.

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