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III SINISTRO FEST 2024 - DIA 004 – 12/10/2024

III SINISTRO FEST - DIA 004. Foto: Ted Rafael
III SINISTRO FEST - DIA 004. Foto: Ted Rafael

Da expressividade homoerótica dos afazeres aos ditames autoritários canibalísticos, passando por um tesão compulsório por uma vampirizadoratrix. É o III SINISTRO FEST em experimentações alusivas ao tangenciar destrutivo dos seres. Pragas, possessões, rituais, destroçamentos carnais. A amálgama desses tropos é de uma deliciosa abundância, inclusive pelo severo uso dos curtas-metragens em massacrante sequência concomitante. É um formato tão útil e ostensivo ao modus operandi dum festival de gênero que mereceria mais atenção dos longametragistas na concepção de antologias. Obviamente não faço proselitismo solto sobre isso em detrimento aos usos dos longas, óbvio. Mas aponto um formato muito sagaz para o uso do terror/horror como expressão por vezes mais grosseira. A limitação de minutagem ainda consegue impor um sentido de urgência por vezes decisivo no tesão de assustar.

O Ror De Caronte (O Ror De Caronte, 2023). De Ronaldo B. Filho. Foto: Divulgação
O Ror De Caronte (O Ror De Caronte, 2023). De Ronaldo B. Filho. Foto: Divulgação

O Ror De Caronte (O Ror De Caronte, 2023). [Brasil 25min]. De Ronaldo B. Filho.

Câmera em movimento. Focos e desfoques nas imagens, o que não atenua em nada o climão, até compõe de forma divertida até. Casal debatendo grana. Morte a um mendigo, sem a menor necessidade de construção decente disso. Só uma atrocidade narrativa pra objetivar o filme adiante. Moendo a carne dos moradores de rua. Toma-se gosto pela coisa. Seboseiras diversas no mastigar da carne. Produção de carne humana para hamburguer. Canibalismo. Vendendo esta carne e a galera gostando. Filme glutão. Grosseiro. Joia. Com espaço a clara homenagem ao personagem Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chainsaw Massacre, The, 1974). Exemplo franco acerca do decisório de sua estrutura. A intenção aqui é pelo choque com um fio de narrativa que sirva para uma demonstração de destruição carnal. Com uso excessivo de um gore muito bem vindo que parte de um crescente de sujeira que serve como esforço de demonstração abusiva da derrocada de seu protagonista. A esposa do sujeito aparece de começo para reaparecer ao fim como suposto vínculo de surpresa forçada e dentro de uma perspectiva de arco de personagem. Dentro de uma lógica aristotélica passa longe de uma coerência concisa, mas foda-se. É o tipo de ignorância funcional que eu respeito e que serve diante de uma proposta já baseada nesse tipo de estraçalhamento.

Por Ted Rafael

O Feliz Aniversário Do Meu Pai (O Feliz Aniversário Do Meu Pai, 2024). [Brasil 18min]. De Aparecido Santos, Tiago Maia. Foto: DivulgaçãoO Feliz Aniversário Do Meu Pai (O Feliz Aniversário Do Meu Pai, 2024). 
De Aparecido Santos, Tiago Maia. Foto: Divulgação

O Feliz Aniversário Do Meu Pai (O Feliz Aniversário Do Meu Pai, 2024). [Brasil 18min]. De Aparecido Santos, Tiago Maia.

Tem aqui uma investigação formal bem além da pura proposta narrativa de emular um vídeo amador. Ver o vídeo é acompanhar o dia de um homem completamente desprezível, ao mesmo tempo que um estudar um delírio homoerótico, desejante e desejado. Augusto é histriônico e exagerado em seus movimentos e todas as partes do rosto, mas seus olhos são grandes e expressivos, e não se sabe qual das duas coisas exatamente nos faz prender nossa visão nele. Pode ser também sua mobilidade, seja dentro do carro que passeia por Camocim ou seja seu corpo que passeia por todos os lados do enquadramento. Ele é perigoso, está solto e pode ir a qualquer lugar. Entrar em sua perspectiva é rir de nervoso com a infantilidade incoerente, sentir certa pena de tanta timidez desajeitada, e, ao mesmo tempo, temer por quem encontra seu caminho. Um misto de emoções. Mas é uma relação estranha ser o espectador do vídeo, pois ele não é endereçado a nós, mas ao membro de sua família, tão doentio quanto ele. A comunicação para tal criatura hedionda é errante, sem clareza e intencionada ao mau gosto. A refeição que Augusto prepara para seu pai também é aquele conjunto de imagens torpes e horríveis. Um grito de ojeriza ao Camocim. Um presente de aniversário que honra um pacto incestuoso (ou há realmente alguma dúvida quando se pensa para que um filho obediente se masturba?).

Por Nathan Ary

Nocturna (Nocturna, 2024). [México 15min]. De Pablo Olmos Arrayales. Foto: Divulgação
Nocturna (Nocturna, 2024). De Pablo Olmos Arrayales. Foto: Divulgação

Nocturna (Nocturna, 2024). [México 15min]. De Pablo Olmos Arrayales.

Filme em espaço fechado. Esverdeado. 3 personagens. Exagero? Curtição? Pensamento por abuso sexual? Bêbada e a leitura amalucada? A mulher que acaba partindo pra cima do sujeito. Vampira. A ambientação acertada desse filme aponta para uma conflagração visceral do terror/horror que disponha de signos clássicos dos gêneros, e que demonstrados são com plena desenvoltura. Fotografia e arte em conluio criminoso nos usos de cores em duelo. Verde e vermelho. A podridão e o horror. A consciência da fita é salutar no usar dos diversos planos e esquemas de montagem para fornecer um mosaico de destroço que o filme necessita. Planos holandeses, contra plongées e distorções diversas. Estas citadas distorções além de servirem como desbunde visual de si mesmas, mantém a conotação de estranheza necessária para se seguir adiante. Dá-se a entender que tem algo a mais ali para além de uma mulher bêbada num vagão de metrô. Mesmo sendo uma fita de duração curta, consegue rapidamente passar a sensação de esquisitice que projeta a descoberta do que se trataria ali em breve. É um filme que visa uma curtição exacerbada pelo terror/horror. E a música eletrônica serve como apontamento disto. Que o universo é uma curtição sangrenta, e como tal deve ser admirado e usado pelo tesão hedonista. Não há tamanho para moralismos ou aprofundamentos outros, por isso que a importância da criativa execução se faz presente, usando de um espaço limitado para se desenvolver. É uma beleza um alopramento desses, que dispõe a divertir e tem a plena convicção que a necessidade de sua busca passa por um aporte de uso livre de alavancas técnicas para se dispor. Um duelo do cores e sensações e um domínio completo de uma curtição de uma vampirizadoratrix.

Por Ted Rafael

O Verbo (O Verbo, 2024). [Brasil 20 min]. De Juliana Craveiro, Lucas Souto.
O Verbo (O Verbo, 2024). De Juliana Craveiro, Lucas Souto.

O Verbo (O Verbo, 2024). [Brasil 20 min]. De Juliana Craveiro, Lucas Souto.

A jovem que pesquisa a possibilidade de se comunicar com outros planetas, sequer consegue se comunicar com sua mãe nos foras de quadro. Mas que tragédia a vida na Terra, não é? Há de se tentar buscar outros planetas e outras verdades sobre a vida. A verdade pregada pela igreja não é a palavra, mas o doce avanço da faca. Um filme livre. Há liberdade aqui para se usar todas as ferramentas possíveis de se chegar à verdade divina: as sabedorias da física quântica, os psicotrópicos, a carne de Deus ou a imagem em movimento do cinema tridimensional, seja o que for. Ao final, duas personagens em jornadas distintas buscam a mesma coisa e se destroem em sincronia, é uma etapa necessária. A performance da morte é ensaiada. Na casa de Deus, os de preto pintam de vermelho sangue, as paredes brancas. Para bem ou para mal (os quais, ensina-se na história, são a mesma coisa) o filme cumpre o papel do profeta divino, ele entrega a verdade que anuncia. O Verbo é ostensivamente verborrágico, exaustivamente falado. Um filme-discurso. Uma pregação. Modulações de voz. Uma praga lançada. Uma possessão de olhos e ouvidos.

Por Nathan Ary

Amado Pai (Amado Pai, 2024). [Brasil 1h32min]. De Leo Miguel. Foto: Divulgação
Amado Pai (Amado Pai, 2024). De Leo Miguel. Foto: Divulgação

Amado Pai (Amado Pai, 2024). [Brasil 1h32min]. De Leo Miguel.

Casa pegando fogo. A mãe morre. Começar logo com intrigante cena de impacto. Sujeito convocado para cuidar do pai. Pai apodrecendo. Pútrido. Montagem com imagens de pesadelo visual estourado. Vozes escrotas num crescente sobrenatural. O pai dele fodido, mas vivo. Todo arrombado. Cheio de feridas. Clima de melancolia. Música atestando isso. Apesar de um pouco cafona aqui e acolá tanto na construção dessa trilha quanto no seu uso, mas isso não atrapalha. É coerente inclusive. Gore maroto. Filho morde dedo do pai. Boa ideia. Relação de pai e filho interrompida, intrínseca e estranha. Comeu o dedo do pai num ataque de epilepsia quando o progenitor tentou desenrolar a língua do filho enquanto criança era. A podridão do pai, o filme vai acompanhando nos seus arredores. Ficado mais seboso a cada momento. É um material feito por quem está na ânsia de expor todo o tesão que possui pelo gênero, e assim enfiam as mais variadas características no próprio, mas acaba por funcionar no todo tanto pela paixão empregada quanto pelo aporte decidido na acertos narrativos e estéticos voltados no empregar da sebosidade do horror. Grosseiro nessa acepção, mas acaba funcionado exatamente por isso. O velho monstruoso é sensacional. Maquiagem massa. Ritual diabólico. Sangue, vísceras e até alguns tambores ao fundo. INFERNO completo na vida de Samuel. Monstruosidades diversas. A relação entre pai e filho além de amaldiçoada por alguns motivos, faz crescer os esquemas de tensão e podridão. Esse acerto do filme é sagaz, o todo vai apodrecendo de acordo com as descobertas e percepções de Samuel naquilo que o cerca o no quando seu pai vai literalmente apodrecendo. É um preparo para um ritual chamativo de monstros perambulantes. E a podridão como elemento narrativo chave e como forma de expressão sincera.  

Por Ted Rafael

Texto parte da cobertura III SINISTRO FEST 2024.

 

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