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III SINISTRO FEST 2024 - DIA 001 – 09/10/2024

III SINISTRO FESTIVAL 2024 (Foto: Divulgação)III SINISTRO FESTIVAL 2024 (Foto: Divulgação)

As representações do terror/horror versam por sobre anseios amedrontadores e nojosos nos quais buscamos não só constatação de entendimento, mas – primordialmente – a repetição sensorial que o arrepio causa. É intrínseco. Um misto de tesão instintivo e construção histórica, afinal estamos numa de várias sociedades ocidentais, e como tal de suas gêneses contemporâneas, a busca pela desgraça como espetáculo é de vasta monta. E neste segmento diário temos algumas opções como bruxas, misticismos outros, fantasmagorias, autoritarismo, fiações de computador e dados. Um troço diverso, obviamente. E a programação dessas obras aponta tanto para esse caminho da diversidade, quanto para uma abertura do festival numa busca por saciar um público sedento – porém talvez fosse mais interessante ser mais incisivo numa escolha por mais uma obra de grosseiro impacto neste primeiro dia (para além de Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre (Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre, 2023). A experimentação segue às vistas em conurbação com o tradicionalismo não só cinematográfico, mas histórico dentro de proposições míticas da oralidade para contas suas estórias. E assim seguem sibilando. Vamos aos filmes. Textos escritos por mim em parceria com o autor convidado Nathan Ary.

El Canto Del Urutau (El Canto Del Urutau, 2023). Foto: DivulgaçãoEl Canto Del Urutau (El Canto Del Urutau, 2023). Foto: Divulgação

El Canto Del Urutau (El Canto Del Urutau, 2023). [Brasil 19min]. De Moisés Luna.

Casal nu. O ritualístico. Música acentuando uma tensão esquisita e com uma trilha arranhando. Um misto de usos de câmera de acordo com o que se enseja, ela na mão, inquieta em trechos de desespero e contemplando o ambiente quando agarrada na melancolia. O que é urutau? Misticismo e criatura monstruosa. Mito sacrificial dos olhos arrancados dos pais e sequestro de criança. Penitência. O filme segue um caminho metafórico por sobre as formas de resistências encontradas pelas pessoas dentro de sua cultura. Um explicar de acontecimentos futuros através de um guarda-chuva de misticismo. Algo que o filme deixa bem claro o tratamento dado às figuras que sofrem variados tipos de violência e recorrem ao sobrenatural para encontrarem respostas não somente a seus anseios, mas como maneira de se protegerem até fisicamente. Uma justificativa de sobrevivência. E o que as consequências destas ações de penitência implicam. A barbaridade é de choque e a penitência dessas figuras não é fácil ou barata.

Texto escrito por Ted Rafael 

Temporada De Caça (Temporada de Caça, 2024). Foto: DivulgaçãoTemporada De Caça (Temporada de Caça, 2024). Foto: Divulgação

Temporada De Caça (Temporada de Caça, 2024). [Brasil 10 min]. De João Italo.

Temporada de Caça aposta no desenvolvimento de uma tensão sustentada em símbolos conhecidos, seja a data do início da ditadura militar brasileira ou a figura monstruosa. Apesar da habilidade de compor os quadros, é essencialmente um filme pautado em extracampos, seja na iminência do perigo para além das paredes da casa, na construção sonora que aponta para algo que não estamos vendo ou como uma crendice pessoal. Um plano de destaque sobre uma criança que mal sabemos o nome, olhando para fora da câmera, quase como uma crença no futuro da juventude como caminho para superar os horrores do presente.

Texto escrito por Nathan Ary

Corpo De Bytes (Corpo De Bytes, 2023). Foto: Divulgação
Corpo De Bytes (Corpo De Bytes, 2023). Foto: Divulgação

Corpo De Bytes (Corpo De Bytes, 2023). [Brasil 16 min]. De Luques Oliveira.

Uso da tela do computador. Windows e fotos. Experimental. Sons malucos. Psicodelia. Maquinário e a carne. Possibilidades do baixo orçamento. Bomba atômica. Evolução tecnológica e a desgraça acarretada. Excesso de informações? Usos de transformação de corpos pela imagem editada, tendo o tesão da vaidade como esquema. Excesso. Desespero. “O corpo é fluido e efêmero”. Cyberpunkismo. Eis aqui um curta que tem em sua base a lisergia do experimento não só como mote, mas como modus operandi e justificativa para existir. Sim, é mais um trabalho que versa sobre o corpo vinculado a um maquinário retrofuturista – lotado de fios e conexões – com crítica social embutida. E dentro desse espectro usa de várias possibilidades experimentais. É uma metralhadora visceral, contundente e escrota. Junta variados malefícios da modernidade sob uma esquemática retrô [uma crítica à agonia informativa que não é algo novo, mas que remete a um zeitgeist geracional que aqui é envernizado olhando ao mesmo tempo para passado e futuro, conturbando dialeticamente ambos, mas sem deixar a contundência de seu comentário sumir nessa estética, aliás até o amplifica]. Serve como um resgate resistente diante da pressa desesperada de novas gerações que estão acometidas pela ansiedade de seus processos de vida onde tudo é fugaz e passageiro e de informação ligeira (uma geração incidindo desespero noutra, mas a primeira citada já era considerada desesperada, porém a catapulta suicida está cada vez mais óbvia e atuante). O que acaba por acarretar um problema de falta de profundidade do todo, e que não é absorvido a contento. E vem a crise. E a crise é desespero. E o desespero é a fiação.   

Texto escrito por Ted Rafael

Intrusive (Intrusive, 2024). Foto: DivulgaçãoIntrusive (Intrusive, 2024). Foto: Divulgação

Intrusive (Intrusive, 2024). [Alemanha 15min]. De Alex Hosfeld.

Como um encontro ruim, com um desconhecido, ou uma pessoa próxima que se distancia tanto a ponto de fazer a proximidade perder o sentido Intrusive (Intrusive, 2024), apesar de não destinar tão bem seu tempo para a clareza destas impressões mais profundamente, deixa ali na superfície um incômodo que parece assolar a personagem Pia muito mais do que algo sobrenatural, como a própria presença do parceiro carregar um ar de dubiedade e violência. A falta de uma imagem (ou a morte) perturbam as relações e transformam um ao outro em intrusos.

Texto escrito por Nathan Ary

Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre (Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre, 2023). Foto: Divulgação
Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre
(Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre, 2023). Foto: Divulgação

Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre (Nahialli Un Cuento de Oro y Sangre, 2023). [México 14min]. De Grace Amabile, Enrique Montoya

A velha estória da bruxa má confabulando e enganando um desesperado. Pancho e sua esposa aguardam a chegada de uma criança enquanto são avacalhados por esta bruxa. O medo de perder a criança acomete o sujeito, que o faz agir em prol de suas necessidades não levando em conta o discurso restritivo de sua esposa. Material com uma trilha incidindo na caminhada em calor violento, e este usado como elemento de tensionamento. O sujeito acha um dobrão de ouro. Sua preocupação não era o filho somente, mas o meio de ter uma vida melhor o cegara, isso é arma para a bruxa. A boa trilha sonora vai rumando ao tom do filme em busca de um impacto maior. O que não deixa de ser um puta clichê, como todo o filme, mas bem executado, também como quase todo o filme. Não se furta desses elementos óbvios, sejam visualmente ou de arquétipos de terror/horror, e os agarra propondo uma estrutura coesa de costura, interligada à cultura mexicana. A bruxa ameaça a esposa e a criança, com uma promessa de cura ao fundo. Pancho enfeitiçado? Alucinando. O caminho é frontal e os objetivos de todos é aparente, mas a formatação da brutalidade é decente, e os anseios de Pancho são destroçados pela bruxa sem piedade alguma.

Texto escrito por Ted Rafael

 Texto parte da cobertura III SINISTRO FEST 2024.

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