II SINISTRO FEST 2023 - DIA 004 – 06/10/2023
Apavorador quarto dia
SINISTRO FEST 2023 - DIA 004 - 06/10/2023. Foto: Ted Rafael
Um dos pontos nevrálgicos de interesse para o horror/terror é a prioridade do gênero em causar sensações mais radicais no expectador, entre elas o medo. E existem diversas formas de contemplar esta questão, desde o medo do desconhecido ao pavor do que se conhece e se sabe o quão danoso pode ser. Dentre estas versões aplicadas ao pavor, o que a busca dentro delas é sagaz é a capacidade de catarse que o gênero tem em proporcionar no seu findar, principalmente. Porém, esta catarse se dá através de uma geração de sensações que obviamente dependem da recepção de cada indivíduo. Como um sujeito pode sentir tesão numa violência torturante (com o medo embutido), ou simplesmente outra figura se aterrorizar nauseabundamente com o mesmo ocorrido. O fato é que o horror/terror subverte questões e causa discórdia entre os vários envolvidos, e cinema não é exatamente isto também? Existe como forma de incômodo e pancadaria.
O Medo é Só o Começo... (O Medo é Só o Começo..., 2023). Foto: Divulgação
O Medo é Só o Começo... (O Medo é Só o Começo..., 2023) [documentário - 1h 21 min – Brasil], de Rafael Van Hayden. Sessão Boitatá. Competitiva Longa-metragem.
Documentário acerca do horror/terror no Brasil. Doc tradicional. Com excessos de talking head e trechos dos filmes intercalando os depoimentos, feito com orçamento curto (vide algumas entrevistas feitas online). O que interessa nesse trabalho é a prioridade dos depoimentos. Dar espaços para os artífices da desgraça avançarem no debate sobre a relevância desse nosso imaterial materioso do horror/terror nacional. Entre os discursos dos realizadores envolvidos um ponto que é teimosamente explicitado é o fato de se usar do terror pra exorcizar demônios internos, angústias e fuleiragens outras. Como forma de catarse. E encaixa nisso a atenção que você dá pra uma coisa nova, por mais horrorífica que a mesma assim seja. E como afirma o diretor – e supervisor de efeitos especiais – Kapel Furman, uma forma de repulsa é o objetivo, sim, mas que mantenha o interesse, como um sujeito bebendo aguardente, sabendo que o sabor de algumas é brutal, mas tá ele se embriagando com interesse (esse exemplo último foi meu, não vamos meter Kapel nisso). Kapel ainda complementa que o medo existe como efeito colateral, e não como fim. Sobre a catarse que o gênero enseja, a identificação da subversão do monstro ao mundo comum é ponto invocado também, afinal o monstro é um transgressor à ordem social vigente estabelecida. Um pária. Seja um assassino, ou um monstro que vive num armário. É sagaz entender como estas proposições se mantém ativamente vinculadas ao terrorífico, portanto, e sacar as estratégias que podemos perceber – e criar – sobre a consciência do espaço que se atinge com o terror no Brasil. Petter Baiestorf é um que afirma que parece que realizadores brasileiros tem muita vergonha em fazer cinema de gênero. E ainda cita as possibilidades de se discutir muitas coisas interessantes com o cinema de gênero. Principalmente por o cinema de terror brasileiro ser muito heterogêneo. Cinema de terror tem que ser radical na forma e na política. Tem que incomodar. Se não faz mal a ninguém não serve.
Tormenta (Tormenta, 2023). Foto: Divulgação
Tormenta (Tormenta, 2023) [horror / suspense - 6 min – Ceará], de Eloi de Oliveira, Joseph Argus, Eduardo Magalhães e Fábio Oliveira. Sessão Labatut. Competitiva Ceará Sinistro.
Curtíssimo cearense feito por estudantes de cinema que prioriza a experimentação de recursos num iniciar próprio dos criadores dentro do gênero de cinema fantástico. Aposta num preto e branco por corredores numa correria incessante a fugir de um som persecutório. Corretinho na sua gênese, mantém o interesse dentro de sua duração de 375 segundos.
Casa de Bonecas (Casa de Bonecas, 2023).Foto: Divulgação
Casa de Bonecas (Casa de Bonecas, 2023) [horror / sci-fi / queer- 15 min – Brasil], de George Pedrosa. Sessão Quibungo. Competitiva Curta Nacional.
Discurso queer logo de cara e desbocadamente divertido, pra animar pro que viria a seguir. Revelações sobre as questões sexuais e suas solidões, levando isto no sarro. Depois dos apontamentos iniciais de suas proposições sexuais o filme se lança numa experimentação lisérgica, uma dança de corpos com ótimo uso da trilha e do som, como forma a transportar o espectador em busca das sensações que a fita preconiza em apostar. Como o tesão e a confusão – sons metálicos apostando nesta confusão e desconforto, que a imagem já aplicava. Vômitos e marmotas diversas também fazem parte do jogo. O sensorial como algo absolutamente intrínseco não só ao cinema, mas sobre os questionamentos iniciais sendo levados a cabo por imagens diversas em viagens que demonstram a vontade de existir.
Venus (Venus, 2023). Foto: Divulgação
Venus (Venus, 2023) [horror / experimental - 10 min – França], de Mickaël Dusa e Jolan Nihilo. Sessão Quibungo. Competitiva Curta Internacional.
Seboso. Alien? Criança sai dela. E ela come a criança. Gore. Asqueroso. Cheio de gosmas. Maravilha. Presa num banheiro imundo. Atuação difícil. Muito boa. Som bem usado. Um estupro. É isso. Um curta alegórico que versa sobre a condição do sofrimento da mulher diante da violência. Com ela nua repleta de gosma pelo corpo se debatendo desesperadamente com dor e sofrimento enquanto o pavor a consome. Excelente uso do espaço cênico para a proposição do desespero assim com a atuação sensacional, que segura a experimentação e loucuras compostas como estratégia. Visceral e grosseiro.
Un Día Cualquiera (Un Día Cualquiera, 2023). Foto: Divulgação
Un Día Cualquiera (Un Día Cualquiera, 2023) [horror / suspense - 1h 30 min – Espanha], de José Texeira. Sessão Quibungo. Competitiva Longa-metragem.
Discussão política. Mataram um amigo. Era só pra assustar. Vai e volta dos vigaristas. Umas 3 vezes. E funciona. Escolhe um troca-troca de surpresas para se vender narrativamente com citações políticas sarcásticas que versam sobre controle e decisões escrotas, que é algo que o filme se propõe a fazer em seguida. Meio que prepara quem o assiste para aquilo, com algumas dicas sutis, mas ainda conseguindo surpreender com as maneiras como os personagens vão passando por surpresas impostas. Funciona diegeticamente como um experimento social bizarro ao apostar nos limites humanos para a desgraça e o quão longe podemos ir não só por nossa sobrevivência, mas por uma mentalidade gananciosa e enganadora que nos é oferecida como meio a mitos de oportunidade como fim. Nisso o material propõe – e sem deixarmos de ter alguma empatia por aquelas figuras – e consegue equilibrar bem nesse ponto. Mesmo que assistir as hienas se mastigando seja salutar e divertido, mas ainda são humanos ali com uma ponta de empatia. As ações interessam mais que a forma aqui, com uma decupagem esperta e uma montagem competente separando bem os núcleos a obra se processa, afinal o que importa são as ações em seguida. O público já foi capturado. O lance é manter a tensão. E nisso aqui há um bom acerto. A subversão dos supostos finais e surpresas mantém o filme firme, e é de qualidade perceber que não cai na esparrela dos falsos finais cansativos. Vai apontando caminhos de forma orgânica e surpreendente em diversos cortes. E o plano final, nas mais grosseira cara de pau irônica, finaliza bem a parada.
Texto para a cobertura do Sinistro. Artigo Festival II SINISTRO FEST 2023.
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