Bergman está sempre se abstendo da necessidade de explicação dos fatos. E esta talvez seja a marca registrada do diretor, que utiliza a arte como forma de exposição emocional; por vezes suas criações são instigantes, por outras nem tanto. O que ocorre em ‘’Luz de Inverno’’ é um profundo estudo acerca do credo humano. À primeira vista, um expectador convicto já se familiariza com o tema abordado; pois a cena inicial sintetiza um culto religioso com dizeres bastante conhecidos em textos religiosos. Mas Bergman não se priva de debater o lado oposto da moeda; e este acaba sendo o próprio miolo do filme. Põe em cena alguns idealismos ateístas e julga: por que não seriam verídicos?
A busca por uma força maior se iguala ao amor. No momento em que as experiências amorosas são friamente esmiuçadas pela morte, nos resta descrer aquilo que previamente louvávamos cegamente. Por que aquilo em que botávamos todas as fichas era exatamente isto: em um criador capaz de zelar por todos e dilacerar todos os sentimentos negativos. No momento em que este princípio é quebrado, toda a confiança arquitetada em nossas mentes torna-se inverossímil. Não nos resta mais dar sentido à algo que nos vem à tona da forma mais atroz. A partir daí, toda a ação ritualística passa a ser comandada no ‘’piloto automático’’; ou seja, faz-se aquilo sem uma convicção completa.
Temos Jonas, um personagem preocupado com a possibilidade do lançamento de uma bomba atômica. Tal acontecimento seria um desastre humanitário sem precedentes; tendo esta catástrofe em vista, Jonas toma a atitude mais inevitável caso este pesadelo se tornasse realidade. É Bergman nos dando uma visão de um mundo descrente; que já não possui mais a sensibilidade criativa para desenhar uma força religiosa; que, possivelmente, poderia ser a salvação de Jonas. Mas a realidade torna-se tão concreta que chega a ser impossível imaginar uma luz milagrosa no fim do túnel. Pelo menos na visão de Jonas.
Impossível não ressaltar a fascinação de Bergman pela fé; visto que este exemplar faz parte da chamada ‘’trilogia do silêncio’’. Além de ‘’Luz de Inverno’’, a trilogia é fechada com ‘’Através de um Espelho’’ e ‘’O Silêncio’’. O maior trunfo do mestre sueco é nunca parecer tendencioso à favor de uma religião específica. Ele trata o tema com uma universalidade impressionante; sempre dando maior ênfase às argumentações dos personagens e se livrando de cacoetes moralistas. Em certo momento, Bergman denuncia um pensamento egoísta do clero; mostrando seus membros convencidos de que possuem privilégio da ajuda divina por pregarem as supostas ‘’leis do Senhor’’.
Percebem-se diálogos comandados magistralmente ao longo da projeção. Estes são uma bem-vinda ajuda na hora de pôr em prática as teorias de Bergman. E é, sem sombra de dúvidas, o maior feito do filme; pois as argumentações são fundamentadas através de um roteiro escrito meticulosamente; e as ideias realçadas pela visível entrega do elenco em cenas de difícil interpretação. Realmente é preciso uma enorme presença em cena para que tudo o que o diretor tinha em mente fosse posto em prática; aliada à um poderio de expressões faciais que demonstram a carga emotiva que cada plano necessita. Tudo isso dá certo em ‘’Luz de Inverno’’, para a felicidade do espectador.
Meu favorito da trilogia do Silêncio. Filmaço.