Um diretor optar por uma mudança brusca de rumo pode parecer uma ideia bem controversa para alguns. Ainda mais quando tudo parece ter sido modificado. No entanto, se o material for bem trabalhado, passando diversas sensações ao espectador, por que não apostar em um desenrolar mais ousado? Assistir tal obra torna-se um exercício, de certa forma, mais interessante e satisfatório do que acompanhar filmes que adotam velhos desfechos convencionais; sem uma identidade própria. E marca registrada é o que não falta na carreira de Kiyoshi Kurosawa, que aplica suas próprias regras ao cinema. Ou melhor, contradiz vários aspectos dados como característicos na construção de um longa-metragem; que, na verdade, devem mesmo serem quebrados para que, assim, esta arte possa alcançar novos ares. Caminhos inimagináveis; aos quais ''Loft'' está definitivamente incluído.
De um ponto de vista geral, o plot inicial deste aqui não é lá dos mais inovadores. Na verdade, até meio repetido em produções orientais. Trata-se de uma escritora de sucesso chamada Reiko, que no momento está sofrendo de um bloqueio criativo e tossindo seguidamente, até que um dia expele pela boca um líquido preto mucoso, parecido com lama. Sentindo-se agora em uma situação desagradável, ela pede para que seu editor consiga uma nova residência; mais ampla, afável, e não tão hermética e fria como a atual. Ele consegue realizar o desejo de Reiko, e a mudança é concretizada; para uma região mais ecológica, verde; no subúrbio e longe de badalações que possam dificultar sua criatividade escritural. O novo ambiente logo é afetado por uma má energia vinda da suposta casa vizinha abandonada; quando Reiko percebe que um homem carrega um corpo acobertado para dentro do local; e os antigos fantasmas retornam para atormentarem sua vida.
Ao longo que os minutos vão passando, percebemos uma mudança de personalidade nos personagens. É nos passada uma ideia de que não devemos acreditar totalmente em alguém, pois todos possuem dois lados; uma dualidade de condutas. É um pouco similar ao que Kurosawa fez recentemente no ótimo ''Seventh Code''; somos enganados à todo momento pelo próprio diretor, que vai nos revelar uma incrível descoberta à cerca do que cada pessoa realmente almeja no filme. E isso acaba influenciando muito na metamorfose que o teor dramático de ''Loft'' sofre do seu princípio ao fim. Fica a impressão de que estamos à assistir um thriller investigativo que acaba alternando entre terror/suspense e até mesmo um romance; tudo pela mudança de decisões de seus personagens; o que não chega à ser uma qualidade, pois o Kurosawa parece perder um pouco a peteca narrativa.
Não é novidade nenhuma que a sonorização das obras do Kurosawa possuem um retoque único. O diretor toma um cuidado meticuloso nos takes, para que a essência das cenas não perca o seu charme. O silêncio quase ensurdecedor de alguns momentos é talvez um dos maiores trunfos de suas obras, pois abre alas para o visual; dá evidência aos mínimos detalhes das ações de seus personagens. Todas elas, sempre capturadas em um grande plano, que cobre praticamente todo o ambiente filmado. O cineasta se abstém do uso de uma câmera mais próxima aos personagens e prefere demonstrar expressões de corpo inteiro; anexando os atores aos cenários que, por sinal, muito lindos e certamente bem escolhidos.
Com certeza está longe de ser um dos melhores trabalhos narrativos do diretor; que se perde aqui em diversos momentos, fazendo algumas sequências soarem incoerentes. Mas a direção é segura; Kurosawa não tem medo de ousar na hora de construir climatizações assombrosas e conecta muito bem o plano espiritual com o real; fazendo uma verdadeira mixagem entre ambos. O segredo de grande parte da qualidade de ''Loft'' está na autenticidade artística do diretor; que molda sua obra com base em seus próprios princípios. E cria cenas louváveis de apreciação do público fã de um bom suspense, em sua mais pura e verossímil forma.
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