Uma das maiores características do cineasta Shozin Fukui é a sua ousadia em trabalhar com projetos experimentais. Após ter realizado diversas engenhocas excêntricas, o diretor decide partir pra uma obra mais ''padronizada''; ou melhor, ele opta aqui por um mockumentary de terror. E do que poderia ser apenas mais um entre tantos desse sub-gênero, Fukui consegue arrancar um maravilhoso pseudo-documentário investigativo; que prende a atenção do espectador graças à incessante busca por respostas vinda dos protagonistas. Para o diretor, no entanto, é uma tentativa nova, já que nunca havia tido uma experiência como esta antes. E, tendo em mãos uma ideia de estrutura dissemelhada em relação ao que já foi feito, muitas vezes, pode dar em um resultado desagradável; o que Fukui certamente contradiz e consegue tirar de letra aqui.
À primeira vista, ''Den-Sen'' pode soar como uma readaptação de ''Ringu''; mas, diferentemente do filme de Nakata, este aqui prega pela coerência dos fatos, e os trata com mais seriedade. Então, o enredo gira em torno de um disco em formato DVD que foi enviado à uma estação de TV a cabo especializada em culinária. Tal objeto, seria amaldiçoado pois teria causado o suicídio de um jovem que o assistiu. Um dos jornalistas do canal fica abismado com a carta enviada e, sem entender muito bem, entrega o disco à uma colega sua pedindo para que ela faça uma reportagem sobre o ocorrido. Não acreditando nos poderes sobrenaturais do disco e na esperança de encontrar respostas, a pobre jovem assiste e acaba por ter o mesmo fim que o rapaz que havia o feito antes. A missão agora fica à cargo de seus dois colegas, que têm em mãos o DVD e uma última filmagem feita pela rapariga.
Para desenvolver esse enredo, Fukui trata seu filme como uma documentação feita após as buscas dos jornalistas. E vai alternando, entre diálogos atuais e narrações posteriores às filmagens. Essa característica dá um certo tom documental maior à obra; e faz os acontecimentos soarem realmente verídicos. O que é um ponto primordial pra quem assiste, pois faz nós sentirmos que tudo aquilo está acontecendo; e que estamos literalmente dentro da tela. As entrevistas feitas pelos personagens também ajudam muito à nos familiarizarmos com o contexto debatido nas cenas. Fukui dá liberdade à seu camera-man, interpretado por um dos jornalistas, e que realiza um trabalho excelente; sendo um dos responsáveis (se não o maior) por boa parte das nossas sensações de interação com o que se passa na película.
A intenção, no entanto, é levantar mais questionamentos do que entendimentos sobre o que é proposto aqui. Em dado momento, percebe-se uma abordagem que Fukui faz à intromissão exagerada da mídia em cima de locais que sofreram algum abalo social ou natural. Mesmo após o sofrimento sentido em determinadas regiões, eles continuam indo em cima da ferida; pois o que chama a atenção popular é exatamente isso, algo chocante. E as pessoas que convivem naquele meio, podem não gostar de serem vistas como hóspedes para um grupo de repórteres querendo levar sua propriedade ao conhecimento público como algo hostil. O pior: ficam fazendo com que tais indivíduos relembrem os fatos.
Assim como Kiyoshi Kurosawa fez em ''Kairo'', Fukui também põe a internet como um meio de interligação entre o plano espiritual e o material. Em meio às tantas facilidades que o ato de navegar na web nos trás, este poderia ser o ponto médio de conexão entre as pessoas que já se foram com as que estão se preparando; talvez os diretores tenham visto assim pela agilidade que esta ferramenta tem de juntar as pessoas, de localidades às vezes muito distópicas. Aliás, a própria internet é tratada como um terceiro plano; e como o habitat destes fantasmas vagantes, prontos para mandarem sua mensagem anônima aos que estão do outro lado do teclado. Estes, que por não entenderem a linguagem ectoplasmática usada, acabam encarando os contatos como assombrações potencialmente agressivas.
Se fosse preciso um exemplo que demonstrasse a essência de um legítimo mockumentary, logo citaria este ''Den-Sen''; principalmente no que concerne à forma como foi narrado, supostamente após os acontecimentos, dando uma sensação perfeita de documentário fake ao espectador. Além de todo resto, óbvio. Das filmagens comandadas com maestria ao roteiro que liga fielmente uma tomada à outra, sem cortes bruscos ou imprudentes. E, como se não bastasse, o enredo é perfeito pra esse tipo de produção. Fukui consegue enganar em cheio o espectador, no bom sentido é claro.
Parabéns pelo texto André, preciso dar mais atenção para filmes de terror asiáticos, apesar deu não gostar tanto assim desse subgênero... Pela premissa e seu texto, lembrei um pouco de "O Chamado"... De toda forma seu texto está excelente...