As impressões sempre realistas de Pialat têm uma importância muito grande dentro do meio artístico em que são inseridas. Pois o diretor opta por uma estilização quase documental de situações corriqueiras; seja pelo universalismo delas ou até mesmo pela facilidade delas se assemelharem às nossas próprias vivências. Através dessa capacidade de observar os trejeitos da sociedade à sua volta com uma grande sensibilidade é que Pialat consegue criar uma fiel aproximação do que é captado pelas lentes com o que é captado por nossas retinas. Falo da relevância que essas imagens possuem exatamente por serem cruas e funcionarem praticamente como um tratado artístico feito por um homem que conhecia e sabia diagnosticar muito bem a família e os adolescentes da França oitentista; como é o caso em Aos Nossos Amores (À Nos Amours, 1983).
A essência da trama é jovial e centra-se em Suzanne , uma adolescente que está a descobrir os prazeres que a libido desvairada dos hormônios efervescentes lhe resguarda. A relação sexual está em um patamar superior à sua consciência; onde o desejo amoroso encontra-se em uma escala muito inferior e que, devido ao processo de formação ético/social da jovem ainda estar em desenvolvimento, a relação carnal imediata lhe apetece como a saída mais convidativa para satisfazer os instintos grandiloquentes que sobrepõem a sensibilidade unicamente humana do poder de se apaixonar. Qualquer indivíduo sexualmente ativo é passível do cedimento corporal de Suzanne; que acaba involuntariamente (e ingenuamente) sendo uma fonte do descarrego da carência física de seus ''amantes''.
O desequilíbrio emocional parece não afetar simplesmente Suzanne, já que, por vias semelhantes às da filha, observamos o rompimento da relação conjugal entre seus pais. O próprio Pialat encarna o pai que deixa o lar ordenando o seu papel de chefe da família ao filho; e ,a partir da ausência paterna, a química já razoável existente entre os habitantes da casa dilui-se em um caos insuportável de nervos desmedidos. Justamente a união que havia concebido àqueles seres o estatuto de uma família estava acabada. Agora, tampouco caberia ao filho tomar as rédeas da situação; o que acabou sendo uma decisão pouco prudente do pai e que apenas serviu para liberar e escancarar as iras e a falta de tato do irmão de Suzanne.
As dificuldades de amar também eram visíveis em Loulou (idem, 1980), seu trabalho imediatamente anterior à esse. Com a então protagonista Nelly ziguezagueando entre os seus sentimentos e o que simplesmente é libido; ou melhor, se é que um dia existiu uma paixão seja por seu marido, seja pelo amante ex-presidiário que batiza a obra. No entanto, há uma distinção no que concerne aos motivos de ambas Nelly e Suzanne nunca encontrarem estabilidade emocional. A primeira era motivada mais pela insatisfação sexual para com seu marido; e sendo correspondida por Loulou. Já aqui, os amores incompreendidos de Suzanne podem ser interpretados pela imaturidade da personagem e sua inexperiência com relações humanas somadas à uma incansável necessidade instintiva conforme manda a faixa etária.
''Se alguém te ama, pensa que ama também, mas na verdade você só quer ser amada.''
''Todo mundo é assim.''
''Claro que não. Tem gente capaz de amar.''
''Não muitas.''
''Sim, e você não está entre as poucas.''
É num dos planos derradeiros de Aos Nossos Amores que percebemos a lucidez com que Pialat nos conduziu durante toda a projeção em um diálogo com Suzanne (pai e filha). Em uma conversação que realmente poderia ter acontecido naquelas circunstâncias, exatamente no mesmo local e sob os mesmos olhares. É assim que percebemos a grandeza da obra que o francês acabara de erigir; palpada em bases sólidas, e que de tão bem atuado lembra mesmo o quão remetida à realidade aquela cenografia é. Não limitável apenas à adjetivos genéricos que o atribuam como um grande filme; mas sim, um verdadeiro documento que agrega uma gama de acontecimentos genuínos e verídicos. Podendo também servir como um objeto de embate ao comumente artificialismo cinematográfico cool; que se apoia no elenco vendido como reluzente mas que quando comprado revela-se insípido e sem vida.
Esse diálogo que citou é o melhor. Além de bom diretor, Pialat é bom ator. Muito boas as cenas com a filha.