O consagrado diretor Peter Jackson volta aos cinemas com um filme muito diferente daqueles que estávamos acostumados a vê-lo dirigir. Um Olhar do Paraíso, mesmo com todos os seus defeitos, consegue sobreviver em cima de sua principal mensagem: é preciso sempre seguir em frente.
Jura que é clichê? Juro. Jura que é batido? Juro. Jura que piegas? Juro. Mas sabe o que mais eu juro? Nada disso importa.
Já ouvi alguns comentários de que "The Lovely Bones" é 8 ou 80. Eu diria que o filme é 8 ou 800, dependendo da pessoa. O novo trabalho de Peter Jackson, baseado no romance de Alice Sebold, trata de assuntos que deixam lacunas, passagens sem justificativas e perguntas não respondidas. 'Um Olhar do Paraíso' trata sobre o abstratismo, para não citar o tão falado espiritismo. Entretanto, no caso deste filme, falar de um é falar do outro.
O filme conta a história de uma garota de 14 anos, cujo último nome é Salmon, como o peixe. O primeiro nome, Susie. Em primeira pessoa, ela narra como foi morta por um vizinho, em 06 de Dezembro de 1973. Mas não pense que, enquanto assiste ao filme, você verá cenas de assassinato brutal, tal como está no best seller de Sebold. Susie Salmon foi esquartejada por George Harvey, e o único indício que temos disso é todo o sangue e a terra no seu banheiro, assim como objetos que, devido ao seu estado, deixam claro que participaram de um crime hediondo. O filme não perde muito tempo falando da vida de Susie, até porque não é o que mais interessa. Tudo o que devemos saber é que Susie é uma menina meiga, apaixonada por um menino mais velho e muito chegada à família, além de ter como hobby, tirar fotos. Quando é morta, a sua família entra em crise. O casamento dos pais desanda, chegando ao ponto da mãe ter que se afastar um pouco da vida que leva e ficar uns tempos longe. Entretanto, o que mais chama a atenção é que Susie não desaparece da história. Continuamos a acompanhar a sua estada em uma espécie de limbo, que pode ser considerado o Paraíso. Ela passa a observar a vida daqueles que deixou para trás e o espectador pode conferir o que se passa dos dois lados.
Entra, a partir do assassinato de Susie, a discussão essencial do longa e que desencadeou em inúmeras críticas ao filme. O roteiro escrito pelas mãos de Peter Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens passa a discutir a relação que os vivos tem com os mortos. Ou melhor, as influências que os mortos tem sobre os vivos. Mais especificamente falando, o roteiro discute o espiritismo. E não é necessário ser espírita para compreender o que se passa durante o filme, cujas explicações se resumem unicamente ao aspecto de relação entre os dois lados da vida. Talvez seja esse o principal problema do roteiro, mas talvez não. É muito cômodo explicar tudo a partir de crenças religiosas, já que não há provas de sua inautenticidade. Um exemplo próximo é Avatar, cuja sequência final só existiu devido à interferência da divindade suprema dos Na'vi, e que, sem ela, a batalha terminal não seria a mesma. A pergunta é se podemos considerar esse tipo de explicações, ou a falta delas, furos. No caso de "The Lovely Bones", eu acredito que não. O que esperar de um filme que tem a ousadia de mostrar o paraíso como um lugar onde a realidade da vida prévia se encontra com a fantasia do meio termo e a incerteza do mundo póstumo? Ao meu ver, não vejo praticidade alguma em questionar detalhes, como por exemplo, o poema de Ray direcionado à Susie ter voado para os pés da "menina estranha". Que diferença faz? Tem que haver algum propósito entre essas ações tão pouco usais? Será que é justo exigir alguma explicação banal de um filme que usa o abstratismo com tanta naturalidade e frequência? Eu diria que 'Um Olhar do Paraíso' é um filme tão abstrato quanto ousado. Ao contrário de ficções científicas que utilizam destes métodos para justificar seus furos, o longa de Jackson vive deles. Como podemos levar ao pé da letra, encarar com a lógica um filme que imagina um Paraíso e decide colocá-lo na tela sem nenhum problema? A fantasia do filme não permite maiores explicações. Se a pessoa conhece um pouco do espiritismo, fica mais fácil tentar entender como Susie pôde influenciar tanto os pensamentos e ações do pai. Por uma mera questão de curiosidade, os espíritas acreditam que, mesmo depois de mortos, aqueles que amamos continuam a zelar por nós e tomar conta de nossos caminhos. A crença também dita que os espíritos daqueles que amamos influenciam em nossas vidas e pensamentos quando estamos pensando neles. Dependendo do que desejem e do que sentem, seu estado de humor e ânimo pode determinar também as nossas ações. Quero deixar claro que não sou espírita, mas não há como negar que o filme segue por esse caminho e basta ao espectador decidir se aceita ou não.
Deixando um pouco de lado toda essa trama, as atuações contam basicamente com bons trabalhos. O destaque aqui fica por conta de Saoirse Ronan e Stanley Tucci, aqueles que mais estiveram em prêmios pelo filme em 2009. Tucci, aliás, foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, com uma atuação impressionante. Ele compõe o psicopata George Harvey com exímia perfeição e se preocupa bastante com os detalhes que fazem toda a diferença em um psicopata. A cabeça ligeiramente inclinada para baixo, o olhar gentil e a simpatia usual caracterizam um psicopata quando não está agindo. Agora, enquanto ele revela o seu alter ego, Harvey é assustador e Tucci consegue fazer o espectador temer qualquer reação inesperada de seu personagem. Ronan, por outro lado, é uma Susie Salmon com o máximo de doçura que podemos exigir. Aqui, Saoirse Ronan ganha destaque por um papel atingido e vitimizado, e encarnando uma amedrontada e abandonada menina de 14 anos, Ronan brilha. Podemos garantir o destaque para Rachel Weisz também, que apesar do papel pequeno, interpreta a mãe de Susie com muita autenticidade. Quanto a Mark Wahlberg, está péssimo. A boa notícia é que já esteve mais péssimo, só que continua sendo o mal ator que é. Susan Sarandon tem o papel mais desnecessário de sua carreira, e olha que ela tem tido muitos trabalhos descartáveis ultimamente. Ela faz a avó que quer ser adolescente com o talento que lhe foi dado, mas o papel não lhe oferece mais oportunidades e ela se torna apenas mais uma do elenco dos coadjuvantes.
Peter Jackson, que dirigiu a trilogia O Senhor dos Anéis e filmou King Kong, certamente nos surpreendeu com a sua mudança repentina de ares. "The Lovely Bones" é um filme belo. O CGI utilizado para compôr o Paraíso é lindo e as cenas são, de fato, encantadoras. Jackson também faz uso da fotografia de arte, com fumaças, tons frios e escuros e quando precisa, muita luz. A direção de arte acompanha a boa qualidade da técnica e entrega cenários muito bonitos e caprichados. Entretanto, não há como fugir: Jackson não repetiu o feito de seus filmes anteriores. Ele não dirige com a mesma segurança e algumas cenas, em especial os diálogos, são artificais. Infelizmente, ele é o principal culpado pelo filme não ter se saído melhor.
Acontece que Um Olhar do Paraíso consegue passar a sua mensagem. Está certo que já vimos uma infinidade de vezes, mas a originalidade (ainda que seja difícil encontrar alguma no filme), está justamente na forma como Susie Salmon consegue se desvencilhar do mundo dos vivos. Não, ela não precisava apenas beijar o garoto que gostava para se mandar, como alguns disseram. O buraco é muito mais embaixo. Susie estava ligada aos afetos que criou na Terra e sendo apenas uma criança, fica realmente difícil entender como pode seguir em frente sem olhar para trás. Os "lovely bones", que deram nome ao título original, se referem aos restos emocionais que Susie deixara presos aos seus depois de ser morta. Ela não podia se afastar sem se despregar destes restos, que já fizeram mal não só a ela mas também a sua família e amigos. Ela precisava deixar que aqueles que amava tomassem o seus caminhos, porque, tal como ela deve fazer, todos devemos seguir sempre em frente, não importa o que aconteça. E é isso que o filme deseja passar ao espectador. É clichê? Juro que é.
Boa interpretação, dá pra notar isso por ela após a morte não buscar envolvimento com o irmão em momento algum. Ela 1 - Tirou a sede de vingança do pai, 2 - Viu a irmã beijar alguém, 3 - Beijou o rapaz e 4 - Se despediu da mãe. O papel dela com o irmão ela já tinha cumprido ao salvá-lo (ainda em vida). Acho tudo isso uma bobagem claro, mas é um filme, ok. Mas ainda assim, a expectativa gerada no primeiro ato não foi correspondida, e o final foi abaixo do que poderia ser abaixo da expectativa, muito ruim.