"What was she thinking?"
O encontro de duas damas do cinema marcado pelo roteiro de Patrick Marber, que mistura suspense psicológico com temas polêmicos como a homossexualidade e escândalos de sexo.
Depois do sucesso de crítica com os filmes Iris e A Bela do Palco, o diretor inglês Richard Eyre comanda mais um trabalho, diferente e sem dúvida, o melhor de toda a sua carreira. Notas sobre um Escândalo é um filme de assuntos polêmicos e até mesmo violentos. Talvez não seja para qualquer pessoa assistir, já que envolve tensão de alto nível, um suspense que mexe com o psicológico de quem o assiste. Mas se você é um amante do cinema, e se está lendo essa crítica tenho certeza que é, você vai gostar de assistir e apreciar esse nítido exemplo de adaptação bem sucedida, um filme tão bom quanto o livro no qual foi baseado.
A escritora Zoe Heller escreveu o livro Anotações sobre um Escândalo como uma espécie de avaliação de um diário. Essas anotações viraram "notas" para a adaptação, e para ser sincero, o roteiro escrito por Patrick Marber, de Closer - Perto Demais não é totalmente fiel ao livro da escritora inglesa. Ela priorizou alguns pontos que não foram aprofundados no filme, como a homossexualidade de Barbara Covett. O roteirista optou por fazer algumas mudanças na adaptação para o filme, mudanças drásticas às vezes, mas que funcionanram perfeitamente e melhoraram o filme e a história para melhor. Marber é conhecido pelos seus diálogos insinuantes e apimentados e neste "Notes on a Scandal" muitos deles estão presentes, além de indiretas irônicas e sarcásticas.
A história gira em torno da personagem Barbara Covett, interpretada por Judi Dench. Ela é uma professora solitária e conservadora, cuja única companhia é o seu gato de estimação, Portia. Conhecida por seus alunos como a mais exigente professora de todas, ela não mantém um círculo de amizades instável, já que seus únicos contatos (profissionais) são os outros acadêmicos. Infeliz, mas já acostumada com a solidão, Barbara desabafa e escreve seus sentimentos em um diário. Quando a nova professora de artes toma posse na escola St.George de Londres, a bela e jovem Sheba Hart (Cate Blanchett), a vida de Barbara começa a mudar. As duas logo se tornam grandes amigas e passam a frequentar suas determinadas casas. Tudo está muito bem até que Sheba começa a ter um caso amoroso com um de seus alunos mais jovens, o menino de 15 anos Steven Connely (Andrew Simpson). Barbara logo toma conhecimento do caso da amiga com o estudante e passa a chantagear indiretamente a nova professora de artes, obrigando-a a lhe fazer companhia, caso o contrário, ela seria obrigada a contar para a escola, para os jornais e para a família de Sheba todos os detalhes do notório escândalo. Barbara passa a escrever tudo o que descobre no seu diário, aproveitando para expressar seus sentimentos em relação à professora de artes.
Desde o início, apesar do principal da história ainda não ter tido o seu início, é possível perceber como a personagem de Judi Dench tem o prazer de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para o prazer próprio. Ela demonstra ser controladora, dominadora e autoritária, além de ser capaz de imaginar um caso amoroso com a professora Hart, que é casada e tem dois filhos, um com síndrome de Down.
O trecho a seguir foi tirado do próprio "Anotações sobre um Escândalo" de Zoe Heller e explica um pouco a solidão de Barbara Covett:
”Gente como ela acha que sabe o que é solidão. Mas solidão, daquelas onde uma ida à lavanderia é o máximo que pode se esperar do seu fim de semana… Onde enconstar o braço no cobrador do ônibus pode descarregar um choque elétrico por seu corpo… Desse tipo de solidão, ela não sabe nada.”
A solidão de Barbara pode ser compreendida de diversas formas. Um delas é que ela do fato de ser uma pessoa sozinha para comover os novos conhecidos, outra é dizer que ela é tão dura e controladora com tudo e com todos porque é solitária. A única presença constante de sua vida é seu gato Portia, bem velhinho já e que sempre foi a companhia perfeita para uma mulher amargurada com a vida.
Sheba, ao contrário de Barbara, é uma jovem influente e cercada de amizades, feliz com seu casamento e amada por todos. Isso com certeza influenciou a professora megera a tomar partido de sua amizade com Hart, tornando-se a confidente da nova amiga. O suspense passa a começar quando Barbara descobre finalmente o romance, e com medo de perder o "amor de sua vida", ela teria que fazer o que a sua mente perigosa e vingativa manda.
O diretor Eyre conseguiu fazer deste um dos melhores filmes de 2006, fazendo as interpretações das duas atrizes principais serem as principais atrações do filme e o principal destaque. E não é à toa, afinal de contas estamos falando de duas grandes atrizes não-americanas, a inglesa Judi Dench e a australiana Cate Blanchett. As duas já possuem experiência o suficiente em frentes às câmeras e ambas tem uma estatueta do Oscar em suas prateleiras. O encontro sensaional dessas duas "divas" do cinema não poderia ser outro, uma passagem de excelentes interpretações atrás da outra, seja em momentos de tensão, alegria, tristeza ou descontração. Em todos os momentos percebemos que temos a garantia de um ótimo elenco reunido e super bem aproveitado. Não há como dizer qual das duas está melhor em cena. Alguns dizem que este foi o melhor papel e a melhor atuação de Dench, outros dizem que o filme é todo de Blanchett. Durante todo o filme, essa poderia ser a pergunta que o espectador deveria estar fazendo, mas na cena em que as duas se enfrentam, próximas ao final da produção, essa questão parece simplismente desaparecer. A cena foi tão bem trabalhada pelas duas atrizes, que essa pergunta parece não ter mais importância, mas uma constatação deve ser feita: naquele momento, não estavam somente duas atrizes competentes atuando, e sim duas verdadeiras "ladys", reais damas do cinema, talvez as melhores e mais completas atrizes que já atuaram juntas em um mesmo filme há anos. O fato é que tanto Judi Dench quanto Cate Blanchett esboçam interpretações pouco vistas no cinema e assistir a tudo isto, é um privilégio, especialmente para quem gosta de cinema. Nesta cena comentada logo acima, em que as dua sse enfrentam finalmente com a verdade toda à brancas nuvens, uma mistura de grandeza nos rostos das atrizes transpassam arrepios por todo o corpo do espectador. Raiva, ódio, pena, paixão, loucura, ilusão, desespero, são sentimentos que afloram as personagens, que atuam tão bem, que passam esses sentimentos para os espectadores. Quando isso ocorre, podemos afirmar que o mérito não foi somente para as intérpretes, mas o roteiro, a direção, tudo influencia para uma cena de várias grandezas como esta.
O elenco todo é excelente. Lógico que o mérito fica em todo em volta das protagonistas mas seria injustiça excluir as boas interpretações de Bill Nighy, que interpreta Richard Hart, marido de Sheba e de Andrew Simpson. Ao primeiro, ele entra em destaque em cenas de emoção e quando entra em crise de raiva, ele é simplismente estupendo. Quanto ao segundo, já é dificil ter 17 anos (na época) e ter que contracenar com atrizes do gabarito de Judi Dench e mais "intimamente" com Cate Blanchett, com quem teve que ter cenas um pouco mais íntimas do que o normal, para falar a verdade, não foram exatamente cenas de sexo, somente algumas nuances do ato sexual, mas já é muito, talvez até mais difícil do que o próprio sexo e ter que repetir algumas vezes.
Outro ponto que engrandece a história é a estupenda trilha sonora de Philip Glass que pontua os momentos mais tranquilos até os mais avalassadores, desde os primórdios de amizade e compaixão até as reviravoltas para o ódio e a traição. A trilha é sem dúvida, a mais bem composta de 2006, a mais bem conduzida e a mais brilhantemente elaborada e pensada. Uma verdadeira obra-de-arte para os ouvidos d eum espectador atento.
É interessante reparar na produção de arte de 'Notas sobre um Escândalo'. Apesar de acontecer nos dias atuais, ela é perfeita em cada detalhe. A direção de arte, simples mas bastante conservadora, a maquiagem de Judi Dench realça os seus os traços infelizes (adquiridos somente para sua interpretação), o seu cabelo largado, o rosto de Cate Blanchett debaixo de várias camadas de batom e lápis de olho, que lhe garantiram uma aparência ameaçadora em um momento de raiva de Sheba Hart e a belíssima e nebulosa fotografia de Chris Menges, utilizando do belíssimo cenário de Londres para criar frias manhãs de inverno e cinzentos e nublados finais de tarde, marcando com a iluminação o grau de suspense, de acordo com o andar da narrativa, enfim, pontuando e acompanhando a trilha sonora com jogo de luzes e golpes de escuridão cada momento de profunda tensão.
Vale a pena anotar que o diário, onde essas "notas sobre um escândalo" são escritas é apenas um coadjuvante para explicar toda a reviravolta de comportamentos entre Sheba e Barbara. Apesar de ser completamente dispensável para a história em si, talvez se ele não existesse a lógica de toda a história não teria graça e com certeza o filme não teria todo o mérito que mereceria, que merece.
Notas sobre um Escândalo é um filme admirável e que mexe com nossos nervos. Não prega sustos, mas consegue nos manter tensos graças ao comportamento das personagens e da maneira ágil com que Eyre comanda a história. O filme já é rápido como um todo, apenas 92 minutos de duração e por isso assisti-lo não é fárduo algum. Fica a sensação de que se ampliasse a duração do filme, ele melhoraria, mas como diz o velho ditado: "Se melhorar, estraga." Por isso foi de uma inteligência impagável que Patrick Marber resolveu escrever um roteiro tão enxuto, sem enrolação, cortando partes consideradas importantes para a obra literária, mas facilmente descartadas em uma produção cinematográfica.
"Notes on a Scandal", além de uma excelente adaptação, embora nem tão fiel, é uma mistura homogênea de suspense, drama pesado e temas, que são motivos de escândalos ou preconceitos. Muito bem dirigido e escrito, e mais do que tudo, com um elenco soberbo, Notas sobre um Escândalo é um filme grande, sem mais palavras, grande.
"It takes courage to recognize the real as opposed to the convenient."
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