Esbanjando beleza técnica, Nine peca no seu principal aspecto. Não ter músicas boas é o pior defeito que um musical pode ter.
Uma palavra que defina 'Nine': frustração. Sim, o último trabalho do diretor Rob Marshall é frustrante. Uma experiência bem aquém de sua capacidade, principalmente quando comparamos com Chicago, seu filme de estreia e um dos melhores musicais da década passada. Lá, os números são vibrantes. As músicas, criativas e divertidas. As atuações não poderiam ser melhores e a condução do roteiro por parte de Marshall saiu exatamente como deveria. 'Nine', por outro lado, tem nada disso. Os números musicais são feitos praticamente todos em um mesmo cenário e falta criatividade. As músicas são fracas e nem um pouco contagiantes. O elenco, repleto de estrelas, chega a um nível que parece ser composto de atores amadores. A história, refilmagem da obra de Federico Fellini, Oito e Meio, abre espaço para diversas frases de efeito que não funcionam e possibilita cenas risíveis, de tão mal dirigidas.
'Nine' conta como Guido Contini, um cineasta famoso pelos sucessos do início da carreira, passa por uma crise que não lhe permite ter novas ideias para o próximo filme. A fim de encontrar um tema que lhe satisfaça, ele se lembra da infância e de todas as mulheres que marcaram a sua vida. Desde a esposa, a amante, a repórter americana, a figurinista, a prostituta, a sua atriz favorita até a mãe. Todas tiveram relevância única na vida de Guido e é isso que o roteiro de 'Nine' propõe: uma viagem pelos desejos e pelas aflições deste "criador de mundos".
Depois de tantas críticas negativas que acabaram com as expectativas do público, era de se esperar que o resultado final de 'Nine' não saísse tão bom. Por ser um musical extremamente técnico e formado de atores do mais alto escalão, vou dissertar um pouco a fundo sobre cada um dos seus aspectos.
Daniel Day-Lewis
Ator já consagrado, vencedor de dois Oscars, "muso" do cinema inglês. Day-Lewis não precisa provar o seu talento para ninguém, uma vez que todos já se surpreenderam com a força de atuação desse que é um dos melhores atores em atividade. Como Guido Contini, ele não só entrega uma atuação irregular como também consegue constranger em alguns momentos. O cineasta que Day-Lewis interpreta não consegue impôr a sua personalidade e sofrimento ao espectador, mantendo-o distante de suas aflições. Contini chega a ser taxado de estúpido e prepotente, deixando a sua imagem impossível de ser relacionada a de um diretor de cinema com o renome que lhe foi dado. Daniel parece um tanto desconfortável no papel de Guido, e seu sotaque italiano pouco convence.
Marion Cotillard
Possivelmente a melhor do elenco, a atriz francesa se tornou uma das personalidades mais requisitadas do cinema. Depois de explodir com a magnífica personificação de Edith Piaf em "La Vie en Rose", papel que lhe rendeu o Oscar em 2008, Cotillard participou de importantes trabalhos dirigidos por diretores de relevância. Ela esteve em cartaz recentemente com Inimigos Públicos, de Michael Mann, uma das principais estreias de 2009. Neste ano, estará também no filme A Origem, o misterioso trabalho de Christopher Nolan. Em 'Nine', Marion interpreta Luisa Contini, celebridade européia que abriu mão da carreira para ser a esposa dedicada de Guido. Mesmo com o amor que ainda sustenta o casamento dos dois, Luisa não suporta mais as traições do marido e Cotillard, com força de atuação singular, faz de seus dois números musicais (mesmo com músicas de baixa qualidade), interessantes somente por estar na tela. Talvez seja a única do elenco que mereça tantos elogios.
Penélope Cruz
Oscarizada em 2009 pelo papel de ex-mulher insana em Vicky Cristina Barcelona, Penélope Cruz se mostra a melhor atriz da Espanha recente. Ainda que sua personagem seja uma das mais clichês e desinteressantes do filme, Cruz encarna Carla Albanese com sensualidade e comicidade, apesar desta ser uma personagem tão inconveniente quanto a Maria Elena do filme de Woody Allen. A atriz espanhola, no entanto, participa de um único número musical, que com certeza, vai levar muitos homens ao delírio. Mas é só isso que ela foi capaz de fazer. Carla é uma personagem extremamente secundária e serve somente como a amante sofrida, apaixonada e suicida do protagonista.
Nicole Kidman
A atriz estadunidense interpreta Claudia Jenssen, a musa do cinema na década de 60. Linda e sexy, Kidman decepciona mais uma vez. Depois de Moulin Rouge - Amor em Vermelho, que por sinal é um musical bem mais eficiente que este aqui, e As Horas, a intérprete vencedora do Oscar nunca mais acertou. Sua atuação em 'Nine' limita-se a um par de cenas e um número musical, o único gravado em cenário externo. Claudia Jenssen é superficial, desinteressante e pessimamente intepretada por Kidman. Uma parcela da culpa é de Marshall, mas o fato é que a atriz nunca mais atuou de forma convincente e não foi em 'Nine' que a minha opinião mudou.
Judi Dench
Chega a ser revoltante ver uma atriz com o talento imenso de Judi Dench ser colocada quase que totalmente de lado no musical. Ela, como todos no filme, tem seu momento de mostrar como a mixagem de 'Nine' é ruim. Seu número musical é chato e a música, uma das piores do filme. "Folies Bergère" é a regravação do sucesso musical do início do século passado, mas o resultado final ficou constrangedor. Dench, que apesar de não estar mal, deve ter se arrependido até o último fio de cabelo por aceitar um papel tão aquém aquilo que a atriz é capaz de proporcionar. Ela interpreta Lili, a figurinista e uma espécie de segunda mãe de Guido. Ela aconselha, passa a mão na cabeça e tenta dar sugestões à mente vazia do cineasta. Uma personagem que não merece o talento da atriz inglesa, vencedora do Oscar e tantas vezes indicada.
Kate Hudson
Só não é pior que Sophia Loren. A atriz aparece em três cenas, sendo uma delas o número "Cinema Italiano", de música fraca mas coreografia vibrante. Hudon interpreta a repórter Stephanie Necrophuros com exímia incompetência, sem qualquer carisma ou sinal de exatidão. Completamente irrelevante ao filme, a coisa é tão grave que é dela o número com a única música interessante composta pro filme, "Cinema Italiano", que deve receber a indicação ao Oscar nos próximos dias. No entanto, Hudson não demonstra nada além da sua beleza.
Stacy Ferguson
A "atriz" que faz sucesso ao redor do mundo como a Fergie, do grupo The Black Eyed Peas, faz uma aparição rápida e marcante em 'Nine'. Não tem como avalia-la como intérprete, uma vez que a única cena em que ela abre a boca é no seu número musical. Aliás, o melhor do filme. O que não quer dizer muita coisa porque "Be Italian" nem feita pro filme foi, sendo gravada há algumas décadas para o musical da Broadway. Sendo assim, Fergie merece destaque porque participa do número mais saudável desse musical fatídico.
Sophia Loren
Me recuso a dissertar pouco mais de poucas linhas sobre a atuação tenebrosa da única atriz italiana do filme (por incrível que pareça). A "Mamma" (valha-me Deus) poderia ter sido facilmente excluída do filme, o que nos pouparia da cena mais constrangedora do musical. Loren, que também já levou um Oscar, entrega uma atuação tão plastificada quanto a sua cara.
Enfim, não vou mais me ater aos outros detalhes mais específicos. Rob Marshall, obviamente, dirige com incompetência e algumas cenas são de um mal gosto impressionante. Não chega aos pés do trabalho exercido por ele em 'Chicago', infelizmente.
Mas se tem uma coisa que merece todos os elogios do mundo, é a fotografia de Dion Beebe. Simplesmente linda, as luzes, o preto e o branco e as cores vivas ressaltam a Itália dos anos 60 e os cenários perfeitamente projetados por Peter Findley, Phil Harvey e Simon Lamont. Um trabalho que merece destaque a todo o momento, sem dúvidas. Assim como os figurinos, muito bonitos e que valorizam os personagens.
De resto, Nine é só conversa. Não faz jus ao elenco que tem e Marshall se mostra um diretor de um filme só. Este musical é um dos mais ineficazes que eu já, com músicas fracas e números musicais completamente sem sal. Um verdadeiro desperdício, infelizmente.
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