Os Coen apresentam ao público mais um personagem marcante. Em "A Serious Man", o espectador vê Larry Gopnik tentar se tornar um homem sério.
Não há titulo melhor que traduza o novo filme dos Coen que não seja Um Homem Sério. Trata-se de mais uma comédia de humor negro que os irmãos-diretores , os mais conhecidos do cinema recente, lançam nas telonas de todo o mundo. Com a sutileza usual de misturar humor com drama, os Coen comandam e roteirizam a história de Larry Gopnik, judeu, que é um homem como outro qualquer, mas que no fundo tenta a encarar a vida com outros olhos, o que ele intitula "se tornar um homem sério". Ele, aparentemente, é um homem sério. Ou pelo menos leva a sua vida com seriedade. Professor de Física, ele tem como ofício preencher a lousa das salas de aula que leciona com inúmeros raciocínios e fórmulas dessa ciência exata. Ele tem um aluno, sul coreano, que após ser reprovado, tenta conseguir uma segunda chance de obtever a nota que precisa, alegando que não foi justo o resultado tirado no teste intermediário, que é como chamam uma das provas mais importantes da vida de um estudante. Entretanto, a impertinência do aluno, que pode ser analisada mais de perto ao conferir o filme, é o menor de seus problemas. Se é que podemos chamar esse pequeno atrito de problema. Larry enfrenta outras situações que podem colocar em risco não só a sua carreira profissional como também a sua relação com a família. Além de receber cartas que comprometem a sua capacidade como professor, Gopnik está em uma difícil situação financeira, cujos gastos descontrolados só tendem a piorar com a família que tem. Apesar de ser casado e ter dois filhos, Larry está prester a assinar o divórcio, ou "guett", como é conhecido o ritual que desvencilha o casal para que eles possam se reunir com outras pessoas na fé. No caso, sua esposa Judith está tendo um affair com Sy Ableman, um colega de Larry. Além disso, seu filho mais novo Danny está prestes a celebrar o bar mitzvah, uma cerimônia judia onde ele será integrado como membro maduro da comunidade judia. Danny, no entanto, sofre de problemas comportamentais e fuma maconha. Sarah, a filha mais velha, rouba dinheiro da carteira do pai para fazer uma cirurgia plástica no nariz. E como se tudo isso não bastasse, o irmão de Larry, Arthur, está hospedado em sua casa enquanto não encontra um lugar para morar. O problema, na verdade, não reside ai. Arthur sofre de cisto sebáceo, um caroço pequeno e móvel que se forma debaixo da pele. Assim, a única maneira de tratá-lo é drenando-o todos os dias, o que o mantém horas dentro do banheiro, para o desespero de Sarah, que precisa urgentemente lavar o cabelo.
Com todos esses problemas envolvendo Larry e os dois principais polos de sua vida, os Coen nos faz pensar: como é possível alguém encarar a vida com seriedade em frente a tantos obstáculos da felicidade? Como nós, meros espectadores, agiríamos em frente a uma situação tão adversa e desesperadora como essa que Larry vive? Para isso, voltemos ao início do filme, quando o roteiro nos leva até um vilarejo russo décadas antes da história do homem sério ser narrada.
A princípio, a trama do casal russo que vive em uma cabana no meio da neve siberiana parece não ter ligação alguma com o que o filme pretende abordar. Não se trata apenas de mais uma citação clássica que os Coen despejam no espectador, sem nem ao menos dar-lhe explicações, ainda que estas mal sejam exigidas. Essa breve passagem, extremamente curiosa, trata exatamente da situação na qual Larry se encontra. Mas não pense que é preciso ter contas para pagar, família para sustentar e emprego para manter que é o que vai fazer da vida de um indivíduo um completo caos. No início do longa, a mulher e o homem que encaram o temor de frente não vivem a desordem que é a vida de Larry. A história deles conta como o marido chega em casa contando que recebeu o auxílio de um homem na rua, enquanto voltava para casa. Quando diz o nome de quem ajudara-o, sua esposa diz que não poderia ter sido, pois aquele homem já estava morto havia anos. Em face ao absurdo que ocorreu fora de sua casa, o marido comunica à mulher que convidou o homem para jantar, a fim de agradecer-lhe pela ajuda oferecida. Quando o velho, que todos julgavam estar morto até aquele momento, bate na porta da cabana, mostrando-se agradecido pelo convite, recebe como cartão de boas vindas a fala da mulher, que confessa vê-lo como um espírito macabro que veio para atormentar a família de camponeses. Decidida a expulsa-lo de sua casa, a mulher ataca o homem, metendo-lhe uma faca na barriga. Ele, então, vai embora andando, ainda que com dificuldades diante do ferido recém provocado.
"Abençoado seja o Senhor. Bom alívio para o mal"
São as palavras pronunciadas pela mulher, que fecha a porta após esfaquear aquele que julgava ser espírito do Inferno.
Depois desse breve momento, uma citação ao Livro do Jó, conhecemos o que os Coen tem a nos oferecer sobre Larry Gopnik e aquilo que está ao seu redor. O professor de física então, passa a tentar melhorar sua vida. Depois de diversas consultas o advogado e pesadelos, ele decide pedir ajuda aos Rabbis, membros da comunidade judaica que podem aconselhá-lo a tomar decisões importantes e aceitar a vida como lhe foi designada. Durante boa parte dessas cenas, os irmãos Coen nos privilegiam com a mais requintada e clássica abordagem do humor negro misturado à carga dramática que seus personagens adquirem. O resultado é bem acima do esperado e o trabalho de direção de Ethan e Joel Coen mais uma vez convence pela maestria com que dirigem seus personagens.
E por falar neles, Larry Gopnik é talvez a figura mais marcante do cinema dos Coen depois de Lebowsky e Anton Chigurh. Interpretado com segurança e perfeição por Michael Stulhbarg, Larry é um homem angustiado, tenso e extremamente divertido. Sendo Stulhbarg o único do elenco que é realmente conhecido pelo grande público internacioal, ele é o que tem maior destaque na produção. Entretanto, os coadjuvantes não ficam muito atrás no que diz respeito às suas interpretações. Richard Kind, destaque entre os homens, combina perfeitamente com o perfil de Arthur Gopnik e tem a proeza de divertir o espectador sempre que fica horas trancado na banheiro, enquanto Sarah, interpretada por Jessica McManus, esperneia do lado de fora. E por falar nela, sua participação é pequena, porém muito boa. O mesmo pode-se dizer de Sari Lennick, intérprete de Judith e Fred Melamed, que faz Sy Ableman.
Como roteiristas, os Coen imprimem a sua característica ao compôr cenas da mais inspirada comédia dramática regada ao humor negro. Muitas cenas são absolutamente divertidas e curiosas, como a do bar mitzvah e alguns dos pesadelos de Lerry, além de outras passagens que encontram a graça no modo de se expressar dos personagens. E o final dispensa comentários. Muitos acharam inapropriado, mas acredito que seja exatamente aquilo que os diretores planejaram, ou seja, plantar a incerteza do que acontecerá em duas situações distintas.
No Oscar, Um Homem Sério concorre nas categorias de Melhor Filme e Roteiro Original, mas os Coen devem se contentar apenas com a vaga, já que não têm chances. Em suma, o novo filme dos diretores é tudo aquilo que podemos esperar deles: humor de qualidade, personagens bem desenvolvidos e situações marcantes. É um dos melhores filmes assinados pela dupla dos últimos anos, que contém aquilo que eles sabem fazer de melhor: divertir e instruir.
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