Truque de Mestre (2013) - Review
Trapaça ou entretenimento?
"O que é mágica? Trapaça concentrada. Mas trapaça feita para entreter". Dita por um dos personagens de "Truque de Mestre" (Now You See Me, 2013), esta frase resume muito bem o plano do diretor francês Louis Leterrier (Fúria de Titãs, 2010) para sua nova aventura cinematográfica, desta vez pelo território do suspense. O problema é que a balança entre trapaça e entretenimento é condenada ao desequilíbrio permanente pela falta de habilidade de Leterrier no gênero, e o resultado é um filme que recorre à agitação constante para distrair o público na esperança de esconder os graves defeitos em sua concepção.
Logo no começo somos apresentados brevemente à quatro mágicos em ascendência profissional: o ilusionista J. Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), o mentalista Merritt McKinney (Woody Harrelson), a escapista Henley Reeves (Isla Fisher) e o ágil ladrão Jack Wilder (Dave Franco). Um a um, eles recebem cartas de tarot com um endereço onde encontram um holograma detalhando truques complexos. Não sabemos quem ou porquê foram convidados, mas um ano depois os quatro já são famosos mundialmente e se apresentam sob o nome "Os Quatro Cavaleiros". Com a ajuda de seu patrocinador Arthur Tressler (Michael Caine) e de um voluntário da platéia, o grupo rouba um banco em Paris durante uma apresentação em Las Vegas. Naturalmente, o truque audacioso chama a atenção do FBI e da Interpol, que colocam os agentes Dylan Rhodes (Mark Ruffalo) e Alma Dray (Mélanie Laurent) no encalço da quadrilha. Mas como o roubo é fisicamente impossível, os agentes se vêem obrigados a unir forças com o ex-mágico Thaddeus Bradley (Morgan Freeman), que faz fortunas "caçando" ilusionistas e expondo seus segredos. Só que este roubo foi apenas o começo, e os mágicos ainda contam com muitas cartas na manga.
A idéia do filme era muito promissora, evocando a premissa de "Onze Homens e Um Segredo" (Ocean's Eleven, 2001) e prometendo elevar a execução do roubo à um nível superior de brilhantismo, valendo-se das habilidades únicas de seus protagonistas. Só que o filme de Leterrier é apenas uma fraca sombra da obra clássica de Steven Soderbergh, e consegue a proeza de desperdiçar tanto um argumento instigante quanto um elenco estelar no rodamoinho de um roteiro confuso. Assinado por Ed Solomon (culpado pelo horrendo "Super Mario Bros." de 1993), Boaz Yakin ("Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo", 2010) e pelo estreante Edward Ricourt, o roteiro abandona qualquer tentativa de abordar a história com inteligência, ignorando o leque de opções oferecido por seu próprio tema central - a mágica - em prol de um ritmo acelerado encontrado nos filmes de ação medíocres.
Os primeiros a sofrerem com isso são os personagens. O quarteto principal é apresentado ao público em uma única dose homeopática para cada, com duração apenas suficiente para estabelecer que estas são pessoas de caráter duvidoso, que utilizam o ilusionismo principalmente como meio escuso de ganhar a vida. Como não sabemos mais nada de seus passados e não há outra informação disponível senão esta, a identificação com os protagonistas é vagarosa e incompleta, fundada apenas no carisma de Woody Harrelson, o único que parece realmente estar se divertindo, e na peculiaridade de Jesse Eisenberg, que interpreta Atlas com arrogância similiar à de seu Mark Zuckerberg em "A Rede Social" (The Social Network, 2010). Os demais ficam em segundo plano, com Henley servindo apenas para esboçar um triângulo amoroso envolvendo Atlas e McKinney (que jamais é desenvolvido), e Jack sendo ignorado na maior parte do tempo por seus próprios colegas de equipe.
Considerando que o filme não investe nem mesmo na construção de uma relação de amizade e/ou companheirismo entre o grupo, e que a primeira impressão negativa destas pessoas é a que fica, é complicado nos importarmos realmente com o que acontece à eles. Mais difícil ainda é acreditar que suas verdadeiras motivações são tão nobres e altruístas tal qual Robin Hoods modernos, embutidas na crítica política incipiente do roteiro. Fica a dúvida constante entre torcer para os agentes da lei ou para os criminosos, o que não é solucionado pela dupla Mark Ruffalo e Mélanie Laurent. Ruffalo empresta ao agente Dylan Rhodes a intensidade necessária para o papel, mas parece ter saído ontem das gravações de "Os Vingadores" ( The Avengers, 2012), e ao final seu personagem não tem chances de prosperar diante de incoerências gigantescas na própria história. Na pele de Alma, Mélanie traz uma delicadeza e fé que se contrapõem diretamente à Ruffalo, mas sua relação amorosa com o agente do FBI não decola por falta de química entre os atores.
Como era de se esperar, quem brilha mesmo no elenco de apoio é a dupla Morgan Freeman e Michael Caine, que esbanjam confiança e experiência suficientes para fazerem de seus personagens unidimensionais verdadeiros imãs de atenção. É interessante a dinâmica de poder entre eles, ambos dominantes em suas áreas (dinheiro e ilusionismo), mas a partir da metade da fita o personagem de Caine simplesmente some. Aqui cabe uma pergunta: quem em sã consciência, tendo Sir Michael Caine à disposição, deixa o ator veterano de lado?
A resposta só pode ser Louis Leterrier, o culpado pela maioria dos problemas que afligem este filme. O triângulo amoroso do quarteto principal e a dinâmica abandonada de Freeman e Caine são apenas algumas das dezenas de pontas soltas na história que o cineasta não busca amarrar, e nem de longe são as mais significativas. Toda a falta de desenvolvimento básico dos personagens seria amenizada caso o longa cumprisse a promessa, feita repetidas vezes, de grandes surpresas e reviravoltas pela frente. Porém o diretor francês esquece da engenhosidade estrutural insinuada e opta pelo caminho fácil de amplificar a ação. Verdade seja dita, o filme brilha quando Leterrier retorna ao seu habitat natural cheio de adrenalina, à exemplo da cena em que Jack Wilder enfrenta sozinho dois agentes do FBI em uma sala pequena, como visto em "Cão de Briga" (Danny the Dog, 2005) e "Carga Explosiva 2" (Transporter 2, 2005). Só que estes são filmes de ação despretensiosos onde um script coerente não faz tanta falta, diferente de um suspense, que demanda um maior cuidado em sua criação.
Quando a tal "grande surpresa" é revelada, fica na boca de quem assiste um gosto amargo devido à todas as explicações implausíveis da trama, seja por conta de situações surreais, informações inúteis que ganham importância de uma hora pra outra ou comportamentos incoerentes dos personagens. Ainda assim, o pior não é considerar o filme pelo que é, mas principalmente pelo que ele poderia ter sido, e ao final só resta lamentar todo o enorme potencial jogado no lixo. Ocorre que "Truque de Mestre" frustra expectativas ao abandonar o suspense logo na metade da projeção, adotando um ritmo de ação frenética que agradará apenas àqueles dispostos a se entorpecer com adrenalina artificial e não refletir 1 minuto sequer sobre a história ilógica que acaba de assistir. Trata-se, portanto, de um verdadeiro truque de fumaça e espelhos feito pelo diretor para impedir que o público olhe para o outro lado e se dê conta dos buracos em sua obra. E isso é muito mais trapaça do que entretenimento.
O trecho que abre seu texto é justamente o que, na minha opinião, valida o filme. Aliás, nessas e em outras frases o roteirista deixa bem evidente que sua intenção era a de trapacear, no bom sentido, e eu acho que Leterrier faz isso bem.
Enfim, ainda vou escrever sobre o filme esses dias, depois disso eu leio o resto do primeiro parágrafo e o texto. rs
Discordo de tudo que está na crítica, mas respeito a opinião do Thiago. Fui ao cinema sem muita expectativa e saí super empolgado de ter assistido esse filme.
O elenco ajuda demais o filme, com destaque para o carisma de Harrelson, a arrogância de Eisenberg, a beleza de Fisher, a experiência de Freeman e Caine, o envolvimento investigativo de Ruffalo e Laurent e até gostei um pouco de Franco pela cena de ação citada.
O diretor do qual não acreditava devido ao fraco Fúria de Titãs surpreende com esse filme, pra mim, o melhore blockbuster do ano até então.
Queria morar na sua cidade André Sandes, na minha é ao contrário só tem cópias dubladas.
Você critica em praticamente todo o texto a direção do filme, mas será que esses problemas que você cita não são problemas do roteiro?
Já vi muitas criticas em cima dos diretores, mas será que é sempre a direção a responsável por falhas em um filme?
Tirando isso, eu concordo com todas as críticas que você descreveu.