Falar sobre a franquia cinematográfica de Harry Potter sempre foi de difícil imparcialidade para mim. Eu, fã convicto da obra literária de J. K. Rowling, sempre me decepcionei com os filmes do bruxinho, sempre analisados de forma rasa e não levando a essência das aflições adolescentes com uma história que sempre fora além da magia. Contudo, parece que a escolha de David Yates para assumir as últimas partes da franquia foi bastante coerente. Quando Alfonso Cuarón assumiu a direção de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, este deu vida a Hogwarts e foi o que chegou mais perto de tornar a magia do universo de Potter real para nossos olhos, todavia apenas Yates conseguiu fincar a originalidade de Rowling através de seu mediano Harry Potter e a Ordem da Fênix e de seu maravilhoso acerto em Harry Potter e o Enigma do Príncipe – ironicamente, o que mais difere do livro e ao mesmo tempo conseguia ser o melhor filme (até ser lançado o 7º). Com a estréia de Harry Potter 7.1 as expectativas dos admiradores eram grandes e este diretor presenteou os fãs com a melhor obra cinematográfica da série.
E as evoluções são nítidas: logo em seu início vemos um discurso encorajador do novo Ministro da Magia, Hermione Granger apagando as memórias de seus pais para fugir para o desconhecido sem prejudicá-los, Rony Weasley dando uma última calma observação da vista de sua casa e o Harry revisitando, sob um ar nostálgico, o “armário sob a escada” no qual viveu apertado durante 11 anos – e embora nada seja dito, é fácil imaginar que, de certa forma, ele estivesse constatando que aquela talvez não tenha sido uma época tão ruim quanto supunha, o verdadeiro caos e perigo estava a sua frente. Ali, sem nenhuma apresentação ou explicação, a fantasia infantil dos primeiros filmes é rompida pela transição do tom de urgência deste último.
Tal evolução também é vista pelas atuações do trio principal. Nunca Daniel Radcliffe esteve tão bem em seu papel, enquanto Rupert Grint finalmente tem o devido espaço para expor seu talento e Emma Watson mantém seu charme e competência. Cômico também é observar como Lord Voldemort impôs seu medo e soberania. Relembrar seus planos, que davam a impressão de não permitir que nada de grave acontecesse aos personagens é tão relevante quanto à transformação em balão de Tia Guida. O tom sombrio do filme está sempre presente, a nova ordem social colocada reflete a uma ditadura e seu ódio pelos “sangue-ruins”, assim como o meio de eliminá-los, é de comparar ao nazismo.
Guiado por longas passagens silenciosas que ilustram o cansaço e tempo perdido, a 1ª parte d’As Relíquias da Morte é também o primeiro filme da série a evitar completamente o tom episódico, sendo belissimamente eficaz em tratar a extensão da confusa jornada do trio – e reclamar da “lentidão” da narrativa é a mais pura prova de incompreensão do projeto do filme, já que esta obra preocupa-se em retratar o desgaste de seus protagonistas e sua falta de segurança.
Analisando sob o olhar técnico, a direção de arte mantém-se praticamente impecável, Alexandre Desplat compõe a melhor trilha sonora da série (arrisco em afirmar uma das melhores do ano), somos presenteados com uma bonita e inspirada fotografia e de maravilhosos efeitos especiais. Finalmente Dobby e Monstro são reais o suficiente, e exatamente através de Dobby, Yates registra o momento mais emocionante do filme ao elaborar sua tocante morte. Aliás, não se pode deixar passar em branco a linda cena projetada no meio do longa, que, enfocando uma dança de Harry e Hermione, revela-se doce e triste ao trazer dois jovens buscando desesperadamente alguma fuga momentânea de uma realidade dura demais para ser encarada continuamente. Os enfoques das câmeras também são dignos de se comentar, já que cenas como o trio sendo filmados de ângulos elevados deixa-os menores e mais vulneráveis, assim como a Umbrigde vista por ângulo baixo a coloca num pedestal assustadoramente interessante.
Por fim, sob um olhar de um apreciador do universo potteriano, não fica difícil compreender as lágrimas no desfecho do longa, esta primeira parte do capítulo final é firmemente executada por Yates, fazendo um Harry Potter maduro, como adaptação e longa-metragem, deixando-nos incrivelmente ansiosos pelo final de Harry Potter, que promete ser maravilhoso. Após nove anos, enfim, Harry Potter torna-se cinema.
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