"- I'm a hero. I was shot twice in the Tribune.
- I read where you were shot 5 times in the tabloids.
- It's not true. He didn't come anywhere near my tabloids."
A fórmula já não era nova na época: nem mesmo original: um ex-detective que volta à carga ao investigar, por puro e simples "gozo", um caso relacionado com o seu passado e as pessoas que conheceu durante a sua carreira. Mas «The Thin Man» pega nesse ponto de partida cliché para criar as suas particularidades (que a tornaram numa comédia única e, ainda hoje, aclamadíssima, oitenta anos depois do seu lançamento), e é aí mesmo onde acaba por vencer. Milhentas histórias policiais e crimes obsoletos podemos encontrar em muito filme e história literária, mas poucas conseguem ganhar o estatuto de clássico americano e, mais do que isso, um clássico do género cómico: talvez se não lhes faltasse uma dupla excepcional de protagonistas (cuja química interpretativa é fabulosa e hilariante), uma construção narrativa recheada de singulares apontamentos humorísticos, e um fox-terrier adorável, muitas dessas obras teriam resistido ao tempo, como conseguiu esta atribulada e incrível aventura de polícias e ladrões, que originou um dos mais duradouros blockbusters e (consequentemente) franchises da era clássica de Hollywood, já que este casal de detectives à moda antiga gerou diversas sequelas, e só falta o remake (que infelizmente é um projecto que está a ser mesmo pensado).
Não é por acaso, aliás, que o American Film Institute incluiu «The Thin Man» entre a sua lista das cem melhores comédias do Cinema Americano. O filme sobressai por possuir um charme muito próprio, conseguindo partir, com sucesso, para além do establishment do Cinema industrial do seu tempo. É, também, a consagração da dupla William Powell e Myrna Loy, que contracenaram em mais de uma dúzia de fitas (a primeira vez que se encontraram no ecrã foi em «Manhattan Melodrama»), e que aqui se encontram no auge: além de ser um dos casais mais engraçados da História do Cinema, os dois detectives são, também, a força maior de um filme que prima, ainda, pela beleza, coerência e timing dos seus diálogos. Porque enquanto a realização é bastante académica e básica, mas fluidamente desenvolvida, acompanhamos as trepidantes desventuras dos dois descobridores e do seu (inteligente e astuto) cão, que tem tanta piada como os donos, no meio da grande formalidade visual e construtiva em que se baseia o filme: as etapas da investigação são previsíveis, tal como os desenlaces românticos da trama. Mas é nesses momentos óbvios que surge o menos óbvio, fruto das interacções entre personagens - o que faz com que «The Thin Man» seja mesmo uma película divertidíssima.
As pequenas "obscenidades" do filme, que tentam lutar contra o apertado sistema de censura em vigor na obsessiva Hollywood de então (não deixa de ser curioso conjugar as pequenas situações irónicas e sarcásticas que envolvem o lado íntimo das personagens com a forma como as mesmas lidam com as proibições instituídas pela indústria e pelo estúdio que financiou a produção), são também uma delícia - porque «The Thin Man» é ainda uma jóia dourada da comédia e, ao mesmo tempo, um tesouro histórico sobre a sociedade americana e a sua cultura. São poucas as obras que conseguem receber ambas as distinções, porque há muitos filmes ditos "importantes" (de um modo educacional e institucional, até) que podem não dizer alguma coisa aos nossos gostos. E esta obra faz ambas as coisas: diverte-nos e aguça a nossa curiosidade sobre o Cinema daquele tempo, e as tendências que os estúdios tentavam continuar ou inverter (com novos projectos e ideias). «The Thin Man» não se trata de um caso de inovação da História do Cinema, mas é um exemplo do impacto da ilusão do ecrã na sociedade do seu tempo - e do poder gigantesco do star system na mente dos consumidores (o primeiro filme estabeleceu uma "marca de confiança" que levou a que todas as outras sequelas fossem também um enorme êxito). Se o tipo de história é vulgar, totalmente invulgar, na actualidade, é conseguir reciclar na íntegra uma destas convenções e torná-la completamente nova, como o conseguiram fazer em 1934. Hoje, os estúdios estão apenas apegados ao conceito de reutilizar e deitar fora, mesmo no que diz respeito aos símbolos do seu Cinema que são exemplos da originalidade criada a partir da não-originalidade. E só o facto de quererem refazer «The Thin Man» mostra como isto é verdade (não seria mais proveitoso pegar, como remake, na mesma convenção e criar novas situações a partir dela? - um exemplo recente de sucesso disso mesmo é a enorme diferença que existe entre a genial versão televisiva de «Fargo» com o filme original dos Coen). Mas felizmente, o original permanecerá para proporcionar mais gargalhadas e genial entretenimento a todos aqueles que assim o desejarem.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário