A junção do imponderável da animação com a hipótese de um futuro obscuro caracterizam Renaissance (idem, 2006), uma obra de efeitos deslumbrantes que encobrem uma trama de conteúdo um tanto esgarçado. Tudo se passa na Paris de 2054, que ostenta um cenário desanimador para as perspectivas do presente. A Cidade Luz, como outros locais do mundo, está sob o domínio de um governo totalitário, em que os passos de cada habitante são controlados com disposição férrea. Em meio a esse ambiente, ocorre o desaparecimento de uma importante cientista, Ilona Tasuiev, responsável por cuidar de experiências envolvendo clonagem. Para encontrá-la, é designado Barthélémy Karas, um policial casca grossa famoso por encontrar qualquer pessoa.
Essa breve descrição da sinopse de Renaissance permite notar que a animação dialoga diretamente com vários exemplares da ficção científica e do noir. Qualquer semelhança com títulos com Alphaville (idem, 1965), lendário filme de Jean-Luc Godard, não é mero acaso. Talvez essa seja a referência mais clara usada por Christian Volckman, cineasta da animação, por conta dos elementos já citados, mas também pela opção de empregar o preto e branco e permear a narrativa de personagens dúbios, a começar pelos protagonistas, que não se revelam um poço de virtudes. Aliado à fotografia à moda antiga, ele se vale da técnica da rotoscopia, que apresenta as imagens com um aspecto um tanto distorcido, resultando em uma atmosfera totalmente estilizada. Desse modo, o espectador fica diante de um recorte todo particular do futuro, que, como tal, ninguém sabe ainda se chegará.
Um outro dado relativo à sinopse da animação contribui para que ela seja intertextual com tantos outros filmes sobre o futuro: ao iniciar as investigações para descobrir o paradeiro de Ilona, Barthélémy depara com uma companhia chamada Avalon, que esconde segredos perigosos que acabam por envolver o policial. No fundo, Renaissance oferece mais do mesmo, sem uma preocupação em renovar o gênero ao qual se filia, privilegiando os clichês. Trata-se apenas de uma releitura de alguns clássicos. Em outras palavras, a intenção é boa, mas o resultado fica aquém das expectativas. A trama parece um tanto perdida lá pelos primeiros quarenta minutos, o que causa uma certa diluição no interrese. Volckman aposta em uma Paris estroboscópica, com luzes faiscantes que fascinam e atordoam. Esse visual estupendo compensa o estofamento dramático rarefeito, amplificado por trazer personagens de expressão visual pobre.
O filme acabou premiado no Festival de Annecy, na França, um evento voltado justamente para as animações. Certamente, o que pesou na decisão do júri foi a arquitetura visual ímpar, coroando uma busca do realizador por uma estética própria. A brincadeira custou 15 milhões de euros, e resultou em uma obra em que pipocam citações, os grandes achados do enredo. O futuro desolador faz referência a Código 46 (Code 46, 2003) e Filhos da esperança (Children of men, 2006), ao passo que a presença do totalitarismo remete ao superclássico 2001 – Uma odisseia no espaço (2001 – A space odissey, 1968). São filmes de intenções e estirpes diversas que comprovam o grande interesse do homem por tentar interpretar a realidade presente e imaginar o seu transcorrer para além dos anos. De tempos em tempos, o cinema nos oferece essas tentativas, e Renaissance vem se somar a elas com relativo sucesso.
Por essas e outras, a animação é voltada para adultos, que saberão tirar algum proveito da sessão. Existe algum espaço para o questionamento de atitudes tomadas pelos personagens, que, muitas vezes, demonstram que o fim pode justificar os meios. Barthélémy, por exemplo, nem sempre segue a ética que lhe deveria caber, assim como Ilona não é um poço de inocência que se tornou vítima injustamente. Apesar disso, o roteiro do filme, escrito a três mãos, tem traços de um esquematismo decepcionante, que lhe desabona em certa medida. Vários outros filmes já trataram melhor do tema, até mesmo alguns que não versam exatamente sobre um futuro próximo, como o desenfreado Sin city – A cidade do pecado (Sin city, 2005). Em termos de visual, porém, Renaissance é quase imbatível, merecendo, por isso, ser visto com algum interesse.
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