O cinema independente é característico por baixo orçamento e uma exibição mais corajosa da realidade exposta no cinema comercial, principalmente hollywoodiano. Ainda que, nos dias de hoje, a primeira característica esteja perdendo força, a segunda ainda é constantemente explorada nos filmes independentes, o que os torna uma categoria “à parte” de todas as outras. E em 2010, um representante do bom, mas ainda deixado à margem pelos principais prêmios da sétima arte, cinema independente, conseguiu uma indicação ao inchado Oscar. “Inverno da Alma” (Winter’s Bone) é um filme franco, forte, mas que peca nos detalhes.
Ree Dolly (Jennifer Lawrence) é uma garota de 17 anos totalmente fora do estereótipo americano. Ela cuida de seus dois irmãos e de sua mãe doente como se fosse a própria “chefe de família”. Sua vontade e perseverança diante de uma realidade difícil (tanto financeira quanto em relação ao lugar onde vive, afastado de tudo) mostra sua maturidade ao longo da projeção, conferindo à personagem uma força que, costumeiramente, não é atribuída a atores/atrizes tão jovens. Seu pai, que não aparece em casa há um bom tempo, coloca a casa como garantia a problemas na justiça. Então, Ree recebe a visita de um policial que a avisa de que a casa será tomada; e que a única solução seria que seu pai se entregasse às autoridades, ou que ela provasse que ele estava morto. Começa, então, uma busca desesperada e agonizante da adolescente por seu pai, em uma jornada perigosa e reveladora.
O título em português, “Inverno da Alma”, confere ao longa uma força muito maior que o “Winter’s Bone” do título em inglês (que é, também, um spoiler de um dos principais acontecimentos do filme). “Inverno da Alma” vai além dos dramas/suspenses envolvendo busca que vemos sendo lançados todos os meses nas salas de cinema. A imprevisibilidade dá o tom da trama, que nos deixa sempre um passo atrás de Ree, que sabe muito mais do que acontece do que aparenta para o espectador. E isso torna o diálogo protagonista-espectador muito interessante, pois acompanhamos junto com ela o desvendar da história, nos sentimos parte da busca pelo pai, e criamos uma sincera empatia pela personagem. Ree mostra-nos que, mesmo em situações adversas (até aparentemente impossíveis), devemos continuar trilhando nosso caminho em busca de nosso objetivo, o que é um dos pontos mais fortes do filme. Além das soberbas atuações.
A jovem atriz Jennifer Lawrence, com 19 anos à época das filmagens, estava fazendo apenas seu segundo filme. Mas parecia uma veterana em ação. Tudo, desde suas expressões faciais aos tons de voz, estava perfeitamente encaixado com a proposta para a personagem. Ela faz com que realmente nos envolvamos fortemente com o longa, trazendo um pouco de “calor” ao inverno do título (e da projeção também, como falarei mais abaixo). Sua atuação é, sim, digna de indicação ao Oscar, apesar de ter me surpreendido particularmente. O ator mais conhecido do filme, tendo feito inúmeros trabalhos (como Miami Vice) antes de “Inverno da Alma”, é o ótimo John Hawkes. Interpretando Teardrop, tio de Ree, Hawkes consegue ter uma atuação ainda melhor que Jennifer Lawrence, roubando a cena para si em todos os momentos. Teardrop é um personagem característico desse tipo de filme: é o marginal de aspecto sujo que se contrapõe a nossa “heroína”, recusando-se a participar das buscas pelo pai da adolescente. Mas, com o passar do tempo, Teardrop é humanizado, o que mostra que a família ainda é uma instituição importante para o estranho homem.
“Inverno da Alma” é um filme de ritmo lento (o que, de fato, desagrada a maioria do público que espera uma busca frenética e cheia de ação), que foca na dor. E, por isso, houve um estranhamento geral da crítica em virtude de sua frieza. A força do filme, bem como de sua protagonista, traz o espectador para junto da trama, envolve-o, mas raramente o emociona. Embora a boa diretora Debra Granik, também dando seus primeiros passos na profissão, foque sempre sua câmera nos rostos sofridos dos habitantes do distante povoado, ela derrapa feio na transferência de emoção verdadeira para a tela. Percebemos o sofrimento do povo, vemos a força que isso traz ao filme, mas de algum modo nos sentimos distantes de sua realidade.
Ao final da projeção de “Inverno da Alma”, sentimos uma sensação de que o filme poderia ter ido além. Talvez com uma maior aproximação com o público não só por parte da protagonista, talvez com uma maior emoção passada pela direção e pelo roteiro. Percebe-se a vontade de todos de fazer o filme funcionar, percebe-se que aqueles atores desconhecidos da esmagadora maioria do público estão ali dando seu sangue, seu máximo. Entretanto, ao vermos o desenvolvimento da narrativa e dos personagens, terminamos com uma ponta de decepção, pois se perdeu uma grande chance de fazer uma obra-prima. Obra-prima não; bom filme, sim.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário