É pertinente afirmar que "SPECTRE" é o filme mais 007 da era Daniel Craig. Se isso é bom ou ruim, varia de pessoa pra pessoa. Para os fãs do James Bond mais antigo (o das aventuras mentirosas, descontraídas e que se preocupa mais com a ação do que com o roteiro), '007 Contra Spectre' é um prato farto, ainda mais levando em conta as inúmeras e bacanas referências dos episódios mais clássicos do agente secreto britânico. Todavia para os apreciadores da trilogia, iniciada em 'Cassino Royale' e concluída em 'Skyfall', este filme pode soar um tanto frustrante.
Há de se admirar a coragem dos produtores em voltar à forma clássica, ainda mais com o sucesso estrondoso do filme anterior e a consequente expectativa que o mesmo geraria para o filme seguinte. Não deve ter sido, nem de perto, uma escolha fácil de ser tomada.
E quando, anteriormente, afirmei que o filme pode ser frustrante para os admiradores da, até então, nova fase de 007, não quis me referir que ele seja fraco. Mesmo com as polêmicas decisões da produção, felizmente o longa possui mais méritos do que deméritos. Daniel Craig, em sua quarta aventura na pele de Bond, nos entrega uma interpretação sólida, embora o personagem tenha aqui uma característica menos humanizada em comparação aos filmes anteriores. Aquele Bond que sangra e que perde o controle da situação por diversas vezes foi deixado para trás. Aqui 007 leva uma surra do brutamontes Mr Hinx (Dave Bautista) e sai sem perder sequer uma gota de sangue. Tomando cuidado para não fazer o espião voltar a ser surreal e totalmente frio, como fora na maioria dos filmes antecedentes à Era Craig, o roteiro aborda temas mais pessoalistas de Bond, de seu passado aos estresses emocionais mais recentes (como as mortes de sua amada Vesper Lynd e da chefe M) e até mesmo rodando uma das cenas em sua bagunçada residência.
Voltando a comandar as filmagens, o diretor Sam Mendes volta a fazer um trabalho muito bom. Por mais que o roteiro, dessa vez, não ajude tanto quanto em 'Skyfall', o inglês mantém o desenvolvimento da trama em um ritmo bem interessante, ainda que o meio do filme passe perto de causar certo aborrecimento. Por sinal, a entrada e a conclusão do filme são ótimas. Uns 20 minutos a menos, neste que é o filme mais longo da franquia, cairia muito bem. Todas as cenas de ação de 'SPECTRE' são muito bem feitas. Nos videolog's da produção, Mendes havia comentado que se houve uma preocupação muito grande em usar pouco a computação gráfica, o que torna essas cenas ainda mais instigantes. Nos momentos de tensão e diálogo o cineasta também não deixa a desejar, inclusive ao resgatar o senso de humor que estava um tanto ausente dos filmes anteriores. A fotografia do holandês Hoyte Van Hoytema (Ela, Interestelar) é muito bem feita, não ficando muito atrás do belíssimo trabalho de Roger Deakins em 'Skyfall'. Ainda no aspecto técnico, a trilha sonora é apenas satisfatória e canção tema de Sam Smith não faz jus as melhores da franquia.
Os pontos negativos da obra são, no geral, ligados ao roteiro. Assim como já abordado no longa anterior e algo semelhante até mesmo no recente 'Missão Impossível - Nação Secreta', o serviço de inteligência (britânico) corre risco de ser extinto. Afinal, por qual motivo continuar com espiões com permissão para matar numa era tecnológica, onde drones e vigilância virtual podem dar conta do recado? É um fundo bem interessante para a trama principal, que envolve um último pedido da 'M' (Judi Dench) antes de sua morte e que irá trazer a tona o passado de Bond, além de trazer respostas para os acontecimentos em 'Cassino Royale', 'Quantum of Solace' e 'Operação Skyfall'. Por mais que o roteiro seja mais complexo do que no filme anterior e aborde esses pontos interessantes, ele peca por ser totalmente previsível e por optar sempre pelo caminho mais fácil, assim como era a marca registrada da franquia até a chegada de Craig.
É de se lamentar que Monica Bellucci (Lucia Sciarra) tenha um papel tão descartável e curto. A atriz italiana merecia mais tempo em tela, até por conta de seu potencial. Aliás, o desfecho optado para a personagem é absurdo e irritante. É um tanto frustrante também o mal aproveitamento do excelente Christoph Watz como o vilão Franz Obserhouser. Quem conhece o ator querido de Quentin Tarantino sabe do tamanho de seu talento, que já fora premiado com Oscar. Com seu pouco tempo em tela, Watz não tem a oportunidade de desenvolver um vilão tão brilhante como foi Javier Bardem em 'Skyfall', embora propicie alguns momentos interessantes, sendo muito superior aos vilões de 'Cassino' e 'Quantum'. A bondgirl Madeleine Swann, interpretada pela francesa Léa Seydoux, não é das melhores, mas passa longe de ser uma das piores da franquia. É a típica garota que, apesar de tentar se mostrar forte, corre perigo e depende da proteção do agente garanhão. Nas atuações vale ainda destacar as participações mais ativas de Ralph Fiennes, como novo 'M', e de Ben Winshaw, como o agora novo e nerd 'Q'.
Conforme dito no início, como contém inúmeras referências da extensa história de Bond nos cinemas (inclusive de algumas obras literárias), '007 Contra Spectre' é uma bela homenagem aos fãs da franquia. Agora para quem não é fã ou se tornou um da Era Craig, o filme é apenas uma boa diversão (ou nem isso para os mais frustrados). Se "Cassino Royale" foi um importante recomeço para a série, "Quantum of Solace" apenas uma necessidade de conclusão (apressada) para o primeiro e "Operação Skyfall" começou a mesclar a nova fase de 007 com a clássica, "Spectre" ganha a forma mais clássica com algumas das características da fase recente. Para alegria de uns e tristeza de outros, tudo indica que este será o caminho das próximas aventuras do agente secreto.
Aqui tá escrito tudo que pensei quando vi o filme.
Bela crítica, Matheus. Pensei até por um momento que o bichano do Oberhauser não fosse aparecer.