Até pouco tempo atrás, confesso que nunca tinha ouvido falar em Erich von Stroheim. Um dia, resolvi uma antiga pendência e assisti a Crepúsculo dos Deuses (1950), filme excecpional de Billy Wilder, e lá está von Stroheim interpretando o mordomo de Norma Desmond (Gloria Swansom). Só então descobri quem foi esse homem tão importante para o cinema mudo. No filme de Wilder, tanto ele como Swansom são referências diretas e exemplos mais vivos do declínio das grandes estrelas da era anterior ao cinema falado. No caso de von Stroheim, essa queda veio partir de fins dos anos 1920, e se acentou nos anos 1930, período no qual ele trabalhou basicamente como ator.
A Marcha Nupcial (1928) é um dos seus últimos filmes, exatamente em um período no qual eles ultrapassavam os orçamentos previstos pelos estúdios (este passou do 1 milhão de dólares, algo astronômico para a época) e não davam o retorno esperado nas bilheterias. Mas esses fatos não dão a dimensão do grande filme que Erich von Stroheim conseguiu fazer, mesmo que possa soar um tanto datado para os padrões atuais.
O filme começa com toques de comédia. O príncipe Nickolas (ou “Nicki”, como prefere ser chamado), nobre e militar de alta patente, é um bon-vivant que flerta com as empregadas, e torra seu dinheiro jogando pôquer e com mulheres caras, algo que sua própria mãe “joga na cara” dele. Logo, ele se vê em um aperto financeiro, e seus pais sugerem uma alternativa que lhe agrada muito: casar com uma mulher rica, sem precisar mudar seu comportamento! Na busca da mulher ieal para seu objetivo, ele acaba se apaixonando por Mitzi (Fay Wray, de King Kong), a quem conhece por acaso na festa de Corpus Christi. Mas o destino torna difícil a união entre os dois. O que era, até então, um filme relativamente leve, se transforma em um poderoso drama.
O que mais chama atenção no filme, além da passagem do tom mais cômico para um tom trágico e depressivo, com bastante fluidez, são as imagens impressionantes. Ele não estourou o orçamento à toa. A cena do Corpus Christi e, principalmente, a sequência da procissão (em cores) são incríveis, tanto em termos de grandiosidade, como da capacidade de transmitir os sentimentos dos personagens. Até mesmo Schani, o antagonista da trama, obcecado por Mitzi, tem lá suas razões pela ótica de von Stroheim, embora elas o levem a medidas drásticas e violentas. Aliás, o diretor não tem medo de fazer seus personagens passarem por situações dramaticamente intensas, e o final deste filme está aí para provar. Quando vem uma cena intensa (seja uma briga, discussão, decepção, espancamento) lá vem também um close no rosto dos personagens. Mesmo a linda Fay Wray é mostrada bastante vulnerável, e o príncipe “Nicki”, tão cheio de si, é capaz de chorar quando se vê forçado a tomar uma decisão contrária a seus desejos.
E a grande sacada, a maior de todas, talvez seja o uso da marcha nupcial, que todos conhecemos hoje em dia por ser utilizado em um momento de felicidade como o casamento. Von Strohiem usa ela com várias adaptações em situações que nunca imaginaríamos ser possível escutá-la. É um estranhamento incrível o que esse uso acaba causando, quando, por exemplo, escutamos a marcha enquanto um homem espanca uma mulher.
É claro que, hoje em dia, o filme pode parecer um pouco datado. Mas é um grande prazer acompanhar como Erich von Stroheim arquiteta sua trama, nos surpreendendo tanto pelas mudanças repentinas no correr do filme, como pelo uso de outros elementos (destacadamente a trilha sonora), além de usar imagens belíssimas e por vezes grandiosas. Uma lástima que seus filmes tenham fracassado em bilheterias, e sendo relegados a um segundo plano na história do cinema por décadas.
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