Dá para citar, de cabeça, pelo menos duas ou três cenas de O Sexto Sentido que acabaram registradas no imaginário cinéfilo e dá para afirmar, com alguma certeza, que poucos filmes tiveram tanto impacto na cultura cinematográfica e popular das últimas décadas para cá quanto esse debut de M. Night Shyamalan nas produções de grande estúdio e talvez por isso seja difícil hoje consideravelmente falar desse filme sem se ater a tantas questões externas que invariavelmente o envolvem.
Tamanha foi influência que teve sobre o modo de se fazer suspenses sobrenaturais de lá para cá, dado o seu esquema econômico e muito preciso, e tão grande o peso que teve, para o bem ou para o mal, na carreira de seu diretor que, às vezes, fica complicado ver o filme pelo que ele é de fato, muito mais do que pelo que representa. Se frases como “I see dead people” ou o famigerado final-surpresa se tornaram referências imediatas quando se pensa em O Sexto Sentido é porque, para sustentá-las, houve uma bela junção de texto, direção e interpretações.
Mais do que a história do menino (Haley Joel Osment) que vê gente morta com frequência ininterrupta ou dos fantasmas que andam por aí como gente comum, como a certa altura o próprio garoto ensina, é sobre tentar seguir adiante, como um belo e imprevisível conto de superação fantasiado de filme de terror. Sim, porque mais intenso que os sustos e os calafrios diante das inicialmente temíveis aparições, é o fardo que os personagens carregam por causa da perda (seja ela a perda de um paciente, de um marido, de um pai, enfim), de modo que os fantasmas enquanto assombrações se tornam pequenos diante dos fantasmas metafóricos, os pesos do passado, que causam a falha da comunicação, a quebra das relações, a solidão.
Vem daí a necessidade dos personagens de serem aceitos de alguma maneira, de se entrosarem entre si e com os outros, por mais problemáticas e alquebradas que essas interações sejam, porque o medo de ficar sozinho e de conviver com os próprios fantasmas é pior que tudo. Nasce, então, uma espécie de jornada de superação, de aceitação e de redenção traçada pelos três personagens principais, o menino, a mãe (Toni Collette) e o psicólogo (Bruce Willis), que, sem saber, vão se ajudando mutuamente ao quebrarem, aos poucos, essa barreira da incomunicabilidade - tudo muito gradativamente, porque por mais fácil que pareça, falar e ouvir não são habilidades tão simples para pessoas tão atormentadas quanto essas.
De todos os temas que circundam O Sexto Sentido, acaba sendo, então, a necessidade da comunicação o mais intenso deles, não por acaso os personagens tentam superar ao decorrer da história essa interação que, em algum momento, falhou e, com isso, fraturou a confiança e a espontaneidade que existiam. Os fantasmas aparecem, desse modo, como representações simbólicas das coisas que poderiam e deveriam ser ditas, mas não foram, e por isso permanecem ecoando, vagando, assombrando. Falar/comunicar/expressar, como a lição de moral dessa história, acaba sendo, portanto, o mais simples e eficiente dos exorcismos.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário