Se na literatura Edgar Allan Poe sabia transformar o medo e o horror em passagens poéticas e estrofes líricas, no cinema este dom é deixado nas mãos de Tim Burton, não que este seja um mestre do terror. Absolutamente. Entretanto ele consegue conciliar um universo obscuro com uma narrativa literária, como se ele carregasse para a lente de suas câmeras toda a essência das páginas de livros que adapta ou roteiros que produz. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça talvez seja o filme onde esta arquitetura poética se encontre em maior grau de evidência, pois aqui a criatividade de Burton colidiu-se magistralmente com a obra literária do horror de Washington Irving.
Desde o início de sua carreira, este foi o emblema que Tim Burton adquiriu para si, de um cineasta sombrio, que a cada obra feita destila um pouco de sua personalidade soturna, empregando a cada um de seus filmes (do menor ao maior) virtudes distintas das produções hollywoodianas corriqueiras. Gostando ou não, Tim Burton ao longo dos anos tornou-se um dos diretores mais peculiares e autorais em atividade, contando com uma fama internacional invejável. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça é uma de suas obras mais conhecidas e apreciadas, preenchida por uma trama excêntrica e macabra, e por uma estética lindíssima.
Próximo a passagem dos séculos (XVIII - XIX), o excêntrico detetive Ichabod Crane é enviado a Sleepy Hollow, um vilarejo agora dominado pelo medo em decorrência das mortes (por decapitação) que lá andam acontecendo. Alguns habitantes do local apresentam a ele a lenda local, que conta a história de um cavaleiro sem cabeça que volta do inferno para castigar o lugar; dominado por sua crença na ciência e na razão, o detetive resolve provar a todo custo que o temido cavaleiro é na verdade algum morador do local.
Através de uma atmosfera sobrenatural, situada em cenários e paisagens góticas, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça desenvolve sua obscura trama, remetendo-nos ao sombrio vilarejo e nos deixando a mercê de sua densa estória. Elementos ocultos como magia negra, bruxaria são adotados para dar a trama uma climatização de maior horror e mistério, instigando nossos instintos a cada fração de segundo e nos presenteando com um filme de terror autêntico, honesto a seu conto literário e bem vindo ao todos os públicos.
Tim Burton efetua um (mais um) filme marcante em sua carreira, dotado de elementos que serviram para agregar todos os poucos e proporcionar doses de horror ainda validadas, e ainda, durante seu percurso, conter resquícios consideráveis de humor negro (elemento que viria a se repetir em Sweeney Todd). Algo a se considerar aqui é sua primorosa estética, que nos transporta ao universo macabro de Sleepy Hollow, passando por sua cenografia belissimamente arrepiante a seu departamento técnico puramente gótico. Esta é outra característica elementar nos trabalhos de Burton, prezar sempre a beleza das imagens e provocar um deleite aos olhos de qualquer espectador.
Por fim, temos uma produção consistente e visualmente arrebatadora. Dotada de grandes atuações, uma direção esplêndida e um conto de horror delicioso de se acompanhar. Estas são apenas algumas das inúmeras razões pela qual este torna-se um entretenimento de qualidade a qualquer espectador, seja este, amante ou não do cinema. Com uma matéria prima correta e uma bela cenografia, Tim Burton prova (novamente) que não se necessita de muito no cinema para se realizar um espetáculo.
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