Enquanto algumas obras apelam para sentimentalismos baratos e doses ordinárias de cenas qual a intenção é atingir o emocional coletivo, o exemplar francês tece uma perspectiva única dos últimos dias da vida de um esquerdopata de má índole que ainda não está preparado para partir.
Vencedor do prêmio de melhor roteiro e atriz em Cannes, o filme explora a relação do protagonista com os mais variados gêneros de pessoas, desde amigos de infância, família e amantes, até ex-alunos e enfermeiras do hospital, transitando memórias feitas no agora e ricas lembranças de tempos que não voltam. O destaque da obra se dá no elo que liga o passado do personagem principal com as consequências e ultimatos que ponderam seu determinante momento, como a relação com o filho, sempre fria, distante e calculada, explícita na fita como fruto das traições, separações e desvios de conduta no casamento. Não obstante o que está a olhos nus, o que de fato torna a ideia que envolve As Invasões Bárbaras tão interessante é o descaso com a moral que entorna as relações interpessoais do futuro defunto, que desde a primeira aparição demonstra um enorme prazer pela vida e suas sinuosidades, possibilidades e infinitas vias de mão por onde sim podemos tomar mais de uma decisão e nada é absoluto ou concreto o suficiente a ponto de definir caminhos sem volta.
Há também um diálogo sobre tempos escuros para o conservadorismo, tradicionalismo e todos esses “ismos” que designam a carência do mundo em compartilhar aquilo que deveria ser de todos e não apenas de alguns. Tomando como base o atentado de 11 de setembro, o roteiro é repleto de metáforas e representações, onde os Estados Unidos já não transmitem aquela imagem de simulacro exemplar, a famosa contracultura passa a invadir cada pequeno espaço necessitado de reformas e o mundo se tornou o palco de quem pode. A plateia de amigos com cunho filosófico, artístico e científico exposta no filme como superior a classe operária, pode-se dizer que está a assistir a uma bonita peça de teatro sobre a finitude da vida, mas somos nós, espectadores, produtos do meio e artesãos do dia a dia que vemos a realidade como ela é, nua e crua, de total dependência do dinheiro e da resignação de quem tem para quem precisa. É tanta crítica transvestida de exaltação que moral alguma se faz valer para a obra em questão.
Mais que um filme sobre um pai, esposo e amigo, é um filme sobre um tempo que todos nós um dia vamos viver, que hora ou outra, num piscar de olhos, estaremos lá. Mas enquanto não e seguindo a idealização de vida do nosso protagonista, continuemos aqui a procura de mais uma porção de felicidade e memórias incríveis.
Sério que você chamou o protagonista de esquerdopata?
Sim amigo, os diálogos e a forma de pensar do mesmo à respeito da vida, trabalho e pensamento dos filhos imprime essa noção para quem tem uma base na política. E dizer que Rémy é de uma boa índole seria no mínimo um descaso com a ideia central do filme.
Não disse que o Rémy é de boa índole. Mas a palavra "esquerdopata" é de cunho preconceituoso, de sua parte, e que não condiz com a ideia do filme de ser contra esses moralismos tolos.
Olhando por esse lado você tem razão. O filme é contra esses moralismos, essas designações e etc, no entanto seus personagens são sim cheios de julgamentos e ora ou outra isso é demonstrado na tela como algo da nossa natureza, incrustado desde os meandros da vida em sociedade. "Esquerdopata" é apenas mais uma impressão de um ponto de vista acerca de um personagem fictício, criado para observação, análise e reflexão. Histórias como essa tem a função de expandir nosso universo particular e olhar crítico, e o que seriam de ambos caso eu me prendesse a esteriótipos e não explicitasse "o conceito" que me levou a criar o texto? Como exemplifiquei nos parágrafos derradeiros do comentário em questão, moral alguma se faz valer enquanto formos todos tão sucintos a cometer erros, porque afinal, só de estarmos vivendo e no meio de tamanha dissemelhança já somos a designação errônea de alguém com o estilo de vida disforme do nosso.