Vez por outra, somos surpreendidos pelo lançamento de filmes notáveis, que nunca cairão no esquecimento. Aqueles filmes que, com uma idéia simples e bem desenvolvida, toca nosso coração e nossa mente a ponto de fazer-nos pensar durante horas, até dias, sobre o que vimos na tela. Em 2008, alguns filmes tiveram esse poder, como é o caso de “O Nevoeiro”, “Sangue Negro” e este “Wall·E” (idem, 2008). Dentre os citados, o único que não surpreende é “Sangue Negro”, pois “O Nevoeiro” é um filme de terror que aborda intensamente a psique humana, e “Wall·E” é a animação mais séria e brilhante que já vi passar pelas telas, podendo ser considerada um verdadeiro marco, já que seu público-alvo é, mais do que jamais foi visto, adulto. Não se pode dizer que o filme foi feito exclusivamente para adultos, mas a verdadeira mensagem passada é de mais fácil compreensão para os mais crescidos.
No ano 2700, a Terra não é mais habitada por humanos, que passaram a viver na nave Axiom. A Terra passou a ser um verdadeito depósito de lixo, e os homens, na esperança de ainda voltarem a viver no planeta, contratarem uma empresa limpar o mundo. Utilizando robôs, a empresa não obteve êxito, pois as máquinas, diante de uma tarefa praticamente impossível, começaram a pifar. A única que resistiu a tal trabalho foi Wall-E, cuja árdua rotina era continuar o trabalho deixado para trás pelas outras máquinas, compactando o lixo existente na Terra e formando torres imensas, que mais parecem prédios. Mas sua rotina é totalmente mudada quando uma nave pousa na Terra, e dela sai EVA, uma moderna robô projetada para encontrar qualquer sinal de vida no planeta, e levar para sua nave. No início assustado com os “poderes” de Eva, Wall-E logo se apaixona pela robô, e os dois passam a viver uma complicada relação, que é bastante atrapalhada quando Eva é levada de volta à nave de onde veio.
Apesar de, aparentemente, ser uma história de amor, o foco de ”Wall·E” não é exatamente esse, mas sim a mensagem de preservação da Terra. Mensagem cujo entendimento não é imposto para os espectadores, mas sim passado de forma simples e bastante inteligível, até para crianças. As cenas de Wall-E sozinho na Terra, cercado por pilhas e mais pilhas de lixo, com total ausência de vida (não total, mas isso eu deixo para você ver no filme), no mínimo, fazem as pessoas mais entendidas (leia-se mais velhas) refletirem bastante, e faz as menos entendidas desejarem que tal fato nunca aconteça com nosso planeta. A beleza visual do longa chega a ser incrível, com uma riqueza de detalhes que só ajuda o tom melancólico e sério do filme a ser potencializado. Às vezes, cheguei a visualizar o planeta Terra da maneira como foi retratada no filme, e vi que, se o homem continuar usando sua sapiência para transformar tudo em ciência, aquele é o futuro no nosso planeta azul, que está ficando cada dia com menos tons de verde e mais tons de cinza.
Além da mensagem principal que nos é passada, também devemos ressaltar a própria história do robozinho e do romance entre ele e EVA. Antes da nave aterrisar na Terra e mudar totalmente a rotina de Wall-E, vemos o robozinho em seu incansável trabalho e em seu hobby favorito: colecionar coisas que julga interessantes. Na lista de coisas que chamam a atenção de Wall-E, tem uma caixinha de anel (ele chega a tirar o anel de dentro para brincar com a caixinha), uma raquete de ping-pong com uma bolinha pendurada (o robô, claro, não faz a mínima idéia de como se brinca) um cubo mágico (que só é solucionado por EVA, em questão de segundos), e um extintor de incêndio. A curiosidade de Wall-E faz com que essas cenas em que ele encontra os objetos durante seu trabalho sejam divertidíssimas, dando ao começo do filme um brilhantismo ímpar, fazendo com que a atenção do espectador seja mantida ao longo de todos os 97 minutos de projeção. Quando EVA chega na Terra, em missão de sua nave, Wall-E ganha, a princípio, uma amiga que nunca teve, mas que, com o passar do tempo, passa a não ser exatamente apenas uma amiga. A relação de Wall-E e EVA é muito bonita, o que é reforçado pelo fato de ambos só falarem um o nome do outro. E é este um dos grandes diferenciais do longa, o fato de que os principais personagens não falam, relacionam-se apenas com gestos. Grande parte do filme é passada sem falas, apenas com os sons da movimentação dos robôs e, claro, eles falando o nome um do outro. Quando o cenário muda da inabitada Terra para a movimentada nave Axiom, a qualidade do filme dá uma leve caída, mas mantém-se em um nível poucas vezes visto.
A qualidade audiovisual de ”Wall·E” é completamente inegável e indiscutível. A cena mostrada na foto acima mostra o momento em que o casal de robôs, aproveitando a ausência da gravidade, faz uma espécie de dança no espaço. Só por ela, já dá para ter uma idéia do quão bonito e exuberante o visual do filme é visualmente. Com detalhes e clareza nunca vistos, eu me arriscaria a dizer que ”Wall·E” é o filme com melhor trabalho visual dentre as animações já criadas. O áudio é tão perfeito quanto o visual. Diante da ausência de diálogo entre os robôs, uma saída deveria ser encontrada, para que o filme não ficasse em silêncio total. Eis que surgem os sons de cada movimento de cada robô, o que soa perfeitamente realista e propício. É tão propício que os mais desatentos não percebem que não há diálogo, visto que o áudio está constantemente ativo. Se essa sacada foi acertadíssima, o que dizer das músicas? “Perfeitas” seria o adjetivo ideal, mas, como já foi usado algumas outras vezes nesta crítica, excelente é cabível. Músicas belíssimas, utilizadas nas horas certas e com os personagens certos. Tudo muito bem encaixado, não deixando margem para críticas. Os dubladores da versão em inglês (não tive a oportunidade de assistir em português) são muito bem escolhidos, principalmente o do capitão (Jeff Garlin) e de Wall-E (Ben Burtt; os sons emitidos pelo robô não seriam tão cativantes em outra voz). Por fim, temos o roteiro, simples, direto e sem furos, que dá origem a uma história magnífica, de qualidade praticamente inigualável.
Falar que ”Wall·E” é a melhor animação de 2008 é redundante e bastante óbvio, apesar do lançamento de outras boas animações no ano, como “Bolt”, “Kung Fu Panda” e “Horton e o Mundo dos Quem” (um dos maiores injustiçados nas indicações ao Oscar). Já falar que ”Wall·E” é a melhor animação já lançada nos tempos das animações em 3-D não é nenhum exagero, mas sim a retratação da mais pura realidade. Indicado ao Oscar em 6 categorias (Filme de Animação, Roteiro Original, Som, Edição de Som, Trilha Sonora e Canção Original), ”Wall·E” é um filme perfeito, considerado por mim favorito a levar, pelo menos, 3 estatuetas [Filme de Animação (a maior barbada da premiação), Roteiro Original e Trilha Sonora]. ”Wall·E” é sério candidato a ser um daqueles filmes imortais da Disney, que será lembrado para sempre e, conseqüentemente, virará um clássico dentro de alguns anos.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário