"Notas Sobre um Escândalo" (Notes on a Scandal, 2006) é um filme que tem como cenário principal uma escola no subúrbio de Londres, cujos alunos, desprivilegiados e marginalizados, não dão muita esperança aos professores. A maior prova dessa descrença é a chefe do departamento de história, Barbara Covett (Judi Dench), que não acredita na importância nem de um relatório preparado à diretoria. O longa é visto quase integralmente por meio de seus olhos julgadores e amargurados, que, por um lado, gostam do fato de serem temidos por todos, mas, por outro, têm pavor da solidão eterna de uma velhice sem familiares ou amigos verdadeiros.
O marasmo da escola é quebrado pela chegada de Sheba Hart (Cate Blanchett), professora de arte que chama atenção pela juventude, pela beleza e pelas tentativas frustradas de se encaixar em um lugar que claramente não lhe pertence. Os professores a invejam, e alguns a desejam; os alunos a desrespeitam, e alguns também a desejam. E a jovem professora não tem qualquer habilidade para lidar com isso. O fato é que a vida de Sheba, que, durante muito tempo, foi integralmente dedicada ao seu filho que tem Síndrome de Down, muda completamente quando se aproxima de Barbara, única professora que lhe dá abertura para iniciar uma amizade. Barbara, feliz por não ter mais uma vida fria, solitária e vazia, gosta da companhia e da juventude de Sheba, ao mesmo tempo em que a julga por praticamente tudo que faz, em que critica suas roupas e sua família. Sheba usa à exaustão a grande habilidade de Barbara de fazer com que pessoas lhe confidenciem segredos, até os mais constrangedores. Quando Barbara descobre o maior segredo de Sheba, o envolvimento amoroso e sexual com um de seus estudantes, percebe uma grande oportunidade para ter uma companheira para toda a vida.
Se, antes, a vida de Barbara era resumida à mão de ferro com que conduzia suas aulas e pela melancolia de sua vida pessoal, e a de Sheba era dominada por um casamento fracassado, sua aproximação traz consigo um verdadeiro tormento. A professora de história, ciumenta e possessiva, usa a chantagem para manter Sheba perto de si, que passa a viver constantemente sob pressão. O diretor Richard Eyre, um dos principais nomes do teatro britânico, é fantástico ao mostrar o sofrimento e a enorme tensão entre as duas. Com a câmera muitas vezes focando nos rostos e sua habilidade notável em criar forte inquietação com cenários claustrofóbicos, Eyre nos entrega uma direção admirável, e conduz um dos dramas mais angustiantes dos últimos tempos. Este é, sem dúvida, o melhor trabalho do diretor no cinema até hoje, e considero que uma indicação ao Oscar por sua direção seria merecida.
O roteiro adaptado por Patrick Marber é uma obra-prima. Os rumos que a história toma são muito mais importantes que o fato de Sheba ter se envolvido com seu aluno. A habilidade de focar na relação das duas mulheres e colocar o envolvimento de professora e aluno como um pano de fundo é fantástica, e considero um dos maiores acertos de Marber; saber o spoiler de qual é o segredo de Sheba não atrapalha, de maneira alguma, a experiência de assistir a "Notas Sobre um Escândalo". Os diálogos são belíssimos, e temos algumas frases memoráveis ditas principalmente pela personagem de Judi Dench, como sua definição de como são os estudantes de sua escola e seus devaneios sobre a solidão eterna. Barbara, que, no início do longa, afirma que é ótima para guardar segredos, compartilha os seus conosco, e esse diálogo com o espectador é extremamente bem construído e viabilizado pelo roteiro. Não costumo gostar de personagens lendo cartas ou falando sozinhos, porém aqui temos uma aula de Patrick Marber de como fazer isso não ficar estranho ou brega. Vemos, neste filme, uma profunda discussão sobre poder e medo, em um longa com menos de 1 hora e meia de duração, o que é um feito impressionante. A indicação ao Oscar foi merecida, e acredito que talvez merecesse uma sorte maior na premiação, quando foi derrotado por William Monahan e seu "Os Infiltrados". A trilha sonora, também indicada ao Oscar, e superada por "Babel", é linda, tensa, uma das maiores responsáveis pela inquietude de quem assiste ao filme.
A escolha do elenco foi apenas mais um grande acerto deste filme praticamente sem falhas. Judi Dench e Cate Blanchett têm atuações impressionantes, quase pode-se notar as faíscas saindo quando elas dividem a mesma tela em seus momentos de conflito, e suas personagens são incrivelmente verossímeis. Dench nos mostra claramente o efeitos de uma relação doentia; todas as suas expressões se encaixam perfeitamente com os sentimentos e emoções de sua personagem, simplesmente não parece que temos, ali, uma atriz, e, sim, a própria Barbara Covett. A composição da personagem por meio da maquiagem e do cabelo contribuíram imensamente para que Dench estivesse espetacular em cena, e fosse indicada ao Oscar de melhor atriz. O mesmo pode-se dizer de Blanchett; a composição física da personagem foi menos complexa, mas sua atuação é no mesmo nível de Judi Dench, sobretudo em seus momentos mais difíceis, como quando deixa a casa da professora de história e enfrenta os repórteres. Cate Blanchett teve uma merecidíssima indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante por uma das melhores atuações de sua carreira. O jovem Andrew Simpson e o veterano Bill Nighy, respectivamente amante e marido de Sheba Hart, também saem-se muito bem em seus papéis menores, mas não sem importância. O desejo declarado do garoto pela professora e a fúria do marido têm grande relevância para o desenvolvimento da história, e, até mesmo, para o desempenho de Dench e Blanchett, e os dois desempenham muito bem essas funções.
"Notas Sobre um Escândalo" pode ser considerado um filme completo, com grandes acertos em todos os aspectos. Diverte, emociona, inquieta, faz refletir. Em momento algum é moralista ou vai pelo caminho mais fácil. É, sem dúvida, um dos melhores filmes de 2006, e deve entrar, o quanto antes, na sua lista de filmes que devem ser vistos.
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