Fui ao cinema com a cabeça lotada de comentários e críticas ruins em relação ao novo trabalho de Daniel Filho. Particularmente, não apreciei nenhum trabalho do diretor até agora, tanto pela sua mão pesada em relação à direção de atores como pela sua limitação no papel de diretor. Filmes como ‘’A Partilha’’, ‘’Se Eu Fosse Você’’ e ‘’Primo Basílio’’ não me conquistaram, os quais considero medíocres. Porém, fui surpreendido com esse ‘’Chico Xavier’’, tanto pelas belíssimas atuações (basicamente um dos pilares que sustentam o filme) como a forma em que a trajetória da personagem espírita é tratada.
Antes de tudo, a intenção nesse texto é analisar a obra no que tange a sétima arte, logo sem preocupação nenhuma com crenças e religiões. Claro que o filme é totalmente mergulhado na doutrina espírita kardecista, mas seria um erro criticá-lo de acordo com o meu posicionamento religioso (sou ateu e respeito o espiritismo, doutrina com a qual tenho bastante contato por causa de meus parentes).
Tendo esclarecido essa questão, vamos ao que interessa. O filme trata do médium Chico Xavier, uma figura polêmica e importante dentro da doutrina espírita e que comoveu o Brasil durante o período em viveu. Psicografava textos de espíritos, os quais sussurravam em seu ouvido o que deviam escrever, e desse modo escreveu mais de 400 livros, inclusive psicografou autores famosos, como Olavo Bilac e Augusto dos Anjos. Era visto como uma pessoa muito prestativa, sempre ajudava aos que lhe solicitavam ajuda.
O cineasta opta por começar o filme em um programa de perguntas que Chico Xavier participou, justamente para permitir a possibilidades de contas a história em formato de flashbacks. Temos a personagem de Tony Ramos bebendo em excesso logo nas primeiras cenas, o que demonstra certa falta de sutileza já característica do diretor, totalmente desnecessária. Esse traço citado marcará algumas passagens do filme, o que só traz conseqüências negativas.
Logo somos transportados para a infância de Chico Xavier (agora interpretado por Matheus Costa), que é obrigado por Rita (uma bastante caricata Giulia Gam) a lamber a ferida de seu irmão, em meio a rezas da beata. O garoto é discriminado por ser o esquisito, estranho, pois diz ouvir vozes e ver coisas que ninguém ouve e vê, respectivamente. Nisso, a criança procura consolo nos braços da sua mãe, já falecida (Letícia Sabatella em uma atuação artificial surpreendente por tratar-se de uma atriz tão talentosa) e que se manifesta como um espírito. Esse primeiro momento é um tanto abaixo da média, pois as atuações soam tão performáticas que não passam credibilidade que o público precisa.
Ainda na infância Chico Xavier dialoga com um padre católico, Scarzelo (Pedro Paulo Rangel numa atuação divertida e de fácil de digestão), procurando salvação por meio de orações intermináveis e pagamento de sacrifícios (como carregar um pesado tijolo na cabeça durante uma procissão). Durante esse período, a personagem é vista como um esquisito e é bastante discriminado pelos seus colegas, o que é bem retratado no filme.
Mais tarde, Chico (Ângelo Antônio, muitíssimo bem em sua atuação) adota uma postura mais madura e, ao invés de tentar se livrar desse atributo diferente em si procura a todo custo entendê-lo. Nesse período temos mais uma das presenças de mão pesada do diretor, na sequência em que o pai de Chico (Paulo Goulart) leva-o a um bordel para que o filho perca a virgindade. Momentos depois de Chico Xavier entrar no bordel e interagir com uma das mulheres, todos estão rezando, ajoelhados no chão, enquanto a personagem de Paulo bebe com outra mulher e a cena se desenrola com uma comicidade desnecessária.
É nesse período de juventude que Chico começa a compreender o seu dom, a escrever as famosas psicografias e publicar livros. Atende muitas pessoas em casa para entregar cartas de parentes e entes queridos que já haviam partido e ajudando a população no que podia. Aqui temos uma visão um tanto mitificada de Chico Xavier, pois este parece imune a qualquer outro sentimento humano, sempre sendo mostrado como calmo e sereno, quando a inserção de uma cena de um Chico irritado o tornaria bem mais humano.
Existe uma sequência totalmente infeliz, que é quando Chico (mais velho, interpretado por Nelson Xavier) está viajando de avião e que enfrenta uma turbulência. Chico fica apavorado e Emmanuel, o espírito que é o seu guia espiritual (André Dias) dialoga com a personagem principal, numa divertida cena de humor. Até que, quando a turbulência passa, a piada é cruelmente destruída por um coro de ‘’amém’’ vindo do avião, estragando todo o humor da cena, reafirmando a falta de sutileza do diretor.
Mais tarde ainda teremos a subtrama de Orlando (Tony Ramos) e Glória (Cristiani Torloni) que provavelmente é a parte mais comovente do filme. Se bem que, outro pilar que sustenta o filme é o poder que ele tem de mexer com o público, cumprindo o papel de levar um pouquinho da trajetória de caridade e doação de Chico Xavier a cada telespectador, um fator incrível para a obra. As atuações de Tony Ramos e de Cristiani Torloni são ótimas e só potencializam a comoção causada nas cenas finais do filme.
Ao final, Daniel Filho acerta ao colocar filmagens reais de Chico Xavier no programa de perguntas ao lado dos créditos, o que adiciona ao filme uma dose extra de realismo. O que decepciona na obra é que ela poderia ter sido muito melhor se não fosse a extrema falta de sutileza do ator e uma direção de atores mais competente, o que fez muita falta principalmente no início do filme, que é precário. No mais, o filme consegue atingir em cheio o grande público, levando uma bonita mensagem dessa personagem polêmica que fez um trabalho de caridade admirável. Impossível ir a uma sessão sem encontrar alguém se emocionando (eu saí de uma sessão onde um homem estava aos prantos, sendo acolhido pela namorada).
http://cinemaboteco.blogspot.com
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