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Planeta dos Macacos: A Guerra

(War for the Planet of the Apes, 2017)
7,4
Média
214 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Percorrendo o planeta dos macacos.

6,5
O universo de Planeta dos Macacos é um dos mais interessantes e bem aproveitados do cinema de gênero. Ele se baseia em uma ideia muito simples: o apocalipse de uma inversão radical na relação de poderes da sociedade. No primeiro filme da excelente saga original, humanos são tratados como animais selvagens em uma sociedade governada por símios e macacos. São bastante conhecidas as leituras raciais feitas sobre esses primeiros filmes a partir de algumas sugestões e pistas deixadas por eles. Os primatas que regem a sociedade, por exemplo, tentam provar a inferioridade do ser humano através de uma análise da sua formação craniana, uma referência muito direta à sociologia determinista do século XIX.

A recriação cinematográfica do universo que teve início em 2011 com Planeta dos Macacos: A Origem se afasta um pouco dessa leitura racial, possivelmente considerando que uma correlação tão direta dos personagens com minorias específicas seria consideravelmente inadequada no contexto contemporâneo. Assim, o novo universo se abre para um comentário mais amplo sobre o modo como a opressão opera na vida em sociedade, pesando talvez um pouco mais para a questão dos direitos dos animais.

É interessante acompanhar uma saga de blockbuster em que as metáforas políticas sejam tão centrais para o universo que apresenta. Planeta dos Macacos: A Guerra, o mais novo filme da série e terceiro dessa recriação, no entanto, revê sua relação com essas metáforas. Lógico, há um comentário claro sobre a cultura de militarização e uma referência interessante a um muro a ser erguido à força, para o prejuízo daqueles que o erguem (essa simbologia do muro foi inclusive muito bem utilizada pelo pôster do filme). Mas, pela primeira vez em um filme de Planeta dos Macacos, não é a crítica política que justifica a constituição do universo fantástico, mas esse próprio universo que dá espaço para o comentário crítico.

Isso é bom, é consequência de uma crescente complexidade dessa narrativa, o que permite observações mais sofisticadas sobre o modo como os personagens se reconhecem nesse mundo definido pela expectativa de extermínio do Outro. Em A Guerra, é particularmente interessante a maneira como são apresentados os macacos desertores de Caesar, o líder da resistência símea. Eles são vistos trabalhando para os humanos como animais de carga, e por isso se lê a identificação “donkey” nas costas de cada um deles. É a primeira vez que temos conhecimento de um mundo para além das fronteiras dos personagens. E essa expansão funciona bem, fundamenta a continuidade da saga ao reconhecer uma sociedade mais diversa, menos polarizada entre estereótipos do bem e do mal. Não que Planeta dos Macacos não tenha feito excelente uso desses estereótipos no passado. O vilão deste novo filme, inclusive, O Coronel (Woody Harrelson), assume com tanto despudor os clichês dos personagens de filmes de guerra que já basta para se desconfiar do interesse do filme de ironizar com os tipos que surgem nesse gênero.

Além das referências a filmes de guerra — em uma parede nos túneis abaixo do quartel de quarentena dos humanos se lê “Ape-calypse Now” —, o filme também encena um faroeste nos primeiros atos, em que Caesar e três de seus macacos de confiança cavalgam pela neve à procura do coronel, enquanto o último pedaço da trama é uma tentativa mais direta de escape movie. Tem um pouco de charme nessas homenagens, mas elas também soam como sintomas de um texto meio perdido entre suas possibilidades. A construção do roteiro é tão problemática que a história de Planeta dos Macacos: A Guerra só se resolve a partir de uma série de deus ex machinas e sequências apoteóticas de ação que não se inserem muito bem no filme, embora certamente facilitem o trabalho da equipe de marketing. Se, por um lado, expandir o universo viabiliza certa liberdade de criação, por outro parece que não se sabe muito bem o que deve ser feito com essa abertura.

Apesar desses problemas, o filme consegue manter o principal acerto dos filmes anteriores: o especial interesse nos personagens e em como estes são afetados pela ação. O diretor Matt Reeves se dedica, mais uma vez, a aproveitar a tecnologia para explorar as expressões de rosto e as particularidades do olhar, corajosamente se apoiando em diálogos silenciosos. Há excepcional valentia em se construir longas cenas dramáticas voltadas unicamente para o desenvolvimento emocional de um personagem criado a partir de capturas digitais.

O mais cativante dessa recriação segue sendo a incomum congruência entre o artifício que justifica o interesse na obra pela indústria — os efeitos que permitem feições e movimentos realistas, humanizados, a personagens de fantasia — e a apreciação metafórica, política do universo conquistada a partir dessa humanização. Mesmo que Planeta dos Macacos: A Guerra se destaque entre os desafinados da saga, o universo que apresenta ainda é um dos mais sensíveis e significativos da Hollywood contemporânea. Afinal, é uma conclusão respeitável para a trilogia e uma ótima indicação do que esse universo ainda é capaz.

Comentários (2)

Lucas Moreira | domingo, 30 de Julho de 2017 - 11:42

Espero muito desse filme.

Rosana Botafogo | domingo, 26 de Agosto de 2018 - 08:37

Excelente comentário, ótimo filme...

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