Percebemos algo errado quando uma família, no caso irmãos, estranhos um para o outro, se encontram unicamente graças a morte de um ente. Meu País (idem, 2011), projeto de André Ristum, une irmãos a partir da morte do pai e, nesse encontro, alguns segredos transtornam a relação, cujos valores identificados logo em seu ato inicial refutam a caracterização imediata dada aos personagens, o que os torna mutáveis - e enquanto mutáveis, humanos. O laço fraternal desenvolvido pelo roteiro de Ristum, juntamente a Marco Dutra e Octavio Scopelliti, viabiliza nossa interação com o filme, belo do ponto de vista dramático e singelo na sua aceitação pelo outro, priorizando uma relação disposta quando uma nova personagem surge, fruto de um adultério.
Marcos (Rodrigo Santoro) leva uma boa vida na Itália. Namora a filha de seu chefe, que o tem como braço direito. Sem outro motivo para voltar ao Brasil, retorna quando fica sabendo da morte de seu pai, Armando (vivido por Paulo José, numa participação especial). Aí o espectador já identifica uma abstração por parte do rapaz quando este observa o nome da mãe na sepultura, ignorando completamente o enterro. Em contrapartida, seu irmão Tiago (Cauã Reymond) sente a perda, e lamenta a ausência do patriarca de uma maneira apreensiva, como se algo a mais tivesse sido perdido. Tiago é quem se responsabiliza pelos negócios da família no Brasil, mas está endividado por conta de grandes apostas no poker.
A narrativa é segura, possui bom ritmo e prende nossa atenção quando percebemos o distanciamento dessa família. A nossa curiosidade se sustenta por um acontecimento numa das cenas de abertura, se mantendo ao longo da projeção enquanto novos casos se desenrolam. O diretor nos dá algumas informações em detalhes, como quando, sem averiguar do que se tratam alguns materiais, Marcos joga tudo dentro de uma caixa, o que garante ao espectador uma sugestão do que foi guardado, incitando nossa percepção sobre o provável desfecho dessa ação.
Dentro desse âmbito de relações estabelecido, o filme se agarra à necessidade do outro, e isso se fundamenta no papel do cuidado, quando alguém se vê responsabilizado por uma outra pessoa, ao qual até então nenhum dos personagens estava sujeito. Percebemos esse distanciamento ao acompanharmos a intimidade de Marcos e sua namorada italiana – vivida por Anita Caprioli – com o rapaz, demonstrando um flagrante deslocamento afetivo. A conversão dessa personalidade é bem traduzida ao longo da história.
Logo surge Manuela (Debora Falabella, encantadora e irretocável em cena), uma irmã que Marcos e Tiago não conheciam, resultado de um relacionamento extraconjugal do pai. A garota está internada numa clínica psiquiátrica e precisa de atenção familiar, mas poucos lhe restaram. Um conflito se inicia por parte do personagem de Santoro, que precisa voltar rapidamente para a Itália, e Tiago, arredio ao problema da irmã. A saúde mental, tema já trabalhado pelo cinema nacional de distintas formas, como a visão artística do recente Sem Controle (idem, 2007), de Cris D'Amato, a versão psicótica por Heitor Dhalia em Nina (idem, 2004) e no sucesso Bicho de Sete Cabeças (idem, 2001), de Laís Bodanzky, ganha um exemplar sincero que remete outra perspectiva do assunto: o acolhimento.
Santoro e Reymond cumprem bem seus papéis, com o primeiro se destacando também quando fala italiano, mas é Debora Falabella a dona do filme numa performance afetuosa. Feito com a pretensão de comover o público, Meu Paí é um trabalho delicado sobre a tolerância e o cuidado, numa oportunidade de descobrimento pessoal e de sentimentos anteriormente adormecidos. Com leveza e singularidade, apesar da narrativa ser por vezes efêmera e mal explicada, o longa se fundamenta no brilho fraternal e no apego, passando da fria solidão ao caloroso conforto do afago e das palavras outrora indizíveis. Esta sensação é reservada no reencontro, na aliança de seus personagens.
Parece bem bom.
Dois irmãos que precisam se unir, depois da morte do pai, para cuidar da irmã com problemas psiquiátricos que até então não conheciam. Débora Falabela é o destaque do filme.