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Críticas

Cineplayers

O crime moderno.

8,5

Encenado à época da primeira eleição do presidente Barack Obama, em 2008, O Homem da Máfia (Killng Them Softly, 2012), a nova obra de Andrew Dominik, que sucede O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (The Assassination of Jesse James By The Coward Robert Ford, 2007), utiliza-se de alguns dos ícones do filão policial recente, como Ray Liotta, astro de Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990) e James Gandolfini, consagrado como o mafioso Tony Soprano do seriado da HBO Família Soprano, para mostrar como o mundo do crime caminha junto com os novos tempos.

Os discursos de mudança pouco influenciaram no mundo do comércio ilegal, o mundo do capitalismo selvagem, impiedoso, onde qualquer um que quebre a paz das transações sofre represálias imediatas, qualquer que seja sua conexão, ninguém escapa. Baseado na novela policial Cogan’s Trade, de George V. Higgins, lançado em 1974, O Homem da Máfia é um típico policial moderno pós-O Pagamento Final (Carlito’s Way, 1993), com personagens vivendo em um mundo onde não há nenhum conceito de honra, valor ou lealdade – existe apenas uma maratona de diálogos e mortes estilizada com mão pesada por Dominik.

A história é linear, sem grandes reviravoltas. Jackie Cogan, um mafioso cínico e profissional, procura por dois assaltantes de uma casa de carteado cujo dono é suspeito de certa vez ter mandado roubar o próprio local para causar uma onda de pânico entre as casas de jogo ilegal da região. O que em filmes anteriores era uma questão central – temas como traição ou decadência moral – agora não passa de mero detalhe onde o protagonista só quer cumprir seu serviço da forma mais rápida (mas não tão limpa) e voltar para casa no final do dia.

O ritmo imposto por Dominik nunca é rápido ou apressado. O diretor, com a preferência pela diluição do tempo cinematográfico, compôs mais uma vez obra composta por grandes blocos, levados por grandes diálogos, onde Cogan observa assassinos decadentes, bandidos de segunda (ou terceira) linha e senhores de terra patéticos. Seu profissionalismo realista não acredita mais em ideais nem tem sonhos ou idílios – não é muito além de um trabalhador com uma profissão  à margem da lei.  Mesmo a violência não é rápida, como tão abordada por outros diretores – seja por uma sequência de super câmera lenta que mostra didaticamente os efeitos de uma bala atravessando a carne, seja por outra que é uma longa exposição à repetição da agressão de mãos nuas, onde o som é trabalhado de forma seca, impactante e agressiva. Somos atacados sensorialmente a cada cena de violência.

Esse filme de crime do novo século, onde o personagem de Brad Pitt surge ironicamente ao som de The Man Comes Around, de Johnny Cash (sua justiça não é divina, é humana, em nome do individualismo, da liberdade de todos serem comerciantes, cada um dono do próprio feudo), pode até chocar pela violência física brutal (como aconteceu em Cannes), porém muito mais perturbadora é a violência em seu contexto, dos diálogos carregados de ódio e conflito, de homens perigosos e pouco afetivos – não há uma personagem feminina de peso marcante, e as que aparecem são hostilizadas. É um mundo em vias de trombar consigo mesmo, onde mesmo nas cenas mais leves, elementos cênicos e diegéticos envolvem degradação; veja as cenas de consumo de álcool e drogas, onde seus personagens estão cada vez mais acabados e mais vulneráveis. As músicas que pontuam a trilha sonora surgem sempre em contextos irônicos, quase como se o filme risse amargamente do destino daquelas pessoas presas em um mundo inescapável.

Tudo isso dá a O Homem da Máfia seu aspecto denso e pesado de bomba-relógio esperando para explodir, que passa-se em uma lentidão desapercebida. Enquanto aqueles homens cambaleiam para sua morte, a profundidade de campo da câmera é pouco trabalhada, mas exploram-se exaustivamente truques e trucagens de luz e de imagens-movimento, criando criaturas cinzas e viciadas, tomadas pelas sombras da decadência moral que contaminam suas faces. É um filme essencialmente de caráter escuro, onde atrás das sombras mora uma podridão que o homem comum a vivencia por seus indícios, mas parece ignorá-la; não fosse pelo contexto político criado pela utilização da televisão, seus personagens vivem em um mundo à parte, paralelo e truculento.

Esse mundo atraiu tanto Dominik por ser a história de uma crise econômica dos marginais em meio à crise econômica americana, que acabaria por derrubar Bush e levaria o senador Obama ao posto de presidente da nação – para o diretor, ambas as crises, a nacional e a criminal, são o resultado de uma economia corrupta que entrou em crise por ser tão explorada, abusada e retorcida.

Enquanto há a esperança nas telas de televisão, nos discursos de microfone, nas mesas de bar onde comentam atentos, os cacos da moral americana que se desfaz em nome do mercado livre, selvagem, opressor e injusto criam um filme que não evolui emocionalmente – quando Cogan diz que prefere matar à distância para não se envolver emocionalmente, está sentenciada a narrativa que recusa a catarse, cuja explicação final acaba recaindo em certa redundância, pois a demanda por profissionalismo e dinheiro e menos por pose, glamour, mitologia ou mesmo em fé em ideias que tudo poderia mudar (“Yes, we can”) já era uma constante.

Nessa América desumana, foram embora os seres humanos, tomaram seu lugar os comerciantes. O fato de acabar em cima da marca fatal embalado por uma música irônica acaba criando um filme continuado, mas sem reticências. Talvez, um filme interrompido, já que sua história se repete todos os dias. A história de Jesse James e a de Jackie Cogan denunciam mais uma vez que a truculência insensível de nossa sociedade está longe de ter um ponto final.

Comentários (6)

Ravel Macedo | domingo, 02 de Dezembro de 2012 - 22:48

Jesse James é OP desvalorizada, e esse diretor é o mais promissor dessa geração e parece que com este não está se deixando levar pela industria mantendo a mão firme na obra.

Patrick Corrêa | quinta-feira, 06 de Dezembro de 2012 - 16:54

A crítica está ótima. Bernardo tem escrito textos realmente ótimos. Esse está tão bom que até faz o filme parecer um pouco melhor.

Renato Coelho | domingo, 20 de Julho de 2014 - 14:14

muito chato esse filme, deu até sono!!!

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